quarta-feira, 17 de julho de 2013

África subsaariana: a última fronteira do capitalismo


A região da África Subsaariana é composta por 47 países: África do Sul, Angola, Benin, Botsuana, Burkina Fasso, Burundi, Camarões, Cabo Verde, Chade, Congo, Costa do Marfim, Djibuti, Guiné Equatorial, Eritréia, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Ilhas Comores, Lesoto, Libéria, Madagáscar, Maláui, Mali, Mauritânia, Maurício, Moçambique, Namíbia, Níger, Nigéria, Quênia, República Centro-Africana, Ruanda, República Democrática do Congo (Ex-Zaire), São Tomé e Príncipe, Senegal, Seychelles, Serra Leoa, Somália, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Uganda, Zâmbia e Zimbábue. (Folha de São Paulo)


Herbert Schützer
Última região a ser integrada ao sistema capitalista, a porção subsaariana do continente africano, está sendo disputada pelas grandes potências mundiais e por potências médias para atender aos mais diferentes interesses. Ainda sobre as ruínas do neocolonialismo e suas consequências trágicas culturais e econômicas, este espaço não apresentou um processo evolutivo do capitalismo devido a sua proximidade com a Europa e sua expansão nos primeiros passos da mundialização capitalista do século XV. A África subsaariana é o novo e último espaço para o capitalismo alcançar sua universalidade e, consequentemente, estabelecer sua dominação generalizada pelo planeta e de fato chegar ao chamado “fim da história”. (FUKUYAMA,1989) Nesse caso, considerando a China como um caso peculiar a ser estudado. Nesta “nova” arena os principais países do sistema mundial e alguns países de segundo escalão estão colocando em ação suas geopolíticas “soft power”, em geral, para atingir as maiores vantagens comparativas possíveis . Desde o final do século XX e este início do XXI, o panorama subsaariano vem apresentando atrativos na esfera econômica, que atiçam a cobiça das potências mundiais e suas empresas, que acabam contribuindo para a manutenção de um espaço desarticulado e um Estado decadente, incapaz de garantir suas premissas sócio-econômicas devido à cobiça que promove nas classes dominantes cooptadas locais. Com isso, os países subsaarianos tornam-se presas fáceis dos diversos interesses dispostos nas diversas esferas da vida dos países, que não adotam nenhum critério seletivo nas parcerias propostas e as possibilidades de consolidação das suas estruturas ficam comprometidas. Essa falta de objetivos é, possivelmente um ranço do colonialismo e suas artificialidades políticas e sociais, como também da Guerra Frias e suas influências nefastas para a formação da jovem região independente.
Após o fim da Guerra Fria, as potências centrais e algumas potências médias, entre elas o Brasil, voltaram seus interesses para o último ( além da Antártica que, por força de suas condições naturais e do Tratado Antártico, continua preservada) espaço mundial ainda não totalmente inserido na dinâmica da globalização – a África Subsaariana com sua diversidade a ser explorada pela lógica neoliberal. Lógica essa que trás em seu bojo uma gama de práticas que seduzem as classes dominantes e médias de países que procuraram a modernização de suas sociedades, com a idéia de acesso fácil às inovações tecnológicas ao custo de uma flexibilização econômica e política em prol do capital internacional. (CARVALHO. 2002)
Na década de 1990, surgiu uma concepção política abrangente entre as grandes potências (como também na ONU) de que o engajamento delas se fazia necessário para garantir um futuro mais promissor para a África Subsaariana. Europeus e norte-americanos lançaram propostas assistencialistas para a região, no intuito de remediar a tragédia subsaariana com a canalização de recursos dos países ricos, a fim de modernizar o sistema de produção dos países mais carentes, tendo por base a criação de um sistema eficiente de produção em alguns setores primordiais da economia da região. Porém essas iniciativas, retóricas ou não, foram paulatinamente superadas pelos interesses econômicos imperialistas de um capitalismo globalizante e pelas dificuldades endógenas que a região subsaariana apresentava. (PIMENTEL. 2000) Na intersecção dessas duas variáveis, a região subsaariana tornou a agonizar, em virtude do recrudescimento da violência de diferentes naturezas e das epidemias que se alastraram num meio historicamente carente, provocando um enorme sofrimento da população. Os conflitos anteriores, alimentados pela Guerra Fria, continuaram devido à marginalização estratégica da região no período subseqüente e também devido aos paradigmas coloniais que subsistiram.

Passado esse hiato do pós-Guerra Fria, novas geopolíticas nacionais estão materializando interesses distintos, num espaço de grande diversidade e com traços colonialistas que se imbricam à nova realidade do continente, quase cinquenta anos após o processo de independência. As potências usam diferentes práticas de penetração política e econômica e se sobrepõem às políticas locais e aos interesses do principal país da região, a África do Sul. Contudo, todos enfrentam os paradoxos de uma região com uma história que penetra na antiguidade, cujos valores culturais perpassaram pelo colonialismo europeu e por suas conseqüências e são vivificados na atualidade. Soma-se a isso, por um lado, a presença dos países ocidentais e seus paradigmas, constituindo ideais de legitimação civilizacional, que entram nesse jogo geopolítico de acumulação de poder na porção subsaariana da África. Por outro, as potências orientais legitimadas por diferentes valores, mas atuando com os mesmos objetivos na busca de vantagens comparativas. (FIORI, 2007)
O caráter destoante da política externa brasileira no sentido da autonomia subsaariana com uma geopolítica humanista, segundo o discurso das autoridades políticas, corrobora a ideia da universalização capitalista e seu aparato legal e confirma a ação do país de alinhamento ideológico com os países que comandam o sistema mundial. O Brasil atua no sentido de colaborar com as potências mundiais e médias interessadas na região subsaariana usando as opções disponíveis no sistema mundial para países classificados como potências médias, procurando contrabalançar uma ação humanitária na África, com a participação nos fóruns liderados pelos países ricos. O que segundo Andrew Hurrell (2009), leva o Brasil a praticar o “bandwagoning” (indica o ato de aliar-se com a potências mundiais e agir livremente no cenário internacional servindo às finalidades de longo prazo a essas potências. O termo foi originalmente usado pelo cientista político Stephen Van Evera.), uma vez que contribui para uma organização do espaço subsaariano, que pode vir a ser mais útil ao sistema capitalista, contudo correndo o risco de latinizar economicamente a região subsaariana.
Dessa forma, as perspectiva para a África subsaariana podem ser positivas no sentido da sua organização do espaço e da consolidação do Estado, porém, numa projeção mais de longo prazo, o que se observa é uma continuidade das práticas já desenvolvidas pelas economias mais desenvolvidas em estruturas mais adequadas ao capitalismo. Os anseios subsaarianos parecem não ser considerado na suas diversidades, o ‘etnocentrismo’ capitalista não levam em conta as questões endógenas das populações locais, como fez com a América Latina. O Brasil precisa repensar sua geopolítica subsaariana, no sentido de reforçar as estruturas que garantam uma autonomia para os países, de forma que suas escolhas tenham espaço de manifestação interna e externa. Se de fato o país possui o compromisso declarado pelo governo de Lula e que ela se transforme numa política de Estado.

BibliografiaCARVALHO, Leonardo Arquimimo. Geopolítica e Relações Internacionais. Curitiba. Juruá Editora. 2002.
FIORI, José Luís. O Poder Global. São Paulo. Editora Boitempo. 2007.
FUKUYAMA, Francis. The end of history. EUA The national interest. 1989.
HURRELL, Andrew. LIMA, Maria Regina S. HIRST, Monica. MACFARLANE, Neil. NARLIKAR, Amrita. FOOT, Rosemary. Os BRICs e a Ordem Global. Rio de Janeiro. Editora FGV. 2009.
PIMENTEL, José Vicente de Sá. Relações entre o Brasil e a África. Brasília. RBPI vol 43, número 001 p.05-23.. 2000.

Herbert Schützer é Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP, pós-graduado em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP e mestrando em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP (hschutzer@globo.com).

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