IBGE classifica novo tipo de vegetação brasileira
Floresta Estacional Sempre-Verde pode ser encontrada no Mato Grosso e é caracterizada por não perder suas folhas, mesmo em épocas de seca
Clara Nobre de Camargo
Interior da Floresta Estacional Sempre-Verde das Terras Baixas, parcialmente alterada (MT)
Foto: IBGE/Divulgação
Entre cerrado, caatinga, florestas ombrófilas e tantas outras formações da flora brasileira, nesta terça-feira (18) um novo tipo vegetação passou a fazer parte do nosso Sistema de Classificação de Vegetações. A Floresta Estacional Sempre-Verde, que pode ser encontrada principalmente no Estado do Mato Grosso, foi oficializada no Manual Técnico da Vegetação Brasileira, lançado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Elaborado por uma equipe técnica de especialistas no assunto, o estudo descreve esta vegetação como possuindo baixa riqueza de espécies, se comparada com os tipos florestais próximos, apesar de permanecer, como diz seu nome, sempre verde, mesmo nos períodos de estiagem. Nas áreas mais baixas é possível encontrar uma grande exuberância das plantas, com árvores de 30 a 40 metros de altura, de troncos largos.
“A vegetação da Floresta Estacional Sempre-Verde é constituída por espécies essencialmente amazônicas que revelam ausência ou baixa decidualidade (perda de folhas) durante o período de estiagem”, coloca o manual. Ela pode se mesclar com florestas ombrófilas, savanas e caatingas, dependendo do seu local de ocorrência.
HORIZONTE GEOGRÁFICO
Camila Carvas
Há um século, o engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade voltava da Austrália com um pequeno tesouro em suas malas. Não, não eram milhares de dólares: eram sementes de eucalipto. Sua missão ao cruzar os oceanos Atlântico e Índico era descobrir uma árvore que fornecesse carvão para as locomotivas e madeira para os dormentes das ferrovias. Contratado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, ele acabou trazendo ao Brasil uma espécie que hoje é o pilar de sustentação da indústria de papel e celulose, da qual o País ocupa a 8ª posição no ranking mundial.
Além de servir para a ampliação das estradas férreas – que cresciam conforme a lavoura cafeeira de São Paulo progredia –, o eucalipto foi utilizado a partir de 1905 também para reflorestar a mata nativa, desmatada por culturas de cana-de-açúcar desde o século 16.
Hoje, o reflorestamento com eucalipto é uma das atividades econômicas mais importantes a longo prazo. Enquanto ele leva sete anos para sofrer o primeiro corte, o pinheiro, por exemplo, demora 25. Segundo Boris Tabacof, presidente do Comitê de Papel e Produtos de Madeira da Organização das Nações Unidas, o Brasil tem 4,5 milhões de hectares plantados – um terço destinado à indústria de papel e celulose. Com a crise de madeira e de energia, a árvore também tornou-se alternativa para combustível e matéria-prima para a construção civil. E, ufa!, é usada ainda na produção de tecidos, perfumes e remédios.
Revista Aventuras na História
Os babaçuais, que compõem pelo menos 12% das florestas de terra firme da Amazônia, são um dos tipos de matas antropogênicas, ricos em materiais de construção A floresta amazônica é normalmente relacionada a um ambiente vasto, imutável e uniforme. Sua composição, no entanto, varia significativamente e muitos ecossistemas, com vegetação, relevo e fauna específicos, compõem o conjunto da floresta. De uma maneira geral, os principais ecossistemas podem ser divididos em ambientes de terra firme e ambientes inundados pelas cheias dos rios. Estes ecossistemas, no entanto, são um mosaico com inúmeras variações, tais como as várzeas, igapós, campinaranas, cerrados e campos. Praias marinhas, como as do litoral do Pará e Amapá, e mangues também compõem a diversidade da floresta.
Florestas de terra firme
São matas fora da influência dos rios, que nunca sofrem inundações e cobrem 90% da bacia amazônica. Estão localizadas em planaltos pouco elevados, de 60 a 200 m, firmadas em solos profundos, até 50 m, e bem drenados. Em geral não existe dominância nítida de uma espécie vegetal sobre as demais e a altura média das árvores é de 40 m. Um grande número de madeiras nobres, como o mogno, o cedro e os louros, é encontrado nessas matas.
No interior das matas de terra firme, dependendo da quantidade de luz que chega ao solo, pode existir uma maior ou menor quantidade de plantas arbustivas, palmeiras, ervas e cipós. A idade máxima das árvores varia bastante. Recentemente, foram datadas espécies com mais de mil anos neste tipo de ambiente. A morte das árvores pode ser causada pelo alcance da idade máxima, por falta de luz, ataques de fungos e insetos e pela presença de uma grande quantidade de cipós e hemiepífitas, plantas que matam por estrangulamento. Muitas das espécies, no entanto, desenvolveram sistemas de defesa a estas ameaças e conseguem, por exemplo, renovar os troncos comidos por insetos.
A luz desempenha um papel muito importante no desenvolvimento das árvores: às vezes alguns indivíduos têm o crescimento totalmente interrompido em função da falta de iluminação. Assim, clareiras nas florestas favorecem o crescimento de exemplares como a castanheira. Em matas densas e sem luz é muito difícil encontrar unidades jovens desta espécie.
Riqueza biológica
As florestas de terra firme são os ecossistemas terrestres mais ricos em diversidade de espécies no planeta. Tal riqueza biológica resulta da união de fatores como o clima, luz, água abundante e temperaturas amenas que, juntos, propiciam boas condições para o crescimento das plantas. Em ambientes com baixas temperaturas e pouca água, como nas florestas temperadas, a diversidade de espécies é bem menor. A diversificação de hábitats, provocada por variações de solo, topografia e padrões de chuva, também favorece a adaptação de diferentes espécies.
Acredita-se que outros fatores que influenciaram a riqueza biológica da região foram as mudanças climáticas que ocorreram durante o Pleistoceno, entre dois milhões e 20 mil anos atrás. Elas provocaram a expansão e a contração da floresta e dos cerrados, o que isolou populações que anteriormente viviam no mesmo ambiente e propiciou a evolução de espécies distintas. Outros eventos geológicos do passado, como a formação e o desaparecimento de grandes lagos, também isolaram frações de população e resultaram na evolução de espécies diferentes da população original. O grande número de interações entre plantas e animais promoveu a adaptação de flores e frutos a diferentes agentes polinizadores e dispersores de sementes e estas interações também auxiliaram na diversificação da família das espécies.
Outros tipos de vegetação
A continuidade espacial das florestas de terra firme é interrompida por áreas abertas, como os cerrados, campinas e campos inundáveis. Apesar destas áreas parecerem pequenas em comparação à área da floresta, ainda são tão grandes como o Uruguai ou metade da Alemanha. As maiores áreas abertas da Amazônia estão localizadas no nordeste da ilha de Marajó, em regiões próximas à costa atlântica do Amapá, acima do rio Trombetas e em Roraima. Abaixo do rio Amazonas há pequenas áreas, como os cerrados de Humaitá e do baixo rio Purus e os campos nos arredores da Serra do Cachimbo. No total, as regiões abertas cobrem cerca de 100.000 a 150.000 km2, entre 3 e 4% da Amazônia brasileira.
Os cerrados são formados por uma vegetação predominantemente baixa, com poucas árvores de troncos retorcidos, recurvados e de folhas grossas, esparsas em meio a uma vegetação rala e rasteira. As campinas são vegetações baixas, com poucos arbustos, sustentadas em solos muito arenosos. A campinarana é um tipo de vegetação arbórea, de transição entre campina e terra firme, rica em bromélias e orquídeas epifíticas. Os campos inundados são áreas abertas ao redor de rios que ficam inundadas periódica ou permanentemente. Os mangues não são necessariamente áreas abertas e ocupam um espaço muito reduzido na região. Eles estão localizados em um corredor litorâneo estreito, sujeito a inundações de água salobra na costa da ilha de Maracá e o rio Oiapoque.
Matas inundadas
O sistema do rio Amazonas é caracterizado por florestas altamente adaptadas a sobreviver por longos períodos de submersão. Alguns rios têm seu nível elevado em 15 m em algumas épocas do ano e a água cobre grandes áreas de florestas por até oito meses. As florestas inundadas são chamadas de igapós nos sistemas de água preta pobres em nutrientes e várzeas nos sistemas de água branca, ricos em nutrientes.
Os dois tipos de floresta têm os mesmos desafios para manterem-se vivas nas épocas de cheia, quando a água chega a cobrir árvores inteiras. Para prevenir saturações por água, os troncos em geral são envoltos por camadas espessas de cortiça, as folhas são cobertas por cutículas que as impermeabilizam e, em algumas espécies, as raízes são aéreas, o que assegura o suprimento de oxigênio. Quando a copa é submersa, o metabolismo da árvore diminui, mas as folhas permanecem ali e passam a funcionar normalmente logo que o nível da água baixa.
Os ecossistemas de matas inundadas são um dos ambientes ecológicos mais importantes da Amazônia, em função do abrigo e nutrição que oferecem a centenas de espécies, como peixes e aves. Como é mais fácil retirar e transportar toras das áreas inundadas, já que elas ficam aparentes quando o nível da água baixa, essas matas sofrem maior impacto, o que prejudica o equilíbrio da cadeia alimentar.
Matas antropogênicas
Compõem pelo menos 12% das florestas de terra firme na Amazônia brasileira e refletem o uso intensivo e o manejo feito por populações no passado. As sociedades indígenas modificaram o meio ambiente amazônico, criando condições favoráveis à predominância de algumas espécies vegetais em algumas regiões, como os castanhais, as florestas de bambu e as florestas com dominância de palmeiras. Estas matas têm uma concentração de recursos como alimento (babaçu), frutos atraentes para caça (como o tucumã, cujas frutas atraem antas e cutias), materiais de construção (babaçu), medicamentos, materiais para implementos (bambu), repelentes de insetos e lenha.
Revista Horizonte
Sufocado pelo assoreamento de cultivos agrícolas do Cerrado, O pantanal, maior planície alagável do mundo, está ameaçado. É urgente um plano de salvamento
Texto: Sérgio Adeodato
Texto: Sérgio Adeodato
Erosão mudou o fluxo das águas no Pantanal. Inundações expulsaram o gado, causando prejuízos para as fazendas.
No caminho entre a capital Campo Grande e a cidade de Corumbá, às margens do rio Paraguai, no Mato Grosso do Sul, a BR-262 margeia um dos refúgios de vida silvestre mais sensíveis do planeta: o Pantanal. Estamos no limite ao sul da planície e aqui deveria ser um espaço de contemplação. A estrada, no entanto, denuncia impactos que estragam a paisagem e alteram os ecossistemas. Daqui se avistam queimadas em fazendas centenárias onde cresce uma pastagem estranha ao ambiente. No município de Aquidauana, a 130 km da capital, carvoarias são o destino das árvores retiradas para dar lugar a plantações. Ao longo da rodovia, impressiona o número de animais atropelados: em menos de 50 quilômetros de percurso, avistamos um cachorro-do-mato, um tamanduá-mirim, um tamanduá-bandeira e um quati. Plantios de eucalipto sobre pastagens abandonadas se espalham perto de nascentes.
Ao transpor a ponte sobre o rio Miranda, 350 quilômetros antes de Corumbá, nota-se a erosão à beira d’água. Bancos de areia barram o curso do rio e sujam a paisagem de marrom. “Antes eu pescava dourado com anzol lançado da ponte, mas hoje o peixe sumiu”, lamenta o motorista Paulo Mora.
O que está acontecendo com o Pantanal? A resposta é do pesquisador Walfrido Tomas, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Corumbá: “A vida na região depende do ir e vir das águas, mas os rios são alvo de graves impactos que mudam o cenário, provocam desequilíbrio e tornam o Pantanal irreconhecível”. Um recente mapeamento feito por cinco organizações ambientalistas (Conservação Internacional, WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, Avina e Ecoa) fornece subsídios para o governo federal agir. Segundo o estudo, o desmatamento é o principal vilão. Restam apenas 40% da vegetação original em toda a Bacia do Rio Paraguai, incluindo a planície inundável que constitui o bioma do Pantanal propriamente dito e o planalto de Cerrado em seu entorno.
A situação é mais grave no planalto, onde 58% das matas estão comprometidas. Entre 2002 e 2008, foi devastada uma área de 6,8 mil km2 para dar lugar à agricultura sem preocupação com critérios ambientais. Por enquanto, mas não se sabe até quando, 85% das terras mais baixas da planície estão conservadas.
Danos irreparáveis
Com o desmatamento no planalto, os solos desprotegidos são castigados pelas chuvas que carregam terra para o rio Taquari, mudando o cenário de campos pontilhados de lagoas, o mais famoso cartão-postal do Pantanal. O processo natural de sedimentação está sendo acelerado pela ação do homem. Com 801 km de extensão, o Taquari é o maior afluente do rio Paraguai. Nasce a 800 metros de altitude no Planalto Central, em Mato Grosso, compondo uma bacia hidrográfica de 65 mil km2, a maior parte no Pantanal. É um rio essencial ao equilíbrio da região, mas o assoreamento interrompeu a navegação, reduziu os peixes e causou prejuízos às propriedades rurais e à população.
O fluxo de cheias e vazantes foi alterado. O entupimento transformou uma porção da área em deserto durante a seca. Em outra parte, 5 mil km2 da planície ficam agora permanentemente alagados. Gado e fauna foram expulsos e o local é hoje cemitério de árvores afogadas, compondo uma paisagem lunar, conhecida como “paliteiros”. Os prejuízos se estendem para além do lugar: dois terços da água que circula no Pantanal nascem nas áreas agrícolas do Mato Grosso. Estudos da Embrapa detectaram nesses mananciais a existência de pesticidas, inclusive o DDT, banido há décadas pelos efeitos danosos ao meio ambiente.
A inundação deslocou colônias de pequenos agricultores para a periferia de cidades maiores, como Corumbá. O bairro Cobrasa, ao redor de um dique inacabado na beira do rio Paraguai, espelha essa realidade. “Sem alternativas econômicas, aumentou a violência e a prostituição”, afirma José Aníbal Camastri, chefe da Embrapa na cidade. O problema atinge os grandes fazendeiros, que viram suas terras submergirem. Quem não faliu arrendou áreas melhores para produzir ou investiu as economias para abrir novas pastagens longe dali. Pistas de pouso das propriedades abandonadas passaram a servir ao narcotráfico.
“Dá pena ver a vegetação morrendo”, diz o proprietário Pedro Lacerda. Sua fazenda, a Bela Vista, teve 60% das terras comprometidas pelas águas e o número de cabeças de gado foi reduzido à metade. “Tive de comprar outra área no Pantanal para deslocar os animais”, conta Lacerda, que é presidente do Sindicado Rural de Corumbá. Com vista para o rio Paraguai, a sede do sindicato estampa na fachada os dizeres: “Passa boi, passa boiada... a natureza fica”. Mas Lacerda teme que o lema não resista aos impactos à região. “É preciso uma ação urgente de controle, porque os rios estão agonizando”, adverte o fazendeiro, defendendo a realização de obras para estancar o assoreamento.
O Ministério da Integração Nacional reservou R$ 54 milhões para consertar os estragos no rio Taquari e recuperar o equilíbrio das cheias e vazantes. Estão previstas dragagens e construção de canais, entre outras intervenções. A obra, prevista para começar no fim de 2009, será executada pela Transrio – empresa que recuperou a calha do rio Tietê, em São Paulo.
O foco da ferida
A “doença” do Taquari tem o poder de se alastrar pelas águas de todo o Pantanal, como já ocorre em outros dois importantes rios – o Miranda e o São Lourenço. “Estamos diante do maior acidente ecológico do país na atualidade e a situação chegou a tal ponto que não dá para ficar de braços cruzados”, afirma o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ferrenho defensor do projeto de dragagem. O projeto, no entanto, é polêmico. Para Alcides Faria, diretor da organização não-governamental Ecoa, em Campo Grande, “será dinheiro jogado no ralo”.
Faria argumenta que, antes de mais nada, é necessário estancar o foco da ferida, ou seja, os sedimentos que descem das plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão na beira do Pantanal. Medidas como curvas de nível nos cultivos, reflorestamento da beira dos riachos e recuperação de voçorocas e outras áreas degradadas começaram a ser empregadas. Mas o ritmo é lento: o material sólido continua entupindo a planície, também alvo de práticas destrutivas, como as queimadas.
“Em 2009, o fogo para renovar pastagens foi muito mais frequente”, afirma Faria. Ele diz que a criação extensiva de gado alimentado por pastagens naturais por séculos contribui para a conservação do Pantanal. É o modelo mais adequado de produção e, portanto, deveria ser valorizado com novas iniciativas, como a pecuária orgânica. A carne com selo ecológico é exportada e chega às redes de supermercados com preços compensadores para os fazendeiros. Em complemento, o ecoturismo é hoje uma importante fonte de renda. A ideia é criar alternativas capazes de competir com atividades predatórias que chegam à região com modelos diferentes da tradição pantaneira.
Um dos perigos é o desmatamento para abrir espaço para novas pastagens, que ocorre principalmente porque a cada geração as grandes fazendas são divididas entre herdeiros. “Em menor tamanho, as áreas acabam desmatadas para aumentar a produtividade”, explica o biólogo George Camargo, da Conservação Internacional. Na contramão dessa tendência, a entidade é proprietária da Fazenda Rio Negro, que preserva um refúgio de áreas virgens para pesquisas de campo sobre o Pantanal e sua função de suprir água, estabilizar o solo e conservar o clima.
Outras ameaças
A mineração é outro foco de problemas para quem defende a preservação do Pantanal. Nos arredores de Corumbá, a BR-262 cruza morrarias que guardam a segunda maior jazida de ferro do país, explorada há mais de uma década por um polo de mineração e siderurgia que agora planeja ampliar a atividade. Como a tubulação de gás natural que liga os poços da Bolívia a São Paulo atravessa o local, o governo estadual acenou com a possibilidade de incentivar ali a instalação de indústrias químicas. O debate sobre o impacto para a vida do Pantanal acirrou-se, levando empresas, organizações ambientalistas e Ministério Público a buscar soluções. O grupo encomendou um amplo estudo para avaliar os riscos da mineração e decidir o melhor caminho. “Todo cuidado é pouco, porque o sistema pantaneiro é complexo e frágil”, afirma o pesquisador Emílio La Rovere, coordenador do estudo realizado pela Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um dos perigos é alimentar os fornos da siderurgia com o carvão obtido da mata nativa ou de florestas de eucalipto plantadas sem métodos de controle. Outra ameaça está no consumo exagerado de água, foco de conflitos na região. As mineradoras chegaram ao Maciço do Urucum com a promessa de gerar emprego, mas a atividade fez os riachos secarem. “Apesar de o Pantanal ter tanta água, hoje dependemos de carros-pipa”, reclama Luzinete Correia, presidente da Associação de Moradores de Antônio Maria Coelho. O povoado se localiza ao pé da morraria, vizinho à linha de trem que transporta o minério de ferro para o resto do país. Três balneários que garantem renda para a localidade foram prejudicados.
“A situação só não é pior porque cuidamos do que restou”, afirma Rômulo Mesquita, mostrando o riacho Pirapitanga que corre no quintal de sua casa. O morador não aceitou o acordo com as empresas para deixar a área, cercada por montanhas que são refúgio da biodiversidade durante as cheias na planície pantaneira. Árvores de ipê-roxo e amarelo colorem a paisagem verde, cenário de pesquisas com espécies que dão pistas sobre alterações no ambiente. Jacarés-paguás, por exemplo, receberam implante de chips e são monitorados por técnicos da Embrapa para detectar mudanças de comportamento. A ciência faz a sua parte, os ambientalistas mapeiam impactos, mas “falta uma política do governo federal específica para o Pantanal”, afirma Michael Becker, do WWF-Brasil, uma das entidades que fez o mapeamento dos problemas dessa que é uma das regiões mais belas do Brasil.
Revista Horizonte Geográfico
Ao transpor a ponte sobre o rio Miranda, 350 quilômetros antes de Corumbá, nota-se a erosão à beira d’água. Bancos de areia barram o curso do rio e sujam a paisagem de marrom. “Antes eu pescava dourado com anzol lançado da ponte, mas hoje o peixe sumiu”, lamenta o motorista Paulo Mora.
O que está acontecendo com o Pantanal? A resposta é do pesquisador Walfrido Tomas, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Corumbá: “A vida na região depende do ir e vir das águas, mas os rios são alvo de graves impactos que mudam o cenário, provocam desequilíbrio e tornam o Pantanal irreconhecível”. Um recente mapeamento feito por cinco organizações ambientalistas (Conservação Internacional, WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, Avina e Ecoa) fornece subsídios para o governo federal agir. Segundo o estudo, o desmatamento é o principal vilão. Restam apenas 40% da vegetação original em toda a Bacia do Rio Paraguai, incluindo a planície inundável que constitui o bioma do Pantanal propriamente dito e o planalto de Cerrado em seu entorno.
A situação é mais grave no planalto, onde 58% das matas estão comprometidas. Entre 2002 e 2008, foi devastada uma área de 6,8 mil km2 para dar lugar à agricultura sem preocupação com critérios ambientais. Por enquanto, mas não se sabe até quando, 85% das terras mais baixas da planície estão conservadas.
Danos irreparáveis
Com o desmatamento no planalto, os solos desprotegidos são castigados pelas chuvas que carregam terra para o rio Taquari, mudando o cenário de campos pontilhados de lagoas, o mais famoso cartão-postal do Pantanal. O processo natural de sedimentação está sendo acelerado pela ação do homem. Com 801 km de extensão, o Taquari é o maior afluente do rio Paraguai. Nasce a 800 metros de altitude no Planalto Central, em Mato Grosso, compondo uma bacia hidrográfica de 65 mil km2, a maior parte no Pantanal. É um rio essencial ao equilíbrio da região, mas o assoreamento interrompeu a navegação, reduziu os peixes e causou prejuízos às propriedades rurais e à população.
O fluxo de cheias e vazantes foi alterado. O entupimento transformou uma porção da área em deserto durante a seca. Em outra parte, 5 mil km2 da planície ficam agora permanentemente alagados. Gado e fauna foram expulsos e o local é hoje cemitério de árvores afogadas, compondo uma paisagem lunar, conhecida como “paliteiros”. Os prejuízos se estendem para além do lugar: dois terços da água que circula no Pantanal nascem nas áreas agrícolas do Mato Grosso. Estudos da Embrapa detectaram nesses mananciais a existência de pesticidas, inclusive o DDT, banido há décadas pelos efeitos danosos ao meio ambiente.
A inundação deslocou colônias de pequenos agricultores para a periferia de cidades maiores, como Corumbá. O bairro Cobrasa, ao redor de um dique inacabado na beira do rio Paraguai, espelha essa realidade. “Sem alternativas econômicas, aumentou a violência e a prostituição”, afirma José Aníbal Camastri, chefe da Embrapa na cidade. O problema atinge os grandes fazendeiros, que viram suas terras submergirem. Quem não faliu arrendou áreas melhores para produzir ou investiu as economias para abrir novas pastagens longe dali. Pistas de pouso das propriedades abandonadas passaram a servir ao narcotráfico.
“Dá pena ver a vegetação morrendo”, diz o proprietário Pedro Lacerda. Sua fazenda, a Bela Vista, teve 60% das terras comprometidas pelas águas e o número de cabeças de gado foi reduzido à metade. “Tive de comprar outra área no Pantanal para deslocar os animais”, conta Lacerda, que é presidente do Sindicado Rural de Corumbá. Com vista para o rio Paraguai, a sede do sindicato estampa na fachada os dizeres: “Passa boi, passa boiada... a natureza fica”. Mas Lacerda teme que o lema não resista aos impactos à região. “É preciso uma ação urgente de controle, porque os rios estão agonizando”, adverte o fazendeiro, defendendo a realização de obras para estancar o assoreamento.
O Ministério da Integração Nacional reservou R$ 54 milhões para consertar os estragos no rio Taquari e recuperar o equilíbrio das cheias e vazantes. Estão previstas dragagens e construção de canais, entre outras intervenções. A obra, prevista para começar no fim de 2009, será executada pela Transrio – empresa que recuperou a calha do rio Tietê, em São Paulo.
O foco da ferida
A “doença” do Taquari tem o poder de se alastrar pelas águas de todo o Pantanal, como já ocorre em outros dois importantes rios – o Miranda e o São Lourenço. “Estamos diante do maior acidente ecológico do país na atualidade e a situação chegou a tal ponto que não dá para ficar de braços cruzados”, afirma o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ferrenho defensor do projeto de dragagem. O projeto, no entanto, é polêmico. Para Alcides Faria, diretor da organização não-governamental Ecoa, em Campo Grande, “será dinheiro jogado no ralo”.
Faria argumenta que, antes de mais nada, é necessário estancar o foco da ferida, ou seja, os sedimentos que descem das plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão na beira do Pantanal. Medidas como curvas de nível nos cultivos, reflorestamento da beira dos riachos e recuperação de voçorocas e outras áreas degradadas começaram a ser empregadas. Mas o ritmo é lento: o material sólido continua entupindo a planície, também alvo de práticas destrutivas, como as queimadas.
“Em 2009, o fogo para renovar pastagens foi muito mais frequente”, afirma Faria. Ele diz que a criação extensiva de gado alimentado por pastagens naturais por séculos contribui para a conservação do Pantanal. É o modelo mais adequado de produção e, portanto, deveria ser valorizado com novas iniciativas, como a pecuária orgânica. A carne com selo ecológico é exportada e chega às redes de supermercados com preços compensadores para os fazendeiros. Em complemento, o ecoturismo é hoje uma importante fonte de renda. A ideia é criar alternativas capazes de competir com atividades predatórias que chegam à região com modelos diferentes da tradição pantaneira.
Um dos perigos é o desmatamento para abrir espaço para novas pastagens, que ocorre principalmente porque a cada geração as grandes fazendas são divididas entre herdeiros. “Em menor tamanho, as áreas acabam desmatadas para aumentar a produtividade”, explica o biólogo George Camargo, da Conservação Internacional. Na contramão dessa tendência, a entidade é proprietária da Fazenda Rio Negro, que preserva um refúgio de áreas virgens para pesquisas de campo sobre o Pantanal e sua função de suprir água, estabilizar o solo e conservar o clima.
Outras ameaças
A mineração é outro foco de problemas para quem defende a preservação do Pantanal. Nos arredores de Corumbá, a BR-262 cruza morrarias que guardam a segunda maior jazida de ferro do país, explorada há mais de uma década por um polo de mineração e siderurgia que agora planeja ampliar a atividade. Como a tubulação de gás natural que liga os poços da Bolívia a São Paulo atravessa o local, o governo estadual acenou com a possibilidade de incentivar ali a instalação de indústrias químicas. O debate sobre o impacto para a vida do Pantanal acirrou-se, levando empresas, organizações ambientalistas e Ministério Público a buscar soluções. O grupo encomendou um amplo estudo para avaliar os riscos da mineração e decidir o melhor caminho. “Todo cuidado é pouco, porque o sistema pantaneiro é complexo e frágil”, afirma o pesquisador Emílio La Rovere, coordenador do estudo realizado pela Coppe, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um dos perigos é alimentar os fornos da siderurgia com o carvão obtido da mata nativa ou de florestas de eucalipto plantadas sem métodos de controle. Outra ameaça está no consumo exagerado de água, foco de conflitos na região. As mineradoras chegaram ao Maciço do Urucum com a promessa de gerar emprego, mas a atividade fez os riachos secarem. “Apesar de o Pantanal ter tanta água, hoje dependemos de carros-pipa”, reclama Luzinete Correia, presidente da Associação de Moradores de Antônio Maria Coelho. O povoado se localiza ao pé da morraria, vizinho à linha de trem que transporta o minério de ferro para o resto do país. Três balneários que garantem renda para a localidade foram prejudicados.
“A situação só não é pior porque cuidamos do que restou”, afirma Rômulo Mesquita, mostrando o riacho Pirapitanga que corre no quintal de sua casa. O morador não aceitou o acordo com as empresas para deixar a área, cercada por montanhas que são refúgio da biodiversidade durante as cheias na planície pantaneira. Árvores de ipê-roxo e amarelo colorem a paisagem verde, cenário de pesquisas com espécies que dão pistas sobre alterações no ambiente. Jacarés-paguás, por exemplo, receberam implante de chips e são monitorados por técnicos da Embrapa para detectar mudanças de comportamento. A ciência faz a sua parte, os ambientalistas mapeiam impactos, mas “falta uma política do governo federal específica para o Pantanal”, afirma Michael Becker, do WWF-Brasil, uma das entidades que fez o mapeamento dos problemas dessa que é uma das regiões mais belas do Brasil.
Revista Horizonte Geográfico
Mundo árvore
Confira todo o ecossistema que pode viver em uma árvore.
por Texto Yuri VanconcelosUma única árvore pode abrigar um ecossistema complexo - das dezenas de seres vivos que habitam a água acumulada nas bromélias aos tucanos que fazem do caule seu ninho de amor. Abaixo, selecionamos como morada uma espécie fictícia da mata Atlântica e apresentamos os animais e as plantas que dependem dela para sobreviver.
MOSCA ANASTREPHA FRATERCULUS
As larvas começam a vida nos frutos. Quando crescem, não mudam de bairro: voam sempre ao redor das árvores da vizinhança.
ABELHA-CACHORRO
Não morde ninguém: é desprovida de ferrão. Constrói na copa das árvores ninhos de barro e cera parecidos com cupinzeiros e se alimenta da seiva das plantas.
FORMIGA CAÇAREMA
Milhares de espécies de formigas vivem em árvores. A caçarema se alimenta de gotículas de néctar eliminadas pelos ramos. Em troca, protege a planta de pragas como pulgões e cochonilhas.
GATO-MARACAJÁ
O mais arborícola dos felinos gasta as manhãs dormindo nos galhos. À noite, vai tocar a vida: come passarinhos, roedores e acasala. Mas a vida pode trazer surpresas: há sempre o risco de um ataque dos temíveis sagüis.
CUÍCA
Parente do gamba, esse pequeno marsupial costuma ser encontrado na copa das árvores, onde caça os insetos que gosta de comer. Raramente desce ao chão.
SABIÁ-CICA
Costuma ser visto na parte superior da copa. Mas, na hora de fazer o ninho, prefere buracos no tronco. Lá encontra suas comidas prediletas: sementes, insetos e larvas
MORCEGO-DE-FRUTAS
A vida passa pelo intestino do morcego: ele come frutas, voa e defeca as sementes. Das fezes, nascerá uma nova árvore.
VESPA
Também chamada de marimbondo, poliniza as fl ores das orquídeas e usa os galhos para pendurar seu ninho.
PERERECA MARSUPIAL
A fêmea carrega os ovos nas costas até que os girinos estejam prestes a nascer. Então ela os transfere para a água nas bromélias. E fi ca por lá para comer: o lugar é ótimo para caçar insetos.
ARANHA ARANEUS
Faz belíssimas teias geométricas na folhagem. E se aproveita da diversidade que habita as árvores para capturar suas presas.
IGUANA-VERDE
Quando fi lhote, ela tira dos galhos os insetos que come. Adulta, torna-se vegetariana: passa a se alimentar apenas de folhas.
RÃ-BUGIO
Esta perereca esverdeada usa os galhos para acasalar. A fêmea coloca os ovos nas folhas, que depois são dobradas em forma de tubo para proteger os futuros fi lhotes.
BICHO-PREGUIÇADE-COLEIRA
As folhas alimentam e protegem: quando não estão na boca, ajudam a preguiça a se camufl ar de predadores como a harpia e o gavião.
COBRA-DE-VEADO
Também conhecida como suaçubóia, vive enrolada em galhos. Lagartos, aves e roedores que aparecem quando bate a fome são mortos por constrição.
TUCANO-DEPAPO-AMARELO
Os tucanos fazem do tronco seu ninho de amor. É lá que eles se encontram. Ali o macho oferece um fruto. Se a corte é aceita, eles realizam a cópula. Tudo dura alguns segundos.
SAGÜI-DA-SERRA
Na hora das refeições, raspa o tronco com os dentes para se alimentar da seiva. Costuma viver em grupos de 5 a 15 animais.
MICO-LEÃO-DECARA-DOURADA
Vive trepado nas árvores e se alimenta de insetos e frutos. À noite, para se manter protegido de seus predadores, procura abrigo em buracos dos troncos.
PICA-PAU-REI
Considerado o maior picapau do Brasil, com 36 cm e 200 g, faz seu ninho em ocos nos troncos. Na hora das refeições, martela o tronco com força, perfura a casca e captura insetos com a língua pegajosa de ponta afi ada.
MONO-CARVOEIRO
Também chamado de muriqui, é encontrado somente na mata Atlântica. Chega a 15 kg – é o maior primata do continente americano.
BESOURO
Com cerca de 6 cm, vive na mata e sobe nas árvores para se alimentar. Come a resina que escorre de cortes no tronco ou frutas em decomposição.
CIPÓS
Crescem no solo e se agarram às árvores ainda pequenas. Quando elas crescem, os cipós pegam carona. Lá do alto, ajudam animais a se locomover entre as copas.
ARANHACARANGUEJEIRA
As caranguejeiras do gênero Lasiodora são as mais comuns na mata Atlântica. Fazem seus ninhos no pé das árvores, sob folhas secas.
LACRAIA
Dá expediente na casca do tronco, onde caça pequenos insetos. Chega a medir 7 cm.
CUPINS
Suas colônias abrigam milhares de indivíduos de paladar duvidoso: comem tanto a árvore viva quanto troncos mortos sobre o solo.
BORBOLETA
Tem asas tão verdes que se confundem com as folhas da mata. Frutas fermentadas servem como fonte de néctar que ela utiliza como alimento.
CIGARRAS
Quando as ninfas nascem, fi cam enterradas no solo e se alimentam da seiva da raiz. Adultas, sobem na vida: costumam ser vistas na copa.
BROMÉLIA
É a comunidade hippie da árvore: na água entre as folhas se reúnem insetos, larvas e qualquer um que queira compartir a bebida.
MACACOPREGO-DE-PEITOAMARELO
Faz o tipo caseiro: raramente sai das árvores. Ele come, reproduz e descansa nos galhos. Só vai ao chão para beber.
MINHOCA
Seu deslocamento cria galerias que ajudam a drenagem do solo. Assim, a água penetra na terra e alimenta a raiz.
MUSGO
Um centro de gosmas: o tapete verde sobre o tronco serve de alimento e abrigo para sapos, lesmas e caracóis. Mas pelo menos o efeito visual é bonito.
Fontes: Adriano Paglia, Afrânio Augusto Guimarães, Carlos Brisola Marcondes, Carlos Campaner, Carlos Einicker Lamas, Dante Pavan, Eduardo Wienskoski , Eliana Marques Cancello, Felipe Toledo, Flávio Gandara, Helenice Mercier, Jaime Aparecido Bertolucci, Luís Fábio Silveira, Odair Correa Bueno, Osmar Malaspina , Raquel Lima da Silveira, Rogélio Dosouto, Rosângela Branchini, Sandra Regina Visnadi, Tasso Leo Krugner.
Revista Superinteressante
Confira todo o ecossistema que pode viver em uma árvore.
por Texto Yuri VanconcelosUma única árvore pode abrigar um ecossistema complexo - das dezenas de seres vivos que habitam a água acumulada nas bromélias aos tucanos que fazem do caule seu ninho de amor. Abaixo, selecionamos como morada uma espécie fictícia da mata Atlântica e apresentamos os animais e as plantas que dependem dela para sobreviver.
MOSCA ANASTREPHA FRATERCULUS
As larvas começam a vida nos frutos. Quando crescem, não mudam de bairro: voam sempre ao redor das árvores da vizinhança.
ABELHA-CACHORRO
Não morde ninguém: é desprovida de ferrão. Constrói na copa das árvores ninhos de barro e cera parecidos com cupinzeiros e se alimenta da seiva das plantas.
FORMIGA CAÇAREMA
Milhares de espécies de formigas vivem em árvores. A caçarema se alimenta de gotículas de néctar eliminadas pelos ramos. Em troca, protege a planta de pragas como pulgões e cochonilhas.
GATO-MARACAJÁ
O mais arborícola dos felinos gasta as manhãs dormindo nos galhos. À noite, vai tocar a vida: come passarinhos, roedores e acasala. Mas a vida pode trazer surpresas: há sempre o risco de um ataque dos temíveis sagüis.
CUÍCA
Parente do gamba, esse pequeno marsupial costuma ser encontrado na copa das árvores, onde caça os insetos que gosta de comer. Raramente desce ao chão.
SABIÁ-CICA
Costuma ser visto na parte superior da copa. Mas, na hora de fazer o ninho, prefere buracos no tronco. Lá encontra suas comidas prediletas: sementes, insetos e larvas
MORCEGO-DE-FRUTAS
A vida passa pelo intestino do morcego: ele come frutas, voa e defeca as sementes. Das fezes, nascerá uma nova árvore.
VESPA
Também chamada de marimbondo, poliniza as fl ores das orquídeas e usa os galhos para pendurar seu ninho.
PERERECA MARSUPIAL
A fêmea carrega os ovos nas costas até que os girinos estejam prestes a nascer. Então ela os transfere para a água nas bromélias. E fi ca por lá para comer: o lugar é ótimo para caçar insetos.
ARANHA ARANEUS
Faz belíssimas teias geométricas na folhagem. E se aproveita da diversidade que habita as árvores para capturar suas presas.
IGUANA-VERDE
Quando fi lhote, ela tira dos galhos os insetos que come. Adulta, torna-se vegetariana: passa a se alimentar apenas de folhas.
RÃ-BUGIO
Esta perereca esverdeada usa os galhos para acasalar. A fêmea coloca os ovos nas folhas, que depois são dobradas em forma de tubo para proteger os futuros fi lhotes.
BICHO-PREGUIÇADE-COLEIRA
As folhas alimentam e protegem: quando não estão na boca, ajudam a preguiça a se camufl ar de predadores como a harpia e o gavião.
COBRA-DE-VEADO
Também conhecida como suaçubóia, vive enrolada em galhos. Lagartos, aves e roedores que aparecem quando bate a fome são mortos por constrição.
TUCANO-DEPAPO-AMARELO
Os tucanos fazem do tronco seu ninho de amor. É lá que eles se encontram. Ali o macho oferece um fruto. Se a corte é aceita, eles realizam a cópula. Tudo dura alguns segundos.
SAGÜI-DA-SERRA
Na hora das refeições, raspa o tronco com os dentes para se alimentar da seiva. Costuma viver em grupos de 5 a 15 animais.
MICO-LEÃO-DECARA-DOURADA
Vive trepado nas árvores e se alimenta de insetos e frutos. À noite, para se manter protegido de seus predadores, procura abrigo em buracos dos troncos.
PICA-PAU-REI
Considerado o maior picapau do Brasil, com 36 cm e 200 g, faz seu ninho em ocos nos troncos. Na hora das refeições, martela o tronco com força, perfura a casca e captura insetos com a língua pegajosa de ponta afi ada.
MONO-CARVOEIRO
Também chamado de muriqui, é encontrado somente na mata Atlântica. Chega a 15 kg – é o maior primata do continente americano.
BESOURO
Com cerca de 6 cm, vive na mata e sobe nas árvores para se alimentar. Come a resina que escorre de cortes no tronco ou frutas em decomposição.
CIPÓS
Crescem no solo e se agarram às árvores ainda pequenas. Quando elas crescem, os cipós pegam carona. Lá do alto, ajudam animais a se locomover entre as copas.
ARANHACARANGUEJEIRA
As caranguejeiras do gênero Lasiodora são as mais comuns na mata Atlântica. Fazem seus ninhos no pé das árvores, sob folhas secas.
LACRAIA
Dá expediente na casca do tronco, onde caça pequenos insetos. Chega a medir 7 cm.
CUPINS
Suas colônias abrigam milhares de indivíduos de paladar duvidoso: comem tanto a árvore viva quanto troncos mortos sobre o solo.
BORBOLETA
Tem asas tão verdes que se confundem com as folhas da mata. Frutas fermentadas servem como fonte de néctar que ela utiliza como alimento.
CIGARRAS
Quando as ninfas nascem, fi cam enterradas no solo e se alimentam da seiva da raiz. Adultas, sobem na vida: costumam ser vistas na copa.
BROMÉLIA
É a comunidade hippie da árvore: na água entre as folhas se reúnem insetos, larvas e qualquer um que queira compartir a bebida.
MACACOPREGO-DE-PEITOAMARELO
Faz o tipo caseiro: raramente sai das árvores. Ele come, reproduz e descansa nos galhos. Só vai ao chão para beber.
MINHOCA
Seu deslocamento cria galerias que ajudam a drenagem do solo. Assim, a água penetra na terra e alimenta a raiz.
MUSGO
Um centro de gosmas: o tapete verde sobre o tronco serve de alimento e abrigo para sapos, lesmas e caracóis. Mas pelo menos o efeito visual é bonito.
Fontes: Adriano Paglia, Afrânio Augusto Guimarães, Carlos Brisola Marcondes, Carlos Campaner, Carlos Einicker Lamas, Dante Pavan, Eduardo Wienskoski , Eliana Marques Cancello, Felipe Toledo, Flávio Gandara, Helenice Mercier, Jaime Aparecido Bertolucci, Luís Fábio Silveira, Odair Correa Bueno, Osmar Malaspina , Raquel Lima da Silveira, Rogélio Dosouto, Rosângela Branchini, Sandra Regina Visnadi, Tasso Leo Krugner.
Revista Superinteressante
Esta floresta tem dono
Mais de 80% dos fragmentos que ainda restam da mata atlântica estão nas mãos de particulares. Depende deles a conservação desse bioma, um dos mais ameaçados do planeta.
Texto: Dimas Marques
Mais de 80% dos fragmentos que ainda restam da mata atlântica estão nas mãos de particulares. Depende deles a conservação desse bioma, um dos mais ameaçados do planeta.
Texto: Dimas Marques
Micos-leões-dourados em Poço das Antas: sobrevivência do animal depende da área de floresta disponível
Quilômetro 214 da BR-101. Estamos em Silva Jardim, município fluminense com 21 mil habitantes que começa a se destacar pela mobilização de sua comunidade para conservar as florestas. Ao lado da rodovia, junto à base de fiscalização da Reserva Biológica de Poço das Antas, fica a sede da Associação Mico-Leão-Dourado, entidade reconhecida internacionalmente por seus esforços para salvar da extinção o pequeno primata símbolo da Mata Atlântica. Silva Jardim é o campeão nacional em número de reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs). São 16 propriedades com flora e fauna preservadas, destinadas a integrar o sistema de unidades de conservação do país.
O título de campeão das RPPNs não é por acaso. Justamente pelo fato de tantas pesquisas terem sido desenvolvidas nos últimos 20 anos para evitar o desaparecimento do mico-leão-dourado é que agora a associação investe em incentivos à criação dessas propriedades. “A passagem do estudo do animal para um trabalho de mobilização social visando a manutenção e ampliação do seu hábitat se deu naturalmente”, explica a secretária-geral da ONG, Denise Rambaldi. Atualmente, ela dedica boa parte do seu tempo a convencer os proprietários de terras da região a conectar os fragmentos de florestas destinados aos micos.
O papel dos proprietários
De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, 80,5% das áreas remanescentes do bioma estão fora de unidades de conservação geridas pelo poder público – ou seja, dependem de particulares. A entidade ambientalista foi uma das primeiras a reconhecer que não é preciso esperar apenas do poder público ações para conservar os 15 milhões de hectares que restaram da mata – 10,5% da área original, se forem considerados também os pequenos fragmentos de menos de 100 hectares. “Se a sociedade quiser realmente conservar a floresta, um dos cinco hotspots mais ameaçados do mundo, deve convencer os proprietários a não destruir o que resta dela em suas terras”, afirma Érika Guimarães, coordenadora do Programa de Incentivos às RPPNs da Aliança para a Conservação da Mata Atlântica. Chamam-se hotspots as 25 áreas ricas em vida vegetal e animal que correm maior risco de desaparecer.
É isso que pessoas como Denise Rambaldi estão fazendo. A partir da identificação das áreas prioritárias para serem conservadas e conectadas entre si no entorno da reserva de Poço das Antas, os profissionais da associação passaram a sair a campo para conseguir que os donos desses fragmentos de floresta concordem em transformar suas propriedades em RPPNs. Ou que, pelo menos, mantenham os 20% de reserva legal (trecho que, por lei, deve ser mantido com vegetação nativa) e as áreas de preservação permanente ou APPs (nascentes, matas ciliares, encostas com mais de 45% de declividade e topos de morros) obrigatórias em suas terras.
Foi assim a aproximação com o gestor em planejamento ambiental Luiz Nelson Faia Cardoso, proprietário da reserva particular Bom Retiro. Acompanhamos a visita que a bióloga Ana Maria de Godoy Teixeira e o engenheiro florestal Carlos Alvarenga Pereira Júnior, da associação, fizeram à fazenda, a 30 minutos da reserva, passando por estradas de terra que cruzam várias propriedades e pequenos rios em que o gado sacia a sede.
Cardoso conta que se interessou logo em preservar suas terras, mas teve de convencer a família a aceitar a ideia de ceder parte da propriedade para a implantação de uma reserva perpétua. “Eles tinham medo de que o governo viesse depois e fizesse uma desapropriação”, afirma. Pelo visto foi convincente: 91% da fazenda de seu pai foi transformada em reserva particular (494 hectares) e, mesmo enfrentando dificuldades para manter a área, tomou gosto pela causa e já ajudou a convencer seis proprietários rurais a conectar fragmentos de floresta de suas propriedades com a área de Poço das Antas, o que totaliza 1.300 hectares de mata conservada.
Mas o entusiasmo do fazendeiro não é regra comum, até porque a criação de reservas é difícil e as restrições de uso são rigorosas (veja box abaixo). As exigências feitas pelo Ministério do Meio Ambiente são muitas e a que mais causa dor de cabeça é a regularização fundiária das propriedades. “Muitas fazendas constam em cartório com uma área e, quando é feita a medição, aparece alguma diferença”, explica Ana Maria, que coordena o Programa de Conservação em Terras Privadas da associação. Todo o processo burocrático chega a durar, em alguns casos, dois anos.
José Luciano de Souza, do Programa de RPPNs do Instituto Chico Mendes, órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pelas reservas, confirma este rigor na análise dos documentos. Segundo explica, ele é necessário porque há muitos casos de interessados que, na verdade, estão tentando garantir a titularidade do terreno com a criação da reserva. “Quando não há problemas com a documentação o prazo médio é de quatro meses”, afirma.
Dificuldades de implantação
Segundo o presidente da Confederação Nacional de RPPNs, Rodrigo Castro, o maior desafio das ONGs que fornecem apoio técnico e financeiro para a criação das reservas particulares, como a Associação Mico-Leão-Dourado, é identificar os proprietários que tenham espírito de conservação. ”É muito mais fácil você trabalhar com quem já se predispõe a se envolver com a causa ambiental do que sair tentando convencer todo mundo”, explica. Para ele, o poder público não divulga adequadamente essa alternativa, por isso os donos de terras são muito desconfiados quando se fala em reservas particulares – problema que José Luciano admite ocorrer com frequência.
O Brasil conta com 885 RPPNs, que protegem uma área de 634,3 mil hectares (um pouco maior que o Distrito Federal). Desse total, 589 reservas estão em área de Mata Atlântica. Apesar de o bioma contar com o maior número de RPPNs do país (66,6%), representa apenas 19% da extensão protegida por esse tipo de unidade de conservação. Essa aparente contradição ocorre porque essas reservas de floresta são muito pequenas, tanto que a menor do país é uma RPPN de Alterosa, sul de Minas Gerais, com apenas 0,5 hectare.
A manutenção de uma reserva particular também é difícil. Após cinco anos da averbação em cartório, é necessário que os proprietários tenham um “plano de manejo” para a reserva e que, pela dificuldade técnica, acaba requerendo também o apoio das ONGs. “O governo tem de dar incentivos fiscais de verdade para manter a floresta de pé. Se transformo parte do terreno em reserva, não poderei mexer mais nela e vou ter uma isenção de imposto (Imposto Territorial Rural) que não ajuda muito por ser barato”, afirma o pecuarista Antonio da Costa Freire, proprietário de um trecho de 113 hectares de mata, considerado fundamental para ligar dois fragmentos de floresta próxima da reserva dos micos-leões. Freire acabou vendendo o terreno para a associação. Ele será doado ao Instituto Chico Mendes para ser integrado à Reserva Biológica União, unidade localizada em Casimiro de Abreu, município vizinho a Silva Jardim.
A forma jurídica encontrada pelos proprietários para conservar o que resta de Mata Atlântica em suas terras não tem tanta importância para os ambientalistas. O importante é o efeito. No caso de Silva Jardim e região, segundo a bióloga Ana Maria, o objetivo é chegar em 2025 com 2 mil micos habitando 25 mil hectares de fragmentos de floresta protegidos e conectados – atualmente 1.500 indivíduos vivem livres na natureza, número que já foi 200 no fim da década de 1960.
Para atingir esse objetivo a ONG também atua com assentamentos de reforma agrária. Dos três grupos de assentados pelo Incra na região, Cambucaes e Aldeia Velha já recebem visitas constantes dos profissionais da associação, que apostam na implantação de um sistema agroflorestal capaz de manter espécies de Mata Atlântica com o cultivo de culturas que garantam segurança alimentar e renda às famílias.
Os assentados são orientados a plantar árvores nativas, como aroeira, angico e ipês, frutíferas e palmeiras (pupunha e açaí), além de hortaliças. Parte da produção é voltada para o consumo familiar e o excedente acaba comercializado. “O pequeno agricultor também pode ajudar a recuperar a floresta. Ele só precisa saber como fazer de uma forma que garanta o seu sustento”, afirma o diretor da Associação de Pequenos Produtores de Cambucaes, Elsemiro Silva Dias.
Incentivo fiscal para preservar
No Paraná, o governo do estado apostou, em 1991, no ICMS Ecológico. Tradicionalmente, 80% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços recolhido fica com os estados e o restante é repassado aos municípios. No caso paranaense, 25% são destinados às prefeituras que, avaliadas por técnicos do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), podem receber pelos seus investimentos em áreas protegidas e mananciais.
Coordenador do Programa Estadual do ICMS Ecológico do IAP, Wilson Loureiro explica que os proprietários rurais podem ter acesso ao dinheiro do ICMS por meio de convênios com as prefeituras. “Eles têm de criar associações ou ONGs para que o capital saia do poder público. É uma forma de incentivar os proprietários rurais, por exemplo, a manterem a floresta de pé ou partirem para a recuperação ambiental”, explica. Além do Paraná, outros 12 estados possuem o ICMS Ecológico.
Alternativas como essa também necessitam de um certo grau de organização para garantir a chegada dos recursos cobrado em impostos até os projetos em áreas privadas. “Todas essas medidas contribuem para a preservação, mas ainda dependemos muito da boa vontade e do espírito ambientalista dos proprietários”, reconhece Érika Guimarães, da SOS Mata Atlântica. “Deveria haver mais facilidades quando se almeja a conservação da floresta.”
Revista Horizonte Geográfico
O título de campeão das RPPNs não é por acaso. Justamente pelo fato de tantas pesquisas terem sido desenvolvidas nos últimos 20 anos para evitar o desaparecimento do mico-leão-dourado é que agora a associação investe em incentivos à criação dessas propriedades. “A passagem do estudo do animal para um trabalho de mobilização social visando a manutenção e ampliação do seu hábitat se deu naturalmente”, explica a secretária-geral da ONG, Denise Rambaldi. Atualmente, ela dedica boa parte do seu tempo a convencer os proprietários de terras da região a conectar os fragmentos de florestas destinados aos micos.
O papel dos proprietários
De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, 80,5% das áreas remanescentes do bioma estão fora de unidades de conservação geridas pelo poder público – ou seja, dependem de particulares. A entidade ambientalista foi uma das primeiras a reconhecer que não é preciso esperar apenas do poder público ações para conservar os 15 milhões de hectares que restaram da mata – 10,5% da área original, se forem considerados também os pequenos fragmentos de menos de 100 hectares. “Se a sociedade quiser realmente conservar a floresta, um dos cinco hotspots mais ameaçados do mundo, deve convencer os proprietários a não destruir o que resta dela em suas terras”, afirma Érika Guimarães, coordenadora do Programa de Incentivos às RPPNs da Aliança para a Conservação da Mata Atlântica. Chamam-se hotspots as 25 áreas ricas em vida vegetal e animal que correm maior risco de desaparecer.
É isso que pessoas como Denise Rambaldi estão fazendo. A partir da identificação das áreas prioritárias para serem conservadas e conectadas entre si no entorno da reserva de Poço das Antas, os profissionais da associação passaram a sair a campo para conseguir que os donos desses fragmentos de floresta concordem em transformar suas propriedades em RPPNs. Ou que, pelo menos, mantenham os 20% de reserva legal (trecho que, por lei, deve ser mantido com vegetação nativa) e as áreas de preservação permanente ou APPs (nascentes, matas ciliares, encostas com mais de 45% de declividade e topos de morros) obrigatórias em suas terras.
Foi assim a aproximação com o gestor em planejamento ambiental Luiz Nelson Faia Cardoso, proprietário da reserva particular Bom Retiro. Acompanhamos a visita que a bióloga Ana Maria de Godoy Teixeira e o engenheiro florestal Carlos Alvarenga Pereira Júnior, da associação, fizeram à fazenda, a 30 minutos da reserva, passando por estradas de terra que cruzam várias propriedades e pequenos rios em que o gado sacia a sede.
Cardoso conta que se interessou logo em preservar suas terras, mas teve de convencer a família a aceitar a ideia de ceder parte da propriedade para a implantação de uma reserva perpétua. “Eles tinham medo de que o governo viesse depois e fizesse uma desapropriação”, afirma. Pelo visto foi convincente: 91% da fazenda de seu pai foi transformada em reserva particular (494 hectares) e, mesmo enfrentando dificuldades para manter a área, tomou gosto pela causa e já ajudou a convencer seis proprietários rurais a conectar fragmentos de floresta de suas propriedades com a área de Poço das Antas, o que totaliza 1.300 hectares de mata conservada.
Mas o entusiasmo do fazendeiro não é regra comum, até porque a criação de reservas é difícil e as restrições de uso são rigorosas (veja box abaixo). As exigências feitas pelo Ministério do Meio Ambiente são muitas e a que mais causa dor de cabeça é a regularização fundiária das propriedades. “Muitas fazendas constam em cartório com uma área e, quando é feita a medição, aparece alguma diferença”, explica Ana Maria, que coordena o Programa de Conservação em Terras Privadas da associação. Todo o processo burocrático chega a durar, em alguns casos, dois anos.
José Luciano de Souza, do Programa de RPPNs do Instituto Chico Mendes, órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pelas reservas, confirma este rigor na análise dos documentos. Segundo explica, ele é necessário porque há muitos casos de interessados que, na verdade, estão tentando garantir a titularidade do terreno com a criação da reserva. “Quando não há problemas com a documentação o prazo médio é de quatro meses”, afirma.
Dificuldades de implantação
Segundo o presidente da Confederação Nacional de RPPNs, Rodrigo Castro, o maior desafio das ONGs que fornecem apoio técnico e financeiro para a criação das reservas particulares, como a Associação Mico-Leão-Dourado, é identificar os proprietários que tenham espírito de conservação. ”É muito mais fácil você trabalhar com quem já se predispõe a se envolver com a causa ambiental do que sair tentando convencer todo mundo”, explica. Para ele, o poder público não divulga adequadamente essa alternativa, por isso os donos de terras são muito desconfiados quando se fala em reservas particulares – problema que José Luciano admite ocorrer com frequência.
O Brasil conta com 885 RPPNs, que protegem uma área de 634,3 mil hectares (um pouco maior que o Distrito Federal). Desse total, 589 reservas estão em área de Mata Atlântica. Apesar de o bioma contar com o maior número de RPPNs do país (66,6%), representa apenas 19% da extensão protegida por esse tipo de unidade de conservação. Essa aparente contradição ocorre porque essas reservas de floresta são muito pequenas, tanto que a menor do país é uma RPPN de Alterosa, sul de Minas Gerais, com apenas 0,5 hectare.
A manutenção de uma reserva particular também é difícil. Após cinco anos da averbação em cartório, é necessário que os proprietários tenham um “plano de manejo” para a reserva e que, pela dificuldade técnica, acaba requerendo também o apoio das ONGs. “O governo tem de dar incentivos fiscais de verdade para manter a floresta de pé. Se transformo parte do terreno em reserva, não poderei mexer mais nela e vou ter uma isenção de imposto (Imposto Territorial Rural) que não ajuda muito por ser barato”, afirma o pecuarista Antonio da Costa Freire, proprietário de um trecho de 113 hectares de mata, considerado fundamental para ligar dois fragmentos de floresta próxima da reserva dos micos-leões. Freire acabou vendendo o terreno para a associação. Ele será doado ao Instituto Chico Mendes para ser integrado à Reserva Biológica União, unidade localizada em Casimiro de Abreu, município vizinho a Silva Jardim.
A forma jurídica encontrada pelos proprietários para conservar o que resta de Mata Atlântica em suas terras não tem tanta importância para os ambientalistas. O importante é o efeito. No caso de Silva Jardim e região, segundo a bióloga Ana Maria, o objetivo é chegar em 2025 com 2 mil micos habitando 25 mil hectares de fragmentos de floresta protegidos e conectados – atualmente 1.500 indivíduos vivem livres na natureza, número que já foi 200 no fim da década de 1960.
Para atingir esse objetivo a ONG também atua com assentamentos de reforma agrária. Dos três grupos de assentados pelo Incra na região, Cambucaes e Aldeia Velha já recebem visitas constantes dos profissionais da associação, que apostam na implantação de um sistema agroflorestal capaz de manter espécies de Mata Atlântica com o cultivo de culturas que garantam segurança alimentar e renda às famílias.
Os assentados são orientados a plantar árvores nativas, como aroeira, angico e ipês, frutíferas e palmeiras (pupunha e açaí), além de hortaliças. Parte da produção é voltada para o consumo familiar e o excedente acaba comercializado. “O pequeno agricultor também pode ajudar a recuperar a floresta. Ele só precisa saber como fazer de uma forma que garanta o seu sustento”, afirma o diretor da Associação de Pequenos Produtores de Cambucaes, Elsemiro Silva Dias.
Incentivo fiscal para preservar
No Paraná, o governo do estado apostou, em 1991, no ICMS Ecológico. Tradicionalmente, 80% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços recolhido fica com os estados e o restante é repassado aos municípios. No caso paranaense, 25% são destinados às prefeituras que, avaliadas por técnicos do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), podem receber pelos seus investimentos em áreas protegidas e mananciais.
Coordenador do Programa Estadual do ICMS Ecológico do IAP, Wilson Loureiro explica que os proprietários rurais podem ter acesso ao dinheiro do ICMS por meio de convênios com as prefeituras. “Eles têm de criar associações ou ONGs para que o capital saia do poder público. É uma forma de incentivar os proprietários rurais, por exemplo, a manterem a floresta de pé ou partirem para a recuperação ambiental”, explica. Além do Paraná, outros 12 estados possuem o ICMS Ecológico.
Alternativas como essa também necessitam de um certo grau de organização para garantir a chegada dos recursos cobrado em impostos até os projetos em áreas privadas. “Todas essas medidas contribuem para a preservação, mas ainda dependemos muito da boa vontade e do espírito ambientalista dos proprietários”, reconhece Érika Guimarães, da SOS Mata Atlântica. “Deveria haver mais facilidades quando se almeja a conservação da floresta.”
Revista Horizonte Geográfico
Fotos: Sheila Oliveira
A árvore de mil e uma utilidades
A carnaúba é parte inseparável da paisagem do semiárido nordestino e tão arraigada ao modo de vida do sertanejo que se tornou o símbolo de sua sobrevivência
A carnaúba é parte inseparável da paisagem do semiárido nordestino e tão arraigada ao modo de vida do sertanejo que se tornou o símbolo de sua sobrevivência
Não é de estranhar que o escritor cearense José de Alencar (1829-1877) comece a história de amor de uma índia com um guerreiro branco em Iracema, seu livro mais famoso, aludindo a carnaúba. Afinal, a intenção do autor, nessa metáfora da formação da nação brasileira, era valorizar a terra natal, mostrando o que havia de belo e engrandecedor na natureza virgem que iria se unir à cultura europeia. E a carnaúba, “onde canta a jandaia”, como ele escreveu poeticamente referindo-se à ave, é parte da paisagem e da cultura da terra (veja nos quadros as menções à carnaúba por parte de Alencar e de outros escritores brasileiros). Embora existam outras palmeiras da mesma família na Venezuela, Bolívia e Paraguai, a Copernicia prunifera é exclusiva do Brasil.
Do litoral ao sertão, a carnaúba está sempre presente no cenário do semiárido, distribuindo-se do Maranhão à Bahia ao longo dos rios ou em áreas inundadas e de pouca profundidade. Os índios aproveitavam quase tudo dessa “árvore que arranha”, significado da palavra carnaúba na língua tupi, referindo-se à sua casca áspera. Da palha e da fibra, faziam as vestes tradicionais, o artesanato, as redes e até a coberta das casas. Do tronco, saíam os artefatos; do palmito, a farinha; dos frutos, o alimento; das raízes e amêndoas, remédios capazes de curar as piores dores.
Os sertanejos acrescentaram mais algumas aplicações à árvore de mil e uma utilidades. A palha serve hoje para adubação do solo e a cera, obtida do pó que é extraído e processado das folhas, é um insumo valioso que entra na composição de diversos produtos industriais, como cosméticos, cápsulas de remédios, revestimento de componentes eletrônicos, verniz e produtos de limpeza. A presença da cera nas folhas, aliás, é uma característica apenas da carnaúba brasileira, sendo consequência de sua adaptação às regiões secas. Ela dificulta a perda de água por transpiração e protege a planta contra o ataque de fungos.
A cera chamou a atenção dos europeus para a árvore ainda nos tempos do Brasil Colônia. Usada para fazer as velas que, já no século 18, iluminavam as noites na metrópole, a carnaúba era a origem de um dos principais produtos brasileiros de exportação. Mas foi no século 20 que a cera ganhou status de produto estratégico para a indústria, ao se tornar matéria-prima obrigatória de papel-carbono e graxa para sapatos, impermeabilização de metais e na fabricação dos antigos discos de vinil. Já faz parte da história a viagem épica do empresário Samuel Johnson, dono das Ceras Johnson, que, em 1935, veio ao Brasil a bordo de um hidroavião para conhecer de perto a árvore que era a origem de seus produtos para polimento de assoalhos.
Na década de 1950 começou o período de decadência econômica, pois a palmeira que crescia naturalmente não existia em número suficiente para atender a demanda sempre crescente. Isso fez com que a cera fosse aos poucos sendo substituída por derivados do petróleo que, inclusive, eram mais baratos. Mesmo assim, ela ainda é insuperável, por exemplo, como isolante elétrico nos chips de computadores.Com o tempo, os nordestinos adaptaram a matéria-prima a suas vidas e a sua cultura e aprenderam a utilizar a palha para chapéus e tapetes, que são a principal atração de várias cidades do interior cearense. Em localidades pequenas, habitações inteiras são construídas com o material da árvore: telhados, cordas, sacos, esteiras, balaios, cestos, redes e mantas são confeccionados com suas fibras. Ainda como subproduto, a folha triturada serve como adubo para milhares de pequenas roças e pode ser usada para a alimentação de ovinos e caprinos.
Dependendo tanto da carnaúba para a sua sobrevivência, não é à toa que na região ela tenha sido apelidada de “árvore da vida”. No entanto, vítima da urbanização e de décadas de exploração predatória, a árvore começa a rarear em locais em que antes era abundante.
CARNAÚBA: POPULAR E EXCLUSIVA DO SERTÃO
A restrição da existência ao semiárido nordestino não significa pouca utilização ou baixa popularidade à carnaúba. Muito pelo contrário. De tão arraigada à vida do sertanejo pelos seus inúmeros usos, a Copernicia prunifera foi até eleita como árvore símbolo dos Estados do Piauí e do Ceará.
O nome carnaúba tem origem tupi e significa “árvore que arranha”, mas essa palmeira também é chamada de “árvore da vida” pelos seus variados e inúmeros usos – inclusive medicinais. Países como a Alemanha, Índia, Japão e Estados Unidos já tentaram sem cultivar a espécie e não obtiveram sucesso. Suas florestas em planícies aluviais do sertão nordestino são essenciais na manutenção do equilíbrio ecológico, pois contribuem na conservação dos solos, fauna e mananciais hídricos.
Palmeira que atinge entre sete metros e 10 metros de altura, podendo excepcionalmente atingir 15, a carnaúba tem uma copa com forma de esfera. Essa característica foi o elemento determinante que levou os cientistas a nomear seu gênero como Copernicia, uma homenagem ao astrônomo italiano Nicolau Copérnico (1473-1543).
Revista Horizonte Geográfico
Do litoral ao sertão, a carnaúba está sempre presente no cenário do semiárido, distribuindo-se do Maranhão à Bahia ao longo dos rios ou em áreas inundadas e de pouca profundidade. Os índios aproveitavam quase tudo dessa “árvore que arranha”, significado da palavra carnaúba na língua tupi, referindo-se à sua casca áspera. Da palha e da fibra, faziam as vestes tradicionais, o artesanato, as redes e até a coberta das casas. Do tronco, saíam os artefatos; do palmito, a farinha; dos frutos, o alimento; das raízes e amêndoas, remédios capazes de curar as piores dores.
Os sertanejos acrescentaram mais algumas aplicações à árvore de mil e uma utilidades. A palha serve hoje para adubação do solo e a cera, obtida do pó que é extraído e processado das folhas, é um insumo valioso que entra na composição de diversos produtos industriais, como cosméticos, cápsulas de remédios, revestimento de componentes eletrônicos, verniz e produtos de limpeza. A presença da cera nas folhas, aliás, é uma característica apenas da carnaúba brasileira, sendo consequência de sua adaptação às regiões secas. Ela dificulta a perda de água por transpiração e protege a planta contra o ataque de fungos.
A cera chamou a atenção dos europeus para a árvore ainda nos tempos do Brasil Colônia. Usada para fazer as velas que, já no século 18, iluminavam as noites na metrópole, a carnaúba era a origem de um dos principais produtos brasileiros de exportação. Mas foi no século 20 que a cera ganhou status de produto estratégico para a indústria, ao se tornar matéria-prima obrigatória de papel-carbono e graxa para sapatos, impermeabilização de metais e na fabricação dos antigos discos de vinil. Já faz parte da história a viagem épica do empresário Samuel Johnson, dono das Ceras Johnson, que, em 1935, veio ao Brasil a bordo de um hidroavião para conhecer de perto a árvore que era a origem de seus produtos para polimento de assoalhos.
Na década de 1950 começou o período de decadência econômica, pois a palmeira que crescia naturalmente não existia em número suficiente para atender a demanda sempre crescente. Isso fez com que a cera fosse aos poucos sendo substituída por derivados do petróleo que, inclusive, eram mais baratos. Mesmo assim, ela ainda é insuperável, por exemplo, como isolante elétrico nos chips de computadores.Com o tempo, os nordestinos adaptaram a matéria-prima a suas vidas e a sua cultura e aprenderam a utilizar a palha para chapéus e tapetes, que são a principal atração de várias cidades do interior cearense. Em localidades pequenas, habitações inteiras são construídas com o material da árvore: telhados, cordas, sacos, esteiras, balaios, cestos, redes e mantas são confeccionados com suas fibras. Ainda como subproduto, a folha triturada serve como adubo para milhares de pequenas roças e pode ser usada para a alimentação de ovinos e caprinos.
Dependendo tanto da carnaúba para a sua sobrevivência, não é à toa que na região ela tenha sido apelidada de “árvore da vida”. No entanto, vítima da urbanização e de décadas de exploração predatória, a árvore começa a rarear em locais em que antes era abundante.
CARNAÚBA: POPULAR E EXCLUSIVA DO SERTÃO
A restrição da existência ao semiárido nordestino não significa pouca utilização ou baixa popularidade à carnaúba. Muito pelo contrário. De tão arraigada à vida do sertanejo pelos seus inúmeros usos, a Copernicia prunifera foi até eleita como árvore símbolo dos Estados do Piauí e do Ceará.
O nome carnaúba tem origem tupi e significa “árvore que arranha”, mas essa palmeira também é chamada de “árvore da vida” pelos seus variados e inúmeros usos – inclusive medicinais. Países como a Alemanha, Índia, Japão e Estados Unidos já tentaram sem cultivar a espécie e não obtiveram sucesso. Suas florestas em planícies aluviais do sertão nordestino são essenciais na manutenção do equilíbrio ecológico, pois contribuem na conservação dos solos, fauna e mananciais hídricos.
Palmeira que atinge entre sete metros e 10 metros de altura, podendo excepcionalmente atingir 15, a carnaúba tem uma copa com forma de esfera. Essa característica foi o elemento determinante que levou os cientistas a nomear seu gênero como Copernicia, uma homenagem ao astrônomo italiano Nicolau Copérnico (1473-1543).
Revista Horizonte Geográfico
(...) Quando há inverno abundante
No meu Nordeste querido
Fica pobre em um instante
Do sofrimento esquecido
Tudo é graça, paz e riso
Reina um verde paraíso
Por vale, serra e sertão
Porém não havendo inverno
Reina um verdadeiro inferno
De dor e de confusão.
Patativa do Assaré
Caatinga em tupi guarani significa “mata branca”. É o nome genérico dado à vegetação predominante na região semi-árida nordestina por ter como característica a formação de matas secas e abertas, com árvores baixas e espinhosas. A caatinga é, possivelmente, herança seca de parte de uma floresta tropical sazonal que ocupou grandes áreas da América do Sul em períodos mais secos e frios durante o Plistoceno, período recente na história geológica, que durou cerca de 1 milhão de anos e no qual surgiu a maior parte das espécies atuais.
Pouco estudado, é o domínio com maiores lacunas de conhecimento – especialmente as relações filogenéticas das espécies da flora – e, ao mesmo tempo, é o semi-árido mais habitado no mundo, com aproximadamente 23 milhões de brasileiros em 720 mil quilômetros quadrados.
Testemunhas do passado
Entre as chapadas das Mangabeiras e do Espigão Mestre, no lado ocidental, e o Planalto de Borborema e a Chapada Diamantina, no lado oriental, ocorrem os “inselbergs”, literalmente, “montanhas-ilhas”. São morros isolados – também chamados de colinas no sertão – que surgem em áreas mais planas, constituídos de terrenos cristalinos de composição gnaisse ou granítica mais resistentes à pediplanação – processo de erosão típico de climas semi-áridos quentes ou áridos do globo.
Do Terciário em diante, as pediplanações promoveram o aplanamento de extensas superfícies, como o caso no Nordeste brasileiro. Os materiais que foram, ao longo do tempo, deslocados dos setores topográficos superiores foram transportados pelos rios na forma de um leque nos setores mais baixos, formando um lençol de detritos. Os pequenos trechos mais resistentes deram origem aos “inselbergs”, testemunhas da topografia passada.
DESERTIFICAÇÃO VS. CONSERVAÇÃO
Apesar de não ter a mesma biodiversidade da floresta Amazônica e da mata Atlântica, a caatinga – que tem como destaque plantas como a barriguda, o juazeiro e o xiquexique – está muito longe de ser considerada um deserto. Porém, é preciso lembrar que o quadro de degradação, intensificado por práticas agrícolas inadequadas, tem acelerado o processo de desertificação. Além disso, algumas espécies de sua rica fauna estão ameaçadas de extinção.
Para evitar que o pior aconteça, foram criadas algumas Unidades de Conservação. As maiores áreas de proteção das caatingas são a Reserva.
Ecológica do Raso da Catarina, situada no norte da Bahia e o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí. Além dessas, há destaque para outros parques nacionais do sertão nordestino: a Chapada Diamantina (BA), onde se encontra grande parte das nascentes dos rios baianos; o Parque Nacional de Ubajara, localizado na Serra do Ibiapaba (CE), foi criado com o objetivo de conservar os mananciais e atributos geomorfológicos da região; o de Sete Cidades (PI), que abriga inúmeras formações rochosas esculpidas pela ação do vento; e o da Serra da Capivara, também no Piauí, que abriga um dos mais importantes sítios paleontológicos do Brasil.
Interessante observar que todos os rios do Nordeste chegam ao mar em algum momento do ano. É chamada de drenagem exorréica, que independente de ser perene ou temporária é organizada até o mar. Deste fato decorre uma característica muito original da caatinga em relação a outras áreas semi-áridas do mundo: os cursos d’água do Nordeste apresentam baixa salinidade, com pequenos pontos onde ocorrem riachos curtos e “salgados”. No Rio Grande do Norte, as planícies próximas ao nível do mar com salinização mais acentuada correspondem a velhos estuários assoreados, onde foram estabelecidas as maiores salinas brasileiras.
Médias pluviométricas
A caatinga é uma paisagem que se diversifica em suas configurações conforme se combinam depressões, colinas, superfícies inclinadas, planaltos e solos. O ritmo climático de suas águas, como nos outros domínios, é espelhado visualmente na vegetação. São as fisionomias vegetais que permitem perceber a distribuição das chuvas nessas depressões interplanálticas e intermontanas. Não basta a informação das médias anuais de chuva – que vão de 200 a 1,5 mil milímetros –, é necessário entender por quantos meses essas médias se distribuem.
Um estudo dos anos 1970, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), organizou a região em quatro faixas de climas secos, mais tarde denominados de a) semiárido acentuado ou subdesértico; b) semi-árido rústico; c) semi-árido moderado; e d) semi-árido passando a úmido, que corresponderia já às faixas de transição a leste para o domínio da Mata Atlântica, e a oeste para o domínio Amazônico.
Na faixa do semi-árido acentuado ou subdesértico, as médias pluviométricas vão de 200 a 800 milímetros anuais, concentradas em três ou quatro meses, estendendo-se para oito ou nove meses sem chuva alguma, correspondente ao norte da Bahia, do oeste de Alagoas ao Ceará, ao interior de Pernambuco, à Paraíba
e ao Rio Grande do Norte (veja mapa). À medida que se afasta dessa faixa, a distribuição das chuvas dura por mais meses, e multiplicam-se as combinações de paisagens secas caracterizadas pela diminuição da semi-aridez. Há algumas exceções como em Cariris Velhos, na Paraíba, onde a média de 264 milímetros anuais, mas chove o ano inteiro, porque esse pequeno trecho rebaixado do Planalto da Borborema recebe chuvas vindas do leste, no inverno, e do oeste-noroeste, no verão.
Vegetação e “oásis”
Há a caatinga seca formada especialmente de cactáceas, bromeliáceas e vegetação herbácea, depois a arbustiva e, por fim, a arbórea. Mesmo nas faixas menos secas, os arbustos e as árvores isoladas apresentam uma característica comum: as folhas são pequenas – o que evita a perda de água pela evapotranspiração – e decíduas – caem totalmente no período seco. Também possuem raízes longas para buscar água em lençóis freáticos (como o juazeiro).
No meio da semi-aridez, a caatinga surpreende com suas “ilhas de umidade” e solos férteis. São os chamados brejos, que lembram os oásis dos desertos verdadeiros. Surgem e quebram a monotonia das combinações do meio físico dos sertões. Nos brejos, é possível produzir quase todos os alimentos e as frutas comuns aos trópicos. Gêneros de plantas da família das leguminosas, como acácia e mimosa, são bastante comuns. A presença de cactáceas, notavelmente o cacto mandacaru (Cereus jamacaru) e a bromélia (Encholirium spectabile) são símbolos visuais da caatinga.
Sendo um mosaico de arbustos espinhosos e florestas secas, por muito tempo foi considerada como um domínio de baixa diversidade e pobre em endemismos. Mas os estudos mais recentes revelam que essa impressão não corresponde à realidade: há muito mais lacunas de conhecimento da biota do que homogeneidade.
Um estudo de vegetação em um único topo de um inselberg na Bahia concluiu pela presença de 34 espécies. As famílias Bromeliaceae e Euphorbiaceae foram as mais ricas. Embora as espécies sejam de ampla distribuição, as áreas amostradas são ínfimas e não devem sugerir baixa diversidade.
Em relação às áreas menos alteradas, a diferença entre os domínios de paisagens brasileiras deve ser interpretada como diferentes processos biogeográficos, sem se confundir com juízosde valor.
Afinal de contas, não faz sentido cair na armadilha conceitual de atribuir maior importância a um ou outro domínio.•
Revista Discutindo Geografia
Com uma variedade de espécies de plantas e animais que estarrece o mundo,o Brasil sofre com um crime dos novos tempos: a biopirataria
A questão ambiental vem ganhando importância no mundo inteiro, não somente pela preocupação com a qualidade da vida humana como também pelas potencialidades econômicas dos recursos naturais de cada país. Nos últimos anos, com os avanços da engenharia genética e da biotecnologia, o preço da vida silvestre tornou-se incalculável para as grandes corporações multinacionais, que buscam em determinados ambientes as matrizes para muitos de seus produtos, as quais, depois de alteradas geneticamente, são comercializadas por valores elevadíssimos.Entre essas regiões, as florestas tropicais assumem especial relevância na medida em que contêm a maior biodiversidade do planeta e possuem muitas áreas quase desconhecidas. Nesse quadro, nosso país ganha destaque especial, principalmente por abrigar a impressionante Floresta Amazônica. O número inigualável de espécies de plantas, peixes, anfíbios, pássaros, primatas e insetos, muitos deles ainda não descritos nem estudados pela ciência, inclui o Brasil num seleto grupo de países notórios por sua megadiversidade biológica (veja quadro Vida de Todos os Tipos, na pág. 39). Detentor de 23% da biodiversidade do planeta, de acordo com cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil conta com um patrimônio genético estimado em 2 trilhões de dólares.Em razão dessa imensa riqueza, nosso país e outras nações privilegiadas em biodiversidade passaram a ser alvo da ação da biopirataria, praticada principalmente por grandes conglomerados transnacionais. Eles levam, sem autorização, elementos da fauna e da flora nativas para o estrangeiro, com fins industriais ou medicinais, sem nenhum pagamento ao país produtor ou à população local, que muitas vezes já conhece as propriedades curativas de espécies subtraídas. Assim, usado pela primeira vez em 1993, o termo biopirataria é mais do que contrabando. É a apropriação e monopolização de conhecimentos mais tarde patenteados em âmbito internacional, sem que as comunidades locais tenham direito à participação financeira com essa exploração.Riquezas roubadasA lista dos países alvo da biopirataria é grande. Madagáscar, Quênia, Senegal, Camarões, África do Sul, Zaire, Brasil, Guiana, Peru, Argentina, Venezuela, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Rússia, Tanzânia, Indonésia, Índia, Vietnã, Malásia e China.Calcula-se que esse comércio ilegal movimente cerca de 10 bilhões de dólares por ano. O Brasil responde por 10% desse tráfico, que inclui animais e sementes. Segundo o Parlamento Latino-Americano, mais de 100 empresas fazem bioprospecção ou biopirataria no Brasil.
Calcula-se que cerca de 40% dos remédios sejam oriundos de fontes naturais, sendo 30% de origem vegetal e 10% de origem animal e microorganismos.
Grande parte do princípio ativo dos hipertensivos (medicamentos prescritos contra pressão alta) é retirada do veneno de serpentes brasileiras, como, por exemplo, a jararaca.
O Brasil possui um imenso potencial genético a ser explorado. Estimase que seu patrimônio vegetal represente cerca de 16,5 bilhões de genes. Sendo tão rico em substâncias biologicamente ativas, tornou-se, comprovadamente, alvo de biopiratas. As denúncias de casos de pirataria genética são freqüentes. Elas envolvem instituições oficiais de ensino e pesquisa, cientistas e laboratórios estrangeiros que saem daqui levando riquezas biológicas, para posteriormente registrar patentes e gozar de vantagens econômicas obtidas à custa de produtos gerados com nossas plantas e animais.Cerca de 70% da biopirataria praticada no Brasil é feita por instituições filantrópicas, que entram em nosso território alegando a intenção de promover o atendimento a populações carentes e remetem clandestinamente material genético, in natura e em grandes quantidades, principalmente para Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Suíça e Japão. O restante da retirada irregular é praticado por instituições científicas legalmente instaladas. Apesar de o volume exportado ser menor, o dano por elas causado é maior, pois a alta tecnologia que aplicam nas pesquisas realizadas aqui mesmo permite o envio, para suas sedes, de material já sintetizado.
Retirar material biológico clandestinamente de um país não exige muita criatividade. Existem diversas maneiras de esconder fragmentos de tecidos, culturas de microorganismos ou minúsculas sementes sem a necessidade de grandes aparatos.
Mas geralmente a ação mais flagrada é o tráfico de animais silvestres.Na Eco-92, a Convenção da Biodiversidade deu origem ao documento Estratégia Global para a Biodiversidade. O combate à biopirataria prevê o pagamento de royalties pelas empresas que fizerem pesquisas ou explorarem a fauna e/ou a flora num país estrangeiro e a transferência de tecnologia e informações para o país detentor da “matéria-prima” biológica. Esses dois pontos vão contra os interesses dos grandes conglomerados farmacêuticos, que se opõem à assinatura de qualquer acordo ou tratado nesses termos. Os países ricos, liderados pelos EUA, alegam que os seus gastos com pesquisas nem sempre se transformam em produtos rentáveis. Em outras palavras, afirmam que investem muito na procura de novas substâncias e que apenas uma ou outra resulta em fonte de lucro.Proteger legalmente o patrimônio biológico em países pobres é uma batalha sem fim. Carentes de tecnologia, mas detentores de cobiçada fauna e flora, como essas nações podem pressionar as megacorporações de países ricos e desenvolvidos?
Mais um motivo para que o uso sustentável da biodiversidade seja uma das maiores preocupações da sociedade moderna, que, adquirindo maior consciência da importância estratégica da preservação da biodiversidade, deve exigir dos governos posturas coerentes para a proteção ambiental e para a exploração dessa riqueza.
Paulo Roberto Moraes é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, do curso Anglo Vestibulares e autor de livros didáticos e paradidáticos.
Revista Discutindo Geografia - ed. 7
O cerrado brasileiro é um dos mais importantes biomas do país. Mas, atualmente, encontra-se seriamente ameaçado de extinção. Sua grande variedade de fauna e flora já sofreu alterações em cerca de 80% da biodiversidade original. No Estado de Goiás a situação é ainda pior. Segundo estimativas, 90% da sua cobertura primitiva já foi devastada. O mais grave é que os parques públicos (áreas de proteção) não representam 1% do cerrado goiano, ficando abaixo da média nacional, que é de 2,5%, e bem abaixo do recomendado pelos órgãos internacionais. Cerca de 10% do território goiano deveria ser transformado em áreas de proteção ambiental.
Durante muito tempo acreditou-se que a região do cerrado seria inviável para a exploração agrícola, tendo em vista as características desse ecossistema: uma vegetação formada por árvores pequenas e galhos retorcidos, acompanhada de cobertura rasteira e solo pobre e ácido. Do ponto de vista comercial, esses fatores são inibidores naturais das atividades agropecuárias.
Entretanto, na segunda metade do século XX, a modernização da agropecuária brasileira e a introdução das relações capitalistas no campo resultaram em transformações no espaço do cerrado, delineando assim um novo contexto. De acordo com os dados da WWF (World Wild Foundation), 60% do cerrado brasileiro foi substituído por pastagens e 6% dele deu espaço às grandes culturasde grãos, principalmente a soja.
Outros 14% foram transformados em cidades e estradas e apenas 19% da região de cerrado está preservada. Chama a atenção a falta de um manejo adequado do ecossistema local e a grande velocidade com que se está destruindo desse ecossistema.
A devastação está atingindo níveis preocupantes, correndo o risco de ser praticamente irreversível. O que podemos fazer é tentar minimizar o problema adotando práticas preservacionistas e repensar as políticas econômicas para a região, procurando o desenvolvimento sustentável como forma de conciliar desenvolvimento econômico e a preservação ambiental.
Usos e abusos do cerrado
O cerrado ocupava grandes extensões do país, principalmente na porção central. Calcula-se que antes da ocupação humana ele cobria 25% do espaço nacional, ou seja, em torno de 2 milhões de quilômetros quadrados.
O cerrado ocupava originalmente espaços de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí e São Paulo. Neste último estado não apresentava uma cobertura contínua, e sim manchas disseminadas pelo interior.
Em suma pode-se dizer que a cobertura vegetal do cerrado abrangia grandes extensões do planalto Central Brasileiro, transformando-se na formação vegetal características do Centro-Oeste. É composto de pequenas árvores, arbustos e vegetação herbácea. Os arbustos, árvores de pequeno porte, possuem troncos com casca grossa e galhos retorcidos e são a feição mais típica desse tipo de vegetação. Embora possa parecer que o aspecto pobre e triste do cerrado seja explicado pelo período seco relativamente longo, o fator fundamental é a falta de fertilidade natural dos solos, que pode ser agravada pela ação do fogo, dos cupins e da lixiviação (isto é, da lavagem da camada superficial do solo pelas intensas chuvas tropicais).
O fogo, durante a estação seca, pode se propagar por combustão espontânea ou pela ação do homem, resultando na queima das raízes das espécies vegetais e contribuindo para degrada-las; os cupins destroem frutos, sementes e raízes; a lixiviação empobrece ainda mais o solo, tornando-o ácido.
Não só árvores de pequeno porte e espaçadas compõem o cerrado. Há sobre o solo uma cobertura contínua de gramíneas que podem atingir até 30 centímetros de altura e outros tipos de plantas rasteiras, como por exemplo a Andira humilis, que apresenta tronco e galhos subterrâneos e raízes que atingem o lençol de água a 18 centímetros de profundidade. Com base nesta planta, podemos observar como o solo do cerrado é profundo.
As longas raízes das árvores lhes permitem a obtenção de água durante a estação seca, que pode se prolongar por sete meses nessa área de clima tropical.
Como o cerrado é uma formação vegetal aberta, com muitas espécies herbáceas, desde os primórdios da colonização a criação de gado foi a atividade econômica mais importante, na maior parte das vezes feita de forma extensiva em grandes propriedades rurais. Com a descoberta e a aplicação da técnica da calagem, que consiste em adicionar calcário para reduzir a acidez do solo, o cerrado passou a ser utilizado intensivamente para a produção de grãos, especialmente soja, arroz e trigo. Por isso, atualmente as fazendas de criação de gado convivem, em áreas do cerrado, com modernas empresas rurais dedicadas à agricultura.
A ocupação cada vez mais intensa do cerrado pela agricultura se deve à pesquisa científica que constatou que o solo do cerrado pode manter-se fértil. Para tanto basta intercalar culturas de milho, sorgo ou milheto com as de arroz e soja. Isto ocorre porque as primeiras, dadas às suas raízes longas, retiram nutrientes a 2 ou 3 metros de profundidade. Assim, após a colheita do milho, sorgo ou milheto, as palhas permanecem no solo, adubando-o na porção superficial e garantindo os nutrientes para as plantações de soja e arroz. Dessa maneira, não há esgotamento do solo, pois os nutrientes lixiviados para as camadas mais profundas pela ação das chuvas, no período de novembro a março, retornam à superfície graças às plantas "palhadas".
Contudo, o processo de modernização do cerrado trouxe custos negativos para o meio ambiente. Como em muitas áreas a vegetação original é eliminada, o solo fica desprotegido durante a época das chuvas intensas. Essas arrastam imensas quantidades da camada superficial do solo para dentro dos rios, causando o assoreamento deles e provocando inundações por vezes catastróficas.
O que nos deixa estupefatos é sabermos que essa acelerada destruição está intimamente ligada à ação antrópica, que esse processo de devastação poderá, efetivamente, trazer a extinção de animais e de espéciesvegetais, além de acarretar o aumento das voçorocas (grandes crateras que se abrem no solo por causa da erosão), causando destruição ao meio ambiente.
No cerrado encontra-se uma fauna tão variada quanto sua flora. Foram identificadas 837 espécies de aves, 197 de mamíferos, 180 de répteis, 113 de anfibios e milhares de espécies de insetos.
A modernização das atividades econômicas praticadas nas áreas do cerrado brasileiro teve como resultado a transformação do Centro-Oeste e parte da Amazônia em áreas de fronteiras agrícolas nacionais. Inicialmente seriam áreas complementares da economia agrária brasileira. Porém, com a correção do solo e a aplicação de técnicas modernas, a produtividade determinou mudanças circunstanciais na lógica da produção agrária do Brasil. O problema é que a única prioridade observada na ocupação do território do cerrado foi a maximização dos lucros, deixando-se de lado a preocupação ambiental e colocando em risco o bioma do cerrado brasileiro.
Fábio Araújo é geógrafo, historiador e pós-graduado em Filosofia política pela UFPR.
Revista Discutindo Geografia - ed. 5
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