quarta-feira, 17 de julho de 2013

AMAZONIA


Vazamentos de óleo deixam em alerta a bacia amazônica
Dois vazamentos de óleo na bacia amazônica, um no Rio Negro, perto de Manaus, e outro no Napo, na selva equatoriana, deixaram o governo brasileiro em alerta. A Capitania dos Portos do Amazonas abriu inquérito para apurar o derramamento de diesel na Transpetro na segunda-feira. Em outro acidente, no dia 31, da Petroecuador, o rompimento de uma tubulação derramou o equivalente a 6.800 barris de óleo que já atingem dezenas de comunidades no Equador.

O governo montou uma força-tarefa para impedir que a mancha atinja o Rio Solimões. A possibilidade de a mancha chegar ao Brasil seria "remota" pois o óleo derramado seria extremamente pesado. A presidente Dilma Rousseff foi informada do rompimento durante reunião do Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas, em Brasília. / LEONENCIO NOSSA
Jornal O Estado de S. Paulo

Desmatamento dispara na Amazônia em maio

O Ministério do Meio Ambiente deve anunciar daqui a pouco que o desmatamento voltou a avançar fortemente na Amazônia no mês de maio. O site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que traz os dados do sistema Deter mostra que a perda da floresta foi de 464,96 km² no mês, contra 98,85 km² em maio do ano passado, um aumento de quase cinco vezes.

No acumulado desde agosto do ano passado, mês em que se inicia o calendário de cálculo anual de desmatamento, foram perdidos 2337,79 km², contra 1729,89 km² no período de agosto de 2011 a maio de 2012. O levantamento mensal do Deter funciona como um sistema de alerta para a fiscalização e capta somente desmatamentos superiores a 25 hectares

É um revés em um movimento que vem ocorrendo nos últimos anos de queda contínua da taxa de desmatamento – a principal política ambiental do governo federal. Os dados fechados do ano anterior, por exemplo, mostraram que o desmatamento de agosto de 2011 a julho de 2012 foi o menor da história do monitoramento – caiu 29% em relação ao período anterior, chegando a 4.571 km².

Tradicionalmente, é nos meses de seca, normalmente a partir de abril, que a motosserra canta mais alto. Mas nos últimos tempos os desmatadores têm mudado a tática e derrubado a mata mesmo no período de chuva. Apesar de mais complicado logisticamente, eles têm a vantagem de ficar “protegidos” pelas nuvens, que dificultam a visualização do monitoramento por satélite que faz os alertas, e pelas chuvas, que atrasam a chegada de Ibama e polícia ambiental.

Portanto, os dados agora de maio podem ser um pouco mais inflados porque estão deixando à mostra o que aconteceu na região na época da chuva. Mas refletem um alerta que ambientalistas vêm fazendo há algum tempo: de que, apesar dos ganhos obtidos nos últimos anos, o desmatamento não está contido.

Em meados do mês passado, o instituto de pesquisa Imazon, sediado em Belém, e que faz um monitoramento paralelo da perda florestal na Amazônia, também tinha mostrado essa tendência. Na ocasião, Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior da ONG, comentou que o maior gargalo no momento é o chamado desmatamento especulativo, principalmente nas regiões do oeste do Pará e sudeste do Amazonas.

“É gente que derruba com a expectativa de que uma hora vai conseguir regularizar a terra e vendê-la”, diz. “Praticamente, não se vê mais o desmate de quem está na cadeia produtiva e quer aumentar sua área para plantar ou pôr gado. Nesses casos, os mecanismos de comando e controle do governo têm funcionado. Mas o governo vai ter de mudar a estratégia, talvez deixar claro que essas áreas desmatadas para especulação não vão nunca ser regularizadas. Aí cria um prejuízo e pode ser que a prática estanque”, disse ele no mês passado.

Ele alertou também que se esse ritmo se mantiver nos meses de junho e julho, tradicionalmente os de maior avanço do corte raso, por ser período de seca, o desmatamento total pode passar de 6 mil km². Segundo ele, esses dois meses costumam representar 30% do total.
Jornal O Estado de S. Paulo

Rio Tapajós: cabe uma usina aqui?

A região do Alto Tapajós se prepara para receber um megaprojeto de geração de energia do governo federal. A esperança por empregos e desenvolvimento local divide opiniões com os temores pelos impactos sociais e ambientais

Ricardo Carvalho

O Hotel Plaza fica em um edifício de dois pavimentos cujas paredes externas são de um tom branco, com detalhes em vermelho. Conta com algo em torno de 20 quartos, sem luxo, mas todos bastante aconchegantes. Por quase duas décadas, Hildomar Moraes, o recepcionista considerado pelos demais funcionários o mais próximo da função de gerente, acostumou-se com poucos hóspedes, sempre numa ocupação média anual na casa dos 50%, na maioria garimpeiros. Há dois anos, entretanto, os corredores da hospedaria, localizada a poucos metros do rio Tapajós, na cidade paraense de Itaituba, passaram a respirar ares mais agitados.

Pesquisadores, geólogos, engenheiros e técnicos ambientais tornaram-se personagens corriqueiros no hotelzinho; também surgiram por ali empresários e representantes comerciais interessados em abrir novos estabelecimentos no município de 97 mil habitantes. Para a alegria de Hildomar, atualmente os índices de ocupação superam os 70%.

O repentino interesse por Itaituba não é para menos. A região espera, com indisfarçável ansiedade, a chegada de empreendimentos milionários, que se avizinham com a promessa de um bilhete de primeira classe no trem do desenvolvimento nacional. Por exemplo: o lado oposto do rio Tapajós, no distrito de Miritituba, deve receber, nos próximos anos, um conjunto de portos para escoar a produção de soja e milho do norte do Mato Grosso. De lá, os grãos seguirão em barcaças diretamente para o porto de Santana, no Amapá, de onde serão embarcados ao exterior, sobretudo à China. Além do mais, para que as carretas vindas do Mato Grosso cheguem aos futuros portos, cerca de 350 quilômetros da BR-163, a Santarém-Cuiabá, estão sendo asfaltados. Mas nada disso se compara às dimensões dos planos do setor energético para a região, uma vez que o rio Tapajós é tido como a grande aposta entre as bacias da Amazônia candidatas a geradoras de energia hidrelétrica para o país.

O complexo hidrelétrico do Tapajó pretende aproveitar o potencial de quedas d’água dessa bacia hidrográfica por meio da construção de cinco usinas – duas no rio Tapajós e três no Jamanxim (veja mapa ao lado). De acordo com a Eletrobrás, empresa do governo federal responsável pela atual etapa do projeto, o complexo terá potência geradora de mais de 12 mil megawatts (MW), o equivalente ao consumo mensal de duas cidades de São Paulo ou três do Rio de Janeiro.


Itaituba, no alto Tapajós, está no epicentro de uma guinada energética na região Norte. A dúvida é se a precária infraestrutura da cidade suportará a chegada de milhares de “barrageiros”

Cinco usinas à vista

Diante disso, não é de se estranhar que Itaituba, cuja sobrevivência econômica depende quase que exclusivamente da garimpagem, veja o complexo hidrelétrico como uma oportunidade de ouro. O próprio recepcionista do Plaza, a exemplo de todos que têm algum capital, já comprou um pequeno lote de terra na esperança de erguer uma casa para vendê-la quando as obras estiverem a todo vapor. Com a especulação imobiliária, o preço da terra disparou e o comércio espera impaciente a chegada de milhares de “barrageiros” – como são chamados os trabalhadores necessários para a construção da barragem da usina e de sua infraestrutura. 

Apesar da euforia, não faltam vozes a argumentar que o preço a ser pago excederá os benefícios da criação de postos de trabalho ou royalties para a cidade. É o caso de Jesielita Roma Gouveia, a Lita, coordenadora do Fórum dos Movimentos Sociais da BR-163, organização que reúne mais de uma centena de entidades de Itaituba e região. Lita teme que aconteça em Itaituba o que hoje se vê em Altamira, cidade-sede da construção da hidrelétrica de Belo Monte, a maior obra em andamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

Altamira, também no Pará, viu sua população saltar de 100 mil habitantes, em 2010, para quase 150 mil, em 2012, consequência do início da construção da barragem. Carências sociais crônicas, como falta de escolas, de hospitais e de saneamento básico, se agravaram. Além do mais, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, calcula que a violência contra crianças e adolescentes em Altamira cresceu mais de 200%. “São chagas que nós já vivemos, na época do ouro, e estamos há anos tentando cicatrizar. Com a chegada das usinas, tudo indica que teremos de conviver com elas mais uma vez”, lamenta Lita. 

A era da febre do ouro citada por Lita, ocorrida entre 1970 e o início dos anos 1990, não foi nada mais do que isso mesmo: uma febre. Por anos, Itaituba ardeu num delírio de riqueza graças ao minério que por pouco não brotava do solo em plena selva. Por mês, numa estimativa do presidente da Associação dos Mineradores do Ouro de Itaituba (Amot), José Antunes, os garimpos prospectavam até duas toneladas de ouro – estimativa certamente subestimada por tratar-se de um setor com forte informalidade. 


A era do metal precioso

Antes dos “anos dourados”, Itaituba não alcançava os 20 mil habitantes, enquanto que, no pico da febre, já viveram por ali quase 200 mil pessoas, entre fixos e flutuantes. E a fatura mais amarga do inchaço desordenado foi justamente a violência, nos garimpos ou em conflitos fundiários. “Ainda mantemos o estigma de uma cidade violenta, apesar de as mortes terem diminuído bastante nos últimos anos [a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu de 51, em 1992, para 25,8, em 2010, segundo o Mapa da Violência]. O medo é que tudo isso se repita”, conclui Lita.

O caos social causado pelo ouro foi suficientemente traumático para que até mesmo os setores mais entusiastas da construção do complexo hidrelétrico recomendem cautela. Davi Menezes, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Itaituba, por exemplo, tem motivos de sobra para comemorar os planos do governo para o Tapajós. Além do aumento expressivo no comércio local que se prevê, Menezes confessa já estar se aventurando no setor imobiliário. “Um terreno que há um ano valia R$ 5 mil, o proprietário pode, tranquilamente, vender por R$ 30 mil hoje”, assegura. Mesmo assim, ele diz que caso não sejam realizados investimentos urbanos para receber o contingente populacional que acompanhará as usinas, tudo indica que Itaituba padecerá dos mesmos males vividos por Altamira. “A diferença é que nós, enquanto sociedade civil organizada, não vamos lutar contra a construção das hidrelétricas, pois sabemos que elas virão, queiramos ou não. O que faremos é exigir da Eletrobrás e do consórcio construtor garantias que diminuam os impactos sociais”, argumenta. 

Em Altamira, segundo o procurador da República Cláudio Terre do Amaral, a licença de instalação foi emitida em meados de 2011, sem que a Norte Energia, concessionária vencedora do leilão, levasse adiante as chamadas medidas antecipatórias, que incluíam a criação de leitos hospitalares, moradias e a construção de escolas. Com isso, afirma Amaral, a saúde pública em Altamira se encontra em situação caótica, razão pela qual a procuradoria entrou com uma Ação Civil Pública para que estado e União tomem providências contra o abandono do hospital da cidade, que sofre com superlotação e falta de equipamentos. “É um hospital que já não tinha condições de atender adequadamente a antiga população de Altamira. Imagine isso no auge das obras, quando podem chegar aqui até 100 mil pessoas?” Para o procurador, o desastre social gerado com a chegada de um megaprojeto tal qual Belo Monte é algo que se repete a cada empreendimento hidrelétrico realizado na região. 

O aproveitamento do potencial hidrelétrico da Amazônia é uma discussão antiga e que costuma desembocar num debate acalorado entre dois polos. De um lado, aqueles que ressaltam a necessidade imediata de o país ampliar a geração de energia – fato considerado incontestável por especialistas em política energética. Do outro, um grupo que reclama da falta de planejamento que poderia evitar danos sociais e minimizar os prejuízos ambientais infligidos numa região tão complexa quanto a amazônica.


Canteiro de obras de Belo Monte: chegada de operários trouxe problemas sociais para a cidade mais próxima, Altamira

Demanda por energia

Num cenário de polarização, haveria espaço para o diálogo? De acordo com Demóstenes Barbosa da Silva, pesquisador da empresa Base Energia Sustentável e pós-doutorando do Instituto de Eletrônica e Energia (IEE), da Universidade de São Paulo (USP), sim Em primeiro lugar, segundo o pesquisador, é fundamental destacar que o Brasil vai precisar gerar muita energia a médio e longo prazo. Isso porque, historicamente, a demanda por eletricidade sempre avançou em até um ponto percentual acima da variação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, comenta Barbosa. O crescimento de renda da população na última década, em especial da classe C, pressionou ainda mais a relação produção versus demanda de energia. “É fato que vamos necessitar dessa energia. Mas é preciso também estabelecer qual o limite, em termos de interferência no bioma amazônico, que podemos chegar”, defende Barbosa.

O pesquisador sugere que a expansão da produção de energia na Amazônia seja pensada no contexto de uma política de longo prazo, que analise o bioma como um todo. “O governo poderia optar por deixar algumas bacias preservadas. Se vai mexer no rio Xingu, seria interessante manter o Tapajós intacto, até como uma forma de equilíbrio.” Também é crucial, para o pesquisador, que o país invista em pesquisa de outras fontes renováveis. 

Professora de pós-graduação do IEE-USP, Virgínia Parente explica que, pelo menos por ora, não há alternativa possível à hidreletricidade para a crescente sede por energia do país. As demais fontes renováveis, como a energia solar ou eólica, têm ainda um papel tímido demais para oferecer megawatts em escala que acompanhe a atual demanda. A energia eólica, por exemplo, representa só 0,4% da oferta interna de energia, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), além de custar 20% a 30% mais. “Isso não significa que energias como a eólica ou a solar não são importantes. São fontes que devem ser incentivadas em qualquer planejamento energético, justamente para que se tornem viáveis economicamente e assumam um peso cada vez maior na oferta de energia do Brasil.”

Assim como são indispensáveis os investimentos para aliviar a pressão sobre a equação produção versus demanda energética, é impossível desconsiderar as interferências que os megaprojetos hidrelétricos causam no ecossistema amazônico. Especificamente no rio Tapajós, os principais temores em relação ao impacto ambiental dizem respeito à perda da biodiversidade, principalmente a dos peixes. Por abrigar uma grande variedade de espécies migradoras, a existência de barragens ao longo do curso d’água do Tapajós significaria impor barreiras físicas à piracema, período no qual esses animais se deslocam da foz às cabeceiras do rio para a reprodução. “A existência de um grande número de reservatórios fragmentará demais a bacia e causará o desaparecimento, ou pelo menos uma expressiva diminuição, dos peixes migradores”, adverte Pedro Bara Neto, da ONG internacional WWF. 

As pequenas comunidades ribeirinhas se dividem entre aqueles ansiosos pelo trabalho nas obras e os que temem o sumiço dos peixes
Um canal para os peixes

A Eletrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o projeto da bacia do Tapajós engloba a construção de canais de piracema, desvios artificiais que contornariam a barragem até o lago e permitiriam a continuidade do fluxo migratório. 

A construção de um canal de piracema é encarada com bastante ceticismo por Lúcia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia (PNA). O parque, hoje com um milhão de hectares, é uma unidade de conservação estabelecida ainda na década de 1970 com o intuito de compensar o estrago ambiental gerado pela abertura da rodovia Transamazônica, a BR-230. O PNA, que provavelmente terá seu espaço de uso público inundado pelo complexo, faz parte de um amplo mosaico de áreas de proteção ambiental cuja função é servir de barreira ao desmatamento que avança do leste do Pará, do Mato Grosso e de Rondônia “Pode até ser que alguns peixes consigam subir pelo canal. De qualquer forma, os migradores não vão sobreviver na represa, porque são espécies que precisam de corredeiras e de água com níveis altos de oxigenação.” Os migradores também podem sofrer com o aumento da acidez da água, consequência do apodrecimento da vegetação que será submersa pela represa, avisa a chefe do PNA. A diminuição de peixes poderá alterar o equilíbrio da cadeia alimentar e a própria dinâmica da vida no Tapajós, principalmente pela redução do número de jacarés, de lontras e pelo sumiço de tabuleiros de desova de tartaruga. 

A Eletrobrás informou que o impacto ambiental a ser gerado na região é objeto dos estudos de viabilidade. Uma vez concluídos, eles serão enviados à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A partir daí, agência e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exigirão condicionantes para liberar a realização do leilão, que definirá o consórcio responsável por erguer as barragens. Esse processo dura, em média, dois anos.

Além de um possível problema ambiental, a redução do número de peixes, especialmente os migradores, maiores e mais comerciais em relação aos demais, pode representar um duro golpe econômico para as comunidades ribeirinhas do Tapajós. Todas elas têm na pesca um meio de subsistência. “Será que ainda teremos a piracema, com esses peixes de 20 quilos?”, questiona-se Maria do Socorro Amorim, membro de um pequeno grupo da vila conhecida por São Luiz do Tapajós que se opõe à ideia de ter uma barragem literalmente ao lado de casa. 


Marinildo não quer saber de emprego temporário e diz que “o rio é seu freezer”
“Meu freezer é o Tapajós”

Tendo como referência o local da futura hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, uma das cinco que formam o complexo, a comunidade ribeirinha de mesmo nome está localizada à jusante do rio e não deve ser alagada. A maioria dos moradores, ao contrário de Maria do Socorro, empolga-se ao vislumbrar no horizonte a possibilidade de um emprego nos canteiros de obra. “Queremos trabalhar e, com um salário, conseguir comprar alguma coisinha para a casa, quem sabe uma geladeira”, projeta Antônio Mário. 

A poucos quilômetros dali, entretanto, a situação é diametralmente a oposta. A razão dessa inversão é evidente. Entre os poucos quilômetros que separam as casinhas de taipa de São Luiz do Tapajós e as do vilarejo do Pimental será construída a represa da hidrelétrica, o que condena Pimental a ir para debaixo d’água. Por isso, o debate ali é mais acalorado e não faltam vozes indignadas. “Eu não quero um freezer! O meu freezer é o rio Tapajós”, ironiza Marinildo Souza Robertino, 36 anos, presidente da comunidade do Pimental, onde vivem 360 famílias. 

Quanto mais se avança rio acima, mais hostis são os ribeirinhos em relação aos planos do governo federal. Diferentemente de Pimental, onde, mesmo sofrendo uma possível inundação existe uma fatia dos moradores que se mostra esperançosa sob o argumento da geração de renda, nessas vilas não há opiniões a favor. Seus habitantes entoam um coro de rechaço unânime, talvez por viverem em grupos formados apenas por um ou dois núcleos familiares, talvez por serem indivíduos historicamente avessos a qualquer interferência do governo. “Aqui nunca veio um prefeito ou mesmo um vereador do Itaituba para dar satisfação sobre os impactos da usina. Para falar a verdade, nunca vieram aqui para nada”, revela Marialvo Paiva dos Anjos, morador da vilinha do Jatobá. Marialvo mora com mais uma dezena de pessoas, todas dependentes da pesca e da mineração. “Vão acabar com os peixes e com as ‘dragas’. Nossa única alternativa será ir para a cidade.”

As ‘dragas’ mencionadas por Marialvo são plataformas de prospecção de ouro que operam – na maioria das vezes de forma irregular, conforme reconhece um dos “gerentes” de uma embarcação visitada – em pleno rio Tapajós. Essas estruturas são equipadas com uma espécie de broca metálica que remexe o leito do rio e suga a bordo os sedimentos; os fragmentos de ouro grudam num tapete enquanto ocorre o descarte das demais substâncias. Os danos ambientais são claros: grande quantidade de óleo combustível despejada no rio e altos teores de mercúrio na água. Toda a área na qual atuam as ‘dragas’, incluindo a vila do Jatobá, deve ser inundada.

É preciso citar as ‘dragas’ para tentar compreender como o complexo hidrelétrico alterará a garimpagem, atividade danosa em termos ambientais, porém pilar econômico sobre o qual se sustenta Itaituba. Prova disso é que os donos de garimpo compõem quadros importantes do poder político local. E o melhor exemplo disso é um garimpeiro que, antes de tornar-se filho adotivo de Itaituba, era um jovem leitor de O Pasquim e crítico à abertura da Transamazônica. 

Minerador e ambientalista 

Ivo Lubrinna de Castro chegou à cidade durante a “febre do ouro” e enfiou-se no meio do mato “com apenas uma sandália gasta no pé”, conforme gosta de repetir. Afortunado, encontrou seu filão precioso, fez-se dono de garimpo, galgou a presidência da associação dos mineradores e atualmente ocupa a função de secretário do Meio Ambiente. Ele reconhece a contradição de fazer parte de um dos segmentos que mais causa danos ambientais na região e ocupar, ao mesmo tempo, a pasta que deveria protegê-lo, razão pela qual se define, com franqueza desconcertante, como “o homem errado no lugar errado”. 

Os planos de instalação das cinco usinas interferem diretamente na mineração, uma vez que 20% do minério prospectado atualmente em Itaituba provém de pontos que serão alagados, segundo estimativa de José Antunes, da Amot. Como cerca de 70% da economia municipal gira em torno das atividades de garimpo, segundo o secretário, será crucial investimentos na qualificação profissional para absorver essa mão de obra, que ficará ociosa. 

Na opinião de José Santos Nascimento Filho, do Movimento dos Atingidos por Barragens e coordenador da Organização dos Amigos do Parque Nacional da Amazônia, é improvável que essa qualificação aconteça. “As pessoas daqui serão aproveitadas para o serviço braçal de carregar cimento, coisa temporária. Os cargos melhores e de operação da usina, que são permanentes, não vão ficar para quem é da cidade”, prevê José Santos.


Praia em Alter-dochão, no baixo Tapajós: ponto turístico de um rio até agora exuberante e preservado

Aumento no desmatamento 

A acentuação de carências de infraestrutura com a chegada de megaprojetos de engenharia num município como Itaituba, o qual, ainda citando o secretário do Meio Ambiente, “não conta com um palmo sequer de rede coletora de esgoto”, é algo inevitável. 

Também é fácil encontrar quem acuse uma atuação desastrosa no quesito compensação ambiental. Pesquisador sênior do Imazon, Paulo Barreto relata que, em Rondônia, pressões políticas do governo estadual e do setor ruralista forçaram a mudança na legistação de importantes unidades de conservação federais, o que contribuiu para um aumento de mais de 100% no desmatamento na região entre 2009 e 2010. “Eram áreas que tinham sido criadas para compensar impactos ocasionados com a abertura e o asfaltamento de rodovias no estado na década de 1980. Isso fragiliza toda a ideia de políticas de diminuição dos danos ambientais.” 

Não se trata de demonizar a opção brasileira por uma matriz baseada na hidreletricidade. Longe disso: é preciso ressaltar que a escolha é considerada acertada por especialistas, principalmente quando comparada à péssima alternativa que dispomos hoje, que é das termelétricas movidas a gás natural ou óleo diesel, que são altamente poluentes e consomem um recurso não renovável. 

A grande questão é se as necessárias medidas antecipatórias sociais e de compensação ambiental serão relegadas ao segundo plano, como aconteceu com outros empreendimentos na Amazônia, ou se elas serão cumpridas conforme as promessas. Dar prioridade a essas medidas é fundamental para que se encontre um equilíbrio entre a necessidade de geração de energia renovável e limpa e a manutenção da integridade ecológica e social que a natureza e os moradores da Amazônia merecem.
Revista Horizonte Geográfico

Pobreza reina na área mais protegida do Pará
Com 74% de seu território preservado e protegido, a região da Calha Norte traz poucas alternativas de renda para a população

Jornal Estado de SãoPaulo
CALHA NORTE (PARÁ)- Se o desmatamento gera pobreza nas cidades e comunidades ao seu entorno, tampouco a conservação da floresta por si só tem conseguido garantir um quadro econômico melhor. A região mais preservada e protegida do Pará é também uma das mais pobres do Estado. É o que mostra um levantamento do instituto de pesquisa Imazon divulgado hoje e obtido com exclusividade pelo Estado. O trabalho identificou que os indicadores socioeconômicos da Calha Norte são inferiores aos da média do Estado e mostra que é preciso avançar muito em soluções que possibilitem um desenvolvimento sustentável aliado à floresta para que ela possa permanecer preservada.

Evelson de Freitas/AE
Barco leva oito horas no percurso entre Oriximiná e Santarém; viajantes dormem em redes


A região, localizada ao norte do Estado, à margem esquerda do Rio Amazonas, tem 27 milhões de hectares e abriga cerca de 321 mil pessoas. Remota, cortada por rios com vários trechos não navegáveis, acabou ficando fora do alcance do desenvolvimento e do arco do desmate. Até 2011, só 5% desse território havia sido desmatado, contra uma média de 20% do resto do Estado.

Caso raro no Brasil, foi protegida pelos governos federal e estadual de modo preventivo. Hoje, 74% da área é composta por áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas). Mas a proteção e a riqueza de biodiversidade ainda não se traduziram em melhores condições de vida para a população.

Em geral, o próprio Pará se encontra em situação mais precária que os outros Estados. O PIB per capita médio, de R$ 7.993 em 2008, de acordo com os últimos dados do IBGE, o deixava na 22.ª posição no ranking nacional. Menor do que a média para toda a Amazônia Legal (R$ 11.200). Já municípios da Calha Norte apresentaram média de R$ 6.155.

Os indicadores sociais também são ruins, segundo o levantamento. Por exemplo: somente 11% dos domicílios da região têm saneamento adequado (IBGE, 2010). A média do Pará era de 19% e a da Amazônia Legal, 24%. O Índice Firjam de Desenvolvimento Municipal reforça o retrato. Numa classificação que vai de 0 (baixo estágio de desenvolvimento) a 1 (alto estágio), os municípios da Calha Norte ficaram, em média, com nota 0,533. As médias do Pará (0,628) e da Amazônia Legal (0,658) os colocam em desenvolvimento moderado.

Antes do ‘boom-colapso’. Para Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon e um dos autores do estudo, a ocorrência de indicadores baixos era esperada pelas características da região: muito grande, muito afastada, com pouca gente. Mas é diferente de outras regiões do Pará que sofreram com o processo que ficou cunhado como "boom-colapso" - na onda do desmatamento, num primeiro momento ocorre um rápido e efêmero crescimento de renda e emprego, seguido depois de um colapso social, econômico e ambiental.

"A Calha Norte é pobre, mas tem pouca violência, não tem miséria como vemos nas regiões devastadas pelo desmatamento. Os indicadores do Estado são superiores, mas porque estamos falando da média. Nesses locais eles são bem piores", diz.

"Ao criarem áreas protegidas e chegarem na Calha Norte antes do problema, os governos federal e estadual tiveram uma visão estratégica. O desafio agora é como fazer com que essas amplas reservas tragam uma oportunidade e não um estorvo econômico para as populações", afirma. E agir rápido, com uma "estratégia de vacina", como definiu Veríssimo, para impedir que a região cometa os mesmos erros de outras e tenha o velho modelo econômico de desmatamento que só leva a mais pobreza.

"A realidade é que a área se mantém preservada porque o desenvolvimento não chegou. Mas está começando. Linhas de transmissão estão sendo instaladas para levar energia até Manaus, os prefeitos querem empreendimentos", comenta Carlos Augusto de Alencar Pinheiro, gerente da regional de Santarém do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela gestão das UCs federais. "Por isso a hora é de discutir qual seria o desenvolvimento adequado para a região."

O estudo mostrou que a região não tem aptidão agrícola. A vocação é manter a floresta, que pode gerar renda com o manejo de madeira e outros produtos (como castanha e óleo de copaíba), e os serviços ambientais. Num primeiro momento, portanto, a atividade mais fácil a se investir é nas concessões florestais, que já começaram, mas ainda de modo discreto. Elas podem geram renda para as comunidades e para os municípios.

Outra riqueza ainda ativa é a mineral, em especial a bauxita, com a qual se produz a alumina. Na vila de Porto Trombetas, no município de Oriximiná, a Mineração Rio do Norte atua desde o fim dos anos 1970. A Reserva Biológica do Rio Trombetas e posteriormente a Floresta Nacional Sacará-Taquera foram criadas em torno da área de exploração. Numa política que na época tinha mais a ver com a proteção do minério que do ambiente. Mas que acabou servindo para controlar a atividade e estabelecer as regras de recuperação do ambiente, de modo que hoje ela é "mais uma solução que um problema", como define Veríssimo.

São os royalties da mineração, que vão para Oriximiná, que possibilitaram que a cidade seja a mais rica da região. Mesmo assim há problemas como falta de saneamento adequado - só 29% dos domicílios o têm.

Em entrevista ao Estado, o vice-prefeito Antonio Odinélio (PV) se queixou da falta de repasse do governo federal, mas admitiu que de fato não se investiu na área. Seu grupo governa a cidade há oito anos.

População amazonense sofrerá impacto com construção de hidrelétricas

Estudo mostra que o preço da degradação causada por Belo Monte deve superar R$ 1 bilhão

Clara Nobre de Camargo

Projeto da usina de Belo Monte Foto: Divulgação/Norte Energia


Nos próximos 20 anos a região da Pan-Amazônia poderá ser marcada por uma grande e irreversível pegada ecológica: a construção de 153 hidrelétricas previstas para serem construídas no território, fato que deve impactar mais de 30% das terras indígenas e grande parte da população amazonense, sem mencionar as consequências para o meio ambiente.

Estes dados foram apresentados pelo Procurador do Ministério Público Federal Felício Pontes durante o 6º encontro do Fórum Amazônia Sustentável que aconteceu em Belém (PA), entre os dias 5 e 7 de dezembro em uma palestra sobre a “Infraestrutura Pan-Amazônica e o conflito entre hidrelétricas projetadas e o direito à consulta prévia”. De acordo com o portal EBC, Pontes deu o exemplo da usina de Tucuruí, no Pará, que foi construída em 1984 e transformou a vida das comunidades próximas à barragem. A produção dos pescadores do município de Cametá (PA) passou de 4,7 milhões de toneladas de peixe para 200 toneladas após a construção da hidrelétrica.

Impactos de Belo Monte custarão caro

Na opinião de Pontes, o processo previsto pela legislação brasileira, que exige consultas à comunidade local diante dos impactos causados por um empreendimento, não está sendo cumprido de forma adequada. Vide o exemplo das obras de Belo Monte no rio Xingu (PA), que em 23 agosto de 2012 foram paralisadas após o Tribunal Regional Federal acusar a empresa Norte Energia de não ter realizado audiências públicas com as comunidades locais impactadas.

De acordo com o estudo “O Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21: Oportunidades e Desafios”publicado no Fórum Amazônia Sustentável, R$ 1 bilhão deverá ser o preço da degradação causada pela construção de Belo Monte, relacionada à diminuição da qualidade de água, emissão de gases poluentes e prejuízos para o turismo local.

Quando se fala em perda de biodiversidade e deslocamento da população local, este número deverá ser ainda maior, segundo Wilson Cabral de Sousa Júnior, pesquisador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Na última quinta-feira (6), a empresa Norte Energia afirmou ao portal G1 que desconhece a metodologia utilizada no estudo, o qual foi preparado pelas ONGs WWF, International Rivers e Instituto Socioambiental (ISA). De acordo com a companhia, investimentos de R$ 3,2 bilhões já estão inclusos no planejamento de Belo Monte para suprir as necessidades de ensino, saúde, realocação de famílias e outros impactos socioambientais que a obra deverá causar.
Editora Horizonte Geográfico 

Área desmatada em agosto é 220% maior que mesmo período do ano passado
A área de destruição de florestas da Amazônia legal (área que engloba os estados brasileiros pertencentes à Bacia amazônica e a área de ocorrência de vegetações amazônicas) no mês de agosto foi de 522 km2. Os dados foram fornecidos pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).DE SÃO PAULO

O desmatamento é 220% maior que o ocorrido no mesmo período do ano passado. Também é o maior índice de perda de florestas neste ano.

A área desmatada no último mês é pouco maior que o município de Porto Alegre. Neste ano, a área devastada é de 1.562,96 km2, maior que o tamanho da cidade de São Paulo.

Os Estados do Pará e do Mato Grosso foram os que mais perderam florestas, com 227 km2 e 208 km2 de área desmatada, respectivamente.

Amazônia deve sofrer grande extinção de espécies
Pesquisadores britânicos e americanos defendem que aumento das unidades de conservação e restauração de áreas degradadas têm potencial de evitar os danos
AE

As piores consequências do desmatamento sofrido pela Amazônia ao longo de 30 anos ainda estão por vir. Até 2050, podem ocorrer de 80% a 90% das extinções de espécies de mamíferos, aves e anfíbios esperadas nos locais onde já foi perdida a vegetação. A boa notícia é que temos tempo para agir e evitar que elas de fato desapareçam. Essa é a conclusão de uma pesquisa publicada na edição desta semana da revista Science.
Um trio de pesquisadores da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos considerou as taxas de desmate na região de 1978 a 2008 e levou em conta a relação entre espécies e área - se o hábitat diminui, é de se esperar que o total de espécies que ali vivem diminua, ao menos localmente.
Acontece que os animais têm mobilidade, podem migrar para locais vizinhos ao degradado. Lá vão tentar sobreviver, competindo por recursos com animais que já estavam no local, de modo que o desaparecimento não é imediato, podendo levar décadas para se concretizar.
É essa diferença, que os pesquisadores chamam de "débito de extinção", que foi calculada no trabalho. Grosso modo, é uma dívida que teria de ser "paga" - em espécies animais - pelo desmatamento do passado. A ideia por trás do termo é tanto mostrar o que poderia acontecer se simplesmente o processo de extinção seguisse o seu rumo, quanto estimar qual pode ser o destino dessas espécies que dependem da floresta, considerando outros cenários de ações.
Mas em vez de calcular para toda a Amazônia - o que seria problemático, porque há uma diferença de riqueza de biodiversidade no bioma -, os autores mapearam os nove Estados em quadros de 50 quilômetros quadrados, a fim de estimar os impactos locais. Uma espécie pode deixar de ocorrer em uma dada área, mas isso não significa que ela desapareceu por completo.
Tanto que a literatura ainda não aponta a extinção de nenhuma espécie na Amazônia, explica o ecólogo Robert Ewers, do Imperial College, de Londres, que liderou o estudo. "Uma razão para isso é que o desmatamento se concentrou no sul e no leste na Amazônia, enquanto a mais alta diversidade de espécies se encontra no oeste da região. Mas não há dúvida de que muitas estão localmente extintas onde o desmatamento foi mais pesado."
Dois cenários
Na pior hipótese, a do "business as usual", considera-se a continuidade do modelo da expansão da agricultura; na melhor, que o desmatamento zere até 2020. Os pesquisadores propõem, no entanto, que o cenário mais realista é o que considera a permanência da governança, ou seja, das ações governamentais que levaram à queda do desmatamento nos últimos anos.
Mas mesmo nessa situação é de se esperar que espécies sumam. Em 2050, os pesquisadores estimam que localmente (nos quadros de 50 km²) podem desaparecer de 6 a 12 espécies de mamíferos, aves e anfíbios em média; enquanto de 12 a 19 podem entrar na conta do que pode ser extinto nos anos seguintes.
Eles reforçam que isso ainda não aconteceu e defendem que ações que aumentem as unidades de conservação e promovam a restauração de áreas degradadas têm potencial de evitar os danos. Os mapas mostram em quais áreas esse esforço poderia promover mais benefícios.
Em outro artigo na Science que comenta o trabalho, Thiago Rangel, da Universidade Federal de Goiás, pondera que a conjuntura atual é incerta. "O governo vai investir pesado em infraestrutura, estão previstas 22 hidrelétricas de grande porte, estão sendo reduzidas as unidades de conservação e o Código Florestal vai ficar mais frouxo. A trajetória dos dez anos que passaram dava uma sinalização otimista, mas são os próximos dez anos que vão dizer o que vai acontecer." 

Revista Isto é

Nas profundezas da Amazônia, um rio



Os estudos sobre o recém-descoberto Hamza ainda não foram finalizados, mas já se pode dizer que o rio, abaixo 4 quilômetros do Amazonas e cuja largura pode chegar a 400, é bem-vindo na manutenção do equilíbrio da biosfera. Foto: Amazonastur/ Governo do Amazonas/Ribarmar o Caboclo
Agosto de 2011, cidade do Rio de Janeiro. Aquele que era para ter sido tão somente mais um Congresso Internacional da Sociedade Brasileira de Geofísica, aliás, o 12º, transformou-se numa importante vitrine para uma equipe de pesquisadores de Geofísica do Observatório Nacional, sediado no Rio de Janeiro. No evento, a equipe anunciou uma descoberta que percorreu o mundo prontamente: um rio subterrâneo que se movimenta 4 quilômetros abaixo do Rio Amazonas. Por que tal acontecimento despertou tamanho interesse? Afinal, as águas subterrâneas são um fenômeno conhecido desde longa data. Os poços artesianos, as fontes, os aquíferos atestam. Além disso, a infiltração das águas em rochas calcárias possibilita a formação de cavernas e grutas, e nessas cavidades as águas escoam como riachos subterrâneos. A ilustração ao lado pode fornecer uma ideia da dimensão da descoberta, justificando tamanha repercussão na mídia e no meio científico.
Observe que o curso d’água em cena, batizado de Rio Hamza, em homenagem ao pesquisador de origem indiana e coordenador das pesquisas, Valiya Hamza, possui cerca de 6 mil quilômetros de extensão. Mas não somente a distância percorrida impressiona: em determinados pontos, sua largura pode chegar a 400 quilômetros e sua vazão média é de  3.090 m. Para efeitos de comparação, o Rio Amazonas apresenta até 100 quilômetros de largura no local pesquisado, e o Rio São Francisco uma vazão média de 2.700 m.


Como tudo começou

Entre os integrantes da equipe de pesquisadores da Coordenação de Geofísica do Observatório Nacional está a doutoranda Elizabeth Tavares Pimentel, da Universidade Federal do Amazonas. A descoberta faz parte de suas pesquisas envolvendo estudos sobre geotermia, ramo da Geologia que estuda a temperatura do planeta em diferentes profundidades. Para os estudos de geotermia profunda, a pesquisadora -valeu-se dos dados de temperatura de 241 poços perfurados pela Petrobras ao longo das décadas de 1970 e 1980, na Amazônia. Tais perfurações aconteceram em bacias sedimentares da região. Como se sabe, esse tipo de estrutura geológica pode estar associado à ocorrência de petróleo, razão pela qual foram realizadas as perfurações. Por outro lado, os -terrenos sedimentares apresentam porosidade e permeabilidade tal que permitem não só o escoamento e a circulação da água, como tambem o seu armazenamento. Essas características auxiliam no entendimento do fenômeno. Na altura do estado do Acre, a circulação da água é vertical até cerca de 2 quilômetros de profundidade-, onde muda de direção para, em profundidades maiores, ao redor dos 4 quilômetros, tornar-se quase horizontal. Nesse aspecto, o Rio Hamza- mais uma vez se distingue do Amazonas: enquanto neste as águas se deslocam a uma velocidade de 0,1 a 2 metros por segundo, naquele o fluxo se dá na ordem de 10 a 100 metros por ano. De fato, as rochas -sedimentares se assemelham a uma esponja, ou melhor, o atrito causado pela rocha sedimentar impede o deslocamento mais rápido das águas.

A essa altura, duas breves conclusões podem ser tiradas. Em primeiro lugar, que um fenômeno dessas dimensões não pode acontecer em qualquer ponto da Terra. Além das condições climáticas, próprias da região equatorial, das particularidades geológicas e geomorfológicas da Amazônia, não se pode desprezar a extensão, a superfície onde o evento está se dando. Por exemplo, na África Equatorial há uma semelhança do ponto de vista climático na chamada Bacia do Congo. Contudo, os terrenos sedimentares africanos não se encontram orientados como no caso amazônico, tampouco atingem a faixa litorânea. Observe o planisfério.
Em segundo lugar, um trabalho com o alcance do realizado pela Petrobras na Amazônia brasileira também não se verifica em território africano. Até porque, naquele continente, a região da Bacia do Congo encontra-se compartilhada por diversos países.
Feitas essas considerações, não pode ficar de fora dessa breve reflexão o entendimento que se tenha de rio. Será o Hamza-, de fato, um rio mesmo que subterrâneo? Nos debates que se seguiram à exposição da equipe do Observatório Nacional, houve quem questionasse se tal corpo d’água pode ser enquadrado enquanto um rio ou se não seria tão somente um aquífero. Entre os argumentos foi citada a velocidade do fluxo das águas subterrâneas, tida como muito inferior àquela própria de um rio. Contudo, qual velocidade deve ser tomada como referência? A isso se pode incluir outra observação, de caráter escalar: aquilo que no Sul do País pode ser tomado como um “verdadeiro” rio, na Amazônia não passaria de um igarapé. Ou seja, no atual estágio da pesquisa a respeito do Hamza parece prematura a necessidade de se levantarem critérios que possam ou não justificá-lo enquanto rio.
Por fim, e buscando apontar para a relevância do achado, o volume de água que chega ao Oceano Atlântico pode ser associado à ocorrência de verdadeiros bolsões de baixa salinidade na margem continental, isto é, nas bordas laterais do continente junto à foz do Rio Amazonas. Na medida em que o entendimento sobre o processo de formação do Rio Hamza e sua relação com o ambiente da Região Amazônica avançam, certamente algumas lacunas serão preenchidas e verdades tomadas como definitivas revistas. Importa destacar que os limites acerca da exploração dos recursos amazônicos, ou das relações sociedade–natureza, ficarão mais claros. Considerando-se as dimensões amazônicas e o alcance dos processos que se desenrolam na região, é de se esperar que os cuidados ambientais sejam redobrados. Nesse sentido, a descoberta do Rio Hamza é bem-vinda ao campo das lutas pela manutenção do equilíbrio dinâmico da biosfera.

Revista Carta Fundamental

Rio Negro de lixo
O nível recorde do rio chegou a 29,79 metros acima do mar e afetou 75 mil famílias
redacao@revistaecologico.com.br


Foto: Stringer-Reuters
Não é somente o mar que devolve nas praias a poluição que jogamos nele. Os rios também mandam de volta o que não é da sua natureza. Exemplo maior dessa rejeição planetária aconteceu no Rio Negro que, com outro afluente, o Solimões, forma a partir de Manaus, o maior rio do mundo. Pois até a semana passada, quando ocorreu a maior cheia da sua história, fruto de desmatamentos e erosões pelo caminho, ele devolveu às populações ribeirinhas da capital do Amazonas o que com mais elas também o agridem: lixo, muito lixo. A ponto de esconder, totalmente, as suas águas. Sinal dos tempos e de uma Amazônia mais suja, às vésperas da Rio + 20.
Revista Ecológico

Biopirataria na Amazônia



O termo ?biopirataria foi lançado em 1993, para alertar sobre o fato que recursos biológicos e conhecimento indígena estavam sendo apanhados e patenteados por empresas multinacionais e instituições cientificas e que as comunidades que durante séculos usam estes recursos e geraram estes conhecimentos, não estão participando nos lucros. ·De modo geral, biopirataria significa a apropriação de conhecimento e de recursos genéticos de comunidades de agricultores e comunidades indígenas por indivíduos ou por instituições que procuram o controle exclusivo do monopólio sobre estes recursos e conhecimentos. ·Por enquanto, ainda não existe uma definição padrão sobre o termo biopirataria?.
A biopirataria desafia o Brasil a cuidar da Amazônia,com cinco milhões de hectares correspondentes à metade de todo o território nacional ,e uma bacia hidrográfica que concentra um terço de toda água doce existente no planeta, a Amazônia brasileira tem sido alvo de uma escalada crescente por seus recursos natural, devido á  ação dos biopiratas,em sua maioria turistas e pesquisadores estrangeiros que fazem contrabando de riquezas da fauna e da flora amazônica.Apesar de tão rica e por isso exaltada no mundo inteiro,a Biodiversidade Amazônica continua a ser um desafio para todos que por ela se interessam.Os pesquisadores que se dedicam a estudar a diversidade da região, se ressentem de que agora somente 1%de todo o potencial Amazônico seja conhecido e que,por falta de fundos de amparo á pesquisa,o Brasil,tenha que comprar de fora uma tecnológica desenvolvida á partir de uma amostra furtada da sua Amazônia.No entanto o Brasil precisa assumir o comando e definir as regras para o intercâmbio,para que se possa combater a biopirataria é preciso que se compreenda cada um dos fatores que contribuem para a sua existência,ou seja as possibilidades oferecidas pela vida na Amazônia: a inexistência de uma política nacional estratégica para ciência e tecnologia,o interesse crescente pelos conhecimentos tradicionais, que reduzem os custos e o tempo das pesquisas:a defasagem brasileira em pesquisa,desenvolvimento e produção:a falta de uma legislação que regule a exploração dos recursos naturais e, ainda,a exclusão social.
A questão é tão atraente que não se pode descartar o interesse internacional pela Amazônia, que esta na maioria das vezes associadas á realidade social do País e a total inexistência de uma política nacional estratégica para atividades de ciência e tecnologia,voltada para biomassa brasileira incluindo não só a Amazônia, mas também a mata atlântica, serrado e alagados tornam-se fatais para estimular a biopirataria e as industrias que os patrocinam,sobretudo consideram que eles são muito melhores do que os brasileiros quando se tratam de pesquisa,desenvolvimento e produção.Portanto enquanto o Brasil não adotar uma estratégia de relacionamento internacional em relação à Biodiversidade Amazônica, a biopirataria vai continuar a existir,a despeito de todas as ações punitivas que se queria adotar,ate porque com os avanços tecnológicos as amostras que interessam aos grandes laboratórios podem ser enviadas por meios virtuais e livres de qualquer tipo de fiscalização.
A biopirataria passa por um ciclo de fatores que interagem entre si,como destacou, e que ao invés de se debater contra uma realidade irrefutável, o Brasil precisa aumentar sua competência como detentor das riquezas,ditar regras e assumir o comando de um amplo e intercambio internacional para fins de preservação e da exploração responsável da Amazônia.Conceituação de biopirataria conforme o Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional,da tecnologia da informação de Desenvolvimento-CIITED: 
Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade,sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica).A biopirataria envolve ainda a não repartição justa e eqüitativa entre Estados,corporações e comunidades tradicionais dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.

Rio Amazonas - Certidão de nascimento

Vista aérea do Amazonas. Nanofósseis coletados em poços de petróleo em sua foz indicam que o rio se formou há cerca de 11,8 milhões de anos (foto: Nasa).

Na busca por petróleo, cientistas descobrem um dado geológico inédito: a idade do rio Amazonas. A informação é importante para conhecer detalhes da evolução da fauna e da flora da região.
Júlia Faria

Um senhor de aproximadamente 11 milhões de anos: assim é o rio Amazonas, segundo revelam cientistas. A descoberta foi feita por um grupo de geólogos da Petrobras liderados por Jorge Picanço de Figueiredo, com a colaboração da geóloga holandesa Carina Hoorn, da Universidade de Amsterdã.

A pesquisa foi feita com dados colhidos em dois poços perfurados pela Petrobras para a exploração de petróleo no oceano Atlântico próximo à foz do rio Amazonas. Os resultados foram publicados na revista Geology.

A análise de nanofósseis coletados nesses poços permitiu datar a pilha de sedimentos formada no oceano Atlântico pela descarga do rio Amazonas. Como os sedimentos mais antigos dessa pilha foram datados em aproximadamente 11 milhões de anos (durante o período geológico conhecido como Mioceno superior), concluiu-se que esta é também a idade de origem do rio Amazonas.

Antes da formação do Amazonas, a geografia da região era caracterizada por dois ambientes bem distintosAntes da formação do rio Amazonas — no Mioceno médio e inferior, período compreendido entre 11,6 e 23 milhões de anos atrás —, a geografia da região amazônica era caracterizada por dois ambientes bem distintos.

Na porção ocidental da Amazônia (abrangendo a maior parte do estado do Amazonas e áreas do Peru e da Colômbia), existia uma grande área alagada com lagos rasos, rios e pântanos, que eventualmente era conectada com o mar por uma passagem situada no território onde hoje se encontra a Venezuela.

Já na porção oriental (estado do Pará e a parte este do estado do Amazonas), existia uma rede de drenagem que alimentava um rio que corria de oeste para leste e desaguava no Atlântico na mesma posição onde hoje está a foz do Amazonas. Esse rio foi chamado pelos autores do trabalho de protorrio Amazonas.

Conexão dos dois sistemasO rio Amazonas se formou a partir da conexão desses dois sistemas, acontecida por volta de 11 milhões de anos atrás. Essa conexão foi feita em decorrência de dois fenômenos geológicos ocorridos nesta época.

Por um lado, existiu um intenso soerguimento do setor norte da cordilheira dos Andes, que acabou por erguer levemente toda a porção ocidental da Amazônia. Com isso, a vasta área alagada que existiu nessa região durante o Mioceno médio e inferior foi parcialmente assoreada e deslocada para o leste, em direção ao protorrio Amazonas.

O surgimento do rio resultou no desenvolvimento de um ambiente completamente novoNa mesma época, a massa de gelo na calota polar da Antártica aumentou drasticamente e provocou uma queda global no nível dos mares. Esse rebaixamento marinho global fez com que o protorrio Amazonas escavasse mais profundamente o seu leito. Com isso, sua cabeceira migrou para o oeste em direção à vasta área alagada da Amazônia ocidental. Em um determinado ponto, por volta de 11 milhões de anos atrás, houve a conexão dos dois sistemas e a origem do rio Amazonas como um rio transcontinental.

O surgimento do rio resultou no desenvolvimento de um ambiente completamente novo. Como consequência, houve uma alteração no hábitat das plantas e animais nativos.

Uma nova faunaEmbora adequada para algumas espécies, a mudança foi inapropriada para outras. A fauna aquática — rica em moluscos e pequenos crustáceos, característica da Amazônia enquanto foi um grande pantanal — desapareceu à medida que a região ganhava novas configurações.

“Apenas um pequeno grupo de espécies, que estava apto a viver no ambiente mais dinâmico formado com o rio, conseguiu sobreviver”, explicou à CH On-line Carina Hoorn durante sua passagem pelo Brasil no início deste ano. Botos, arraias e outros animais tipicamente marinhos que vivem hoje na Amazônia descendem de criaturas que tiveram de evoluir para sobreviver em um ambiente de água doce, após a conexão com o mar desaparecer.

O rio Amazonas só ganhou sua forma atual há cerca de 2,4 milhões de anosPorém, só mais recentemente, há cerca de 2,4 milhões de anos, o rio Amazonas ganhou sua forma atual. De acordo com Hoorn, os movimentos adicionais nas placas tectônicas na região dos Andes foram, provavelmente, responsáveis pela formação de uma conexão direta com o Atlântico.

“O canal amplo e raso do período Mioceno inferior deu lugar a outro, mais conciso”, afirma a pesquisadora. Conforme o rio direcionava-se ao oceano, muitos dos lagos que predominavam na região amazônica foram drenados e o depósito de sedimentos oriundos dos Andes na costa brasileira aumentou.
Júlia Faria
Revista Ciência Hoje
Petrobras anuncia jazida de petróleo e gás na AmazôniaRio de Janeiro, 3 fev (EFE).- A Petrobras anunciou nesta sexta-feira a descoberta de uma jazida de petróleo e gás natural na Bacia do Solimões, na região amazônica.

Segundo um comunicado da empresa, a reserva de hidrocarbonetos foi descoberta durante a perfuração do poço conhecido como Leste do Igarapé Chibata, no município de Coari, a 25 quilômetros da província petrolífera de Urucu e com uma profundidade final de 3.295 metros.

Os testes indicaram uma capacidade diária de produção de 1.400 barris de boa qualidade e 45 mil metros cúbicos de gás, precisou a Petrobras.

A companhia indicou que, se existir 'viabilidade econômica' para a exploração a partir das descobertas nessa zona, será 'criado um novo polo produtor de petróleo e gás natural na Bacia do Solimões'.
Revista Veja

Desmatamento revela desenhos no solo da Amazônia

Foto: Douglas Engle/The New York Times
Vista aérea de fazenda perto de Rio Branco, no Acre


De acordo com descobertas arqueológicas, as escavações nas terras são muito antigas e podem melhorar a compreensão da floresta
The New York Times

Edmar Araújo ainda se lembra do pavor que sentiu. Algumas décadas atrás, enquanto limpava árvores no terreno de sua família, localizado perto da cidade de Rio Branco, um local isolado em um dos cantos do oeste da Amazônia brasileira, ele se deparou com uma série de avenidas de barro esculpidas no solo.

"Estas fileiras eram muito perfeitas para terem sido feitas por um homem", disse Araújo, um pecuarista de 62 anos de idade. "A única explicação que eu conseguia imaginar era que elas eram trincheiras que foram cavadas durante a guerra contra os bolivianos."

Mas estas não eram trincheiras, pelo menos não serviram para nenhum conflito que possa ter ocorrido aqui durante o século 20. De acordo com descobertas arqueológicas feitas na região nos últimos anos, as escavações nas terras de Araújo e centenas como ela em regiões próximas são muito mais antigas do que isso e podem melhorar potencialmente nossa compreensão da maior floresta tropical do mundo.

O desmatamento que atingiu a Amazônia nos anos 70 também expôs um segredo escondido há muito tempo debaixo desta floresta de grande espessura: formas geométricas perfeitamente desenhadas que abrangem centenas de metros de diâmetro.

Alceu Ranzi, um estudioso brasileiro que ajudou a descobrir os quadrados, octágonos, círculos, retângulos e formas ovais que compõem as esculturas de terra, disse que esses geoglifos encontrados em terras desmatadas são tão significativos quanto as famosas linhas de Nazca, os símbolos enigmáticos de animais que são visíveis quando avistados do alto no sul do Peru.

"O que mais me impressionou sobre esses geoglifos foi sua precisão geométrica e como eles estavam escondidos em uma floresta que até então nos parecia ser intocada à exceção de algumas tribos nômades que haviam habitado a região”, disse Ranzi, paleontólogo que viu pela primeira vez os geoglifos na década de 70 e, anos mais tarde, observou-os de avião.

Para alguns estudiosos da história humana na Amazônia, os geoglifos existentes no Estado brasileiro do Acre e em outros sítios arqueológicos sugerem que as florestas da Amazônia ocidental, anteriormente considerada inabitável por sociedades mais sofisticadas, em parte por causa da qualidade de seus solos, pode não ter sido tão "Inabitável", como alguns ambientalistas afirmam.

O escritor americano Charles C. Mann explica que ao invés de ter permanecido uma floresta virgem, quase não habitada por pessoas, partes da Amazônia podem ter sido locais aonde grandes populações viviam em dezenas de cidades interligadas por redes de estradas. Na verdade, de acordo com Mann, o explorador britânico Percy Fawcett desapareceu em 1925 em sua busca pela "Cidade Z", que supostamente existia na região de Xingu.

Além de partes da Amazônia terem sido "muito mais densamente povoadas do que se pensava", Mann, o autor de "1491", um livro inovador que fala a respeito das Américas antes da chegada de Colombo, disse que "estas pessoas propositadamente modificavam seu ambiente de uma maneira que pudesse ser duradoura."

Como consequência das vastas regiões habitadas por humanos, é possível que as florestas da América do Sul possam ter sido muito menores durante certos períodos, com grandes áreas vazias semelhantes às savanas.

Tais revelações não se encaixam confortavelmente com os debates políticos atuais a respeito do desenvolvimento da região, em que alguns ambientalistas se recusam a permitir que a pecuária e o cultivo da soja em larga escala, por exemplo, avance ainda mais para outras regiões da Amazônia.

Os cientistas também dizem se opor à queima indiscriminada das florestas, mesmo que a pesquisa sugira que a Amazônia tenha sustentado uma agricultura intensiva no passado. Na verdade, dizem que outras regiões dos trópicos, especialmente a África, poderiam se beneficiar de estratégias antes utilizadas na Amazônia para superar as limitações do seu solo.

"Se alguém quiser recriar a Amazônia da era pré-colombiana, a maior parte da floresta precisa ser destruída, ser populada por muitas pessoas e ter uma agronomia altamente produtiva", disse William Woods, geógrafo da Universidade de Kansas, que faz parte de uma equipe que está estudando os geoglifos do Acre.

"Eu sei que isso não terá uma boa repercussão com os ambientalistas", disse Woods, "mas o que mais se pode dizer à respeito?"

Enquanto os pesquisadores tentam entender a história ecológica da Amazônia, mistério ainda envolve as origens dos geoglifos e as pessoas responsáveis por eles. Até agora, 290 obras escavadas foram encontradas no Acre, junto com cerca de 70 outras na Bolívia e 30 nos Estados brasileiros do Amazonas e Rondônia.

Os primeiros pesquisadores descobriram os geoglifos na década de 1970, depois que a ditadura militar brasileira incentivou colonos a se mudarem para as regiões do Acre e da Amazônia, apoiados pelo slogan nacionalista "Ocupar para não entregar", para justificar o povoamento da área que resultou no desmatamento.

Porém, a comunidade científica demonstrou pouco interesse na descoberta até que o cientista brasileiro Ranzi começou suas pesquisas na década de 1990, e pesquisadores brasileiros, finlandeses e americanos começaram a encontrar mais geoglifos usando imagens de satélite de alta resolução e de pequenos aviões que sobrevoavam a Amazônia .

Denise Schaan, arqueóloga da Universidade Federal do Pará no Brasil, que agora lidera a pesquisa dos geoglifos, disse que testes de radiocarbono indicam que elas foram construídas de 1.000 a 2.000 anos atrás, e podem ter sido reconstruídas várias vezes durante esse período.

Inicialmente, disse Schaan, os pesquisadores consideraram a ideia destas trincheiras serem utilizadas para a defesa contra ataques devido a sua profundidade de quase 7 metros. Mas a falta de provas de que houvesse acorrido algum tipo de assentamento humano dentro e ao redor das trincheiras fizeram com que essa teoria fosse descartada.

Os pesquisadores agora acreditam que os geoglifos podem ter tido uma importância cerimonial, similar, talvez, as catedrais medievais da Europa. Este papel espiritual, disse William Balée, um antropólogo da Universidade de Tulane, pode ter envolvido a "geometria e gigantismo".

Ainda assim, os geoglifos, que fazem parte da cultura andina e amazônica, permanecem um enigma.

Eles estão longe de assentamentos pré-colombianos descobertos em outras partes da Amazônia. Há também grandes dúvidas sobre os povos indígenas que habitaram esta parte da Amazônia na época, já que milhares foram escravizados, mortos ou expulsos de suas terras durante a era da exploração da borracha, que começou no final do século 19.

Para os pesquisadores e cientistas brasileiros, disse Schaan, as trincheiras são "uma das descobertas mais importantes do nosso tempo." Mas o repovoamento desta parte da Amazônia ameaça a sobrevivência dos geoglifos, após de terem permanecido escondidos durante séculos.

Florestas ainda cobrem a maior parte do Acre, mas nas áreas desmatadas onde os geoglifos se encontram, já foram construídas algumas estradas de terras. Pessoas vivem em barracos de madeira dentro de outros. Postes de eletricidade agora fazem parte da paisagem dos geoglifos. Alguns fazendeiros usam suas trincheiras como buracos para que seu gado possa beber água.

"É uma vergonha que nosso patrimônio seja tratado dessa maneira", disse Tiago Juruá, o autor de um novo livro sobre como proteger os sítios arqueológicos, incluindo os geoglifos.

Juruá, um biólogo, assim como outros pesquisadores, diz que os geoglifos encontrados até agora são, provavelmente, apenas uma amostra do que as florestas do Acre ainda guardam sob sua copa. Afinal, segundo eles, existe hoje o menor número de pessoas habitando a região da Amazônia, menos até do que antes da chegada dos europeus há cinco séculos.

"Esta é uma nova fronteira para os exploradores e para a ciência", disse Juruá. "O desafio agora é fazer mais descobertas nas florestas que ainda estão de pé, com a esperança de que elas não irão em breve ser destruídas."
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Reserva de carbono

A Amazônia emite milhões de toneladas de CO2 por ano. Mas absorve boa parte disso. O problema é que esse ciclo pode chegar ao fim

São 7 da manhã no centro de Manaus, no coração da Floresta Amazônica, mas o cenário é típico de uma metrópole. Ruas e avenidas estão coalhadas de carros, ônibus e caminhões, a maioria queimando combustíveis fósseis, como gasolina e óleo diesel. E, com isso, liberando na atmosfera dióxido de carbono, o mais conhecido dos gases de efeito estufa. Estamos a caminho da Estação Experimental de Silvicultura Tropical, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), distante 90 quilômetros da capital do Amazonas. Reduzir as causas e os efeitos do aquecimento global tem sido um dos maiores desafios da comunidade científica internacional. Não é diferente na Floresta Amazônica, em que o desmatamento é o grande vilão no que diz respeito à emissão de gases nocivos - a fumaça proveniente das queimadas libera o carbono armazenado na madeira. No ciclo natural do planeta, metade do carbono enviado à atmosfera é absorvida pelos oceanos, pela vegetação e pelo solo. A outra parcela estaciona no ambiente. É aí que mora o perigo, pois a influência do homem tem feito a concentração de CO2 aumentar de forma alarmante.



O acúmulo de CO2 na atmosfera começou a intensificar-se a partir da Revolução Industrial, no fim do século 18, época em que o homem passou a utilizar combustíveis fósseis - carvão mineral, gás natural, petróleo - para movimentar as fábricas. Com o tempo, o uso desse tipo de energia massificou-se. Durante toda a história, até os anos que antecederam as mudanças tecnológicas advindas das transformações industriais, o ar nunca teve mais que 275 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono. Em setembro deste ano, a taxa já havia saltado para 390 ppm - acima de 350 ppm, que é um limite seguro defendido por boa parcela da comunidade científica. O problema é que, quanto mais CO2 na atmosfera, maior é a possibilidade de aumento na temperatura média do planeta nas próximas décadas.

Os dados do último inventário brasileiro, divulgado no fim de 2010, dão conta de que o país é responsável pela emissão de 1,6 bilhão de toneladas de CO2 ao ano, o que nos coloca entre os maiores emissores globais. Ao contrário do que acontece nos dois maiores emissores, China e Estados Unidos (em que a queima de combustíveis fósseis é o grande vilão), nossas pedras no sapato são o desmatamento e as queimadas, que dão origem a 75% das emissões de dióxido de carbono, que ocorrem sobretudo na Amazônia. Se o Brasil controlasse ou zerasse o desflorestamento, já estaria dando enorme contribuição no esforço para reduzir a concentração de CO2.

Por outro lado, o país também abriga um gigantesco sorvedouro de carbono: a própria Floresta Amazônica, pois a vegetação precisa de gás carbônico para se alimentar e crescer. Além disso, há muito carbono estocado no solo, nos rios e nos igarapés do norte do país. Mas quanto cada árvore acumula de carbono? Qual é de verdade o estoque total da floresta? Com a expansão da pecuária, o que aconteceu com o carbono que estava no solo quando bois tomam o lugar das árvores? Encontrar respostas a essas e outras perguntas é um dos desafios dos pesquisadores que trabalham na região.

Vencemos o trânsito cidade. Estamos agora na BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, a capital de Roraima.

A exuberância da floresta se impõe pela janela do carro. É fim de julho. O dia está claro e, como de costume, muito quente. A luminosidade me faz recordar da conversa que tive com o agrônomo Jean Ometto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ocorrida algumas semanas antes de meu desembarque no Amazonas. "A radiação solar é fundamental para que a vegetação realize a fotossíntese, um dos mecanismos mais maravilhosos da natureza. Por um processo bioquímico, cada folhinha, cada planta, cada árvore retira o carbono - um elemento essencial à vida - e transforma esse material inorgânico em orgânico. É assim que a planta produz glicose, seu alimento. É o primeiro passo de uma série de transformações metabólicas e produção de outros compostos. Assim a floresta cresce. Dessa forma ocorre a transferência do carbono da atmosfera para a biosfera." Esse mecanismo natural explica por que a Amazônia, cuja vegetação ocupa uma área de 6,2 milhões de quilômetros quadrados, é um grande sorvedouro de carbono.

Material vasto, portanto, para os pesquisadores da estação experimental do Inpa, entre eles Niro Higuchi, premiado engenheiro florestal que participou da elaboração do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Apesar de estar no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) desde 1980, Higuchi ainda carrega no sotaque de sua cidade natal, Chavantes, no interior de São Paulo. É um cientista apaixonado pela floresta, capaz de interromper uma explicação para demonstrar sua admiração por um frondoso angelim-pedra plantado na estação ou fechar os olhos na tentativa de identificar qual espécie de pássaro está cantando.

Para Higuchi, é preciso repassar essa mesma devoção para as novas gerações de pesquisadores. Por isso, há oito anos ele coordena um curso de manejo florestal, que leva estudantes de graduação para uma temporada na estação. "Neste ano, recebemos 36 alunos de engenharia florestal de 14 estados e 19 instituições de ensino superior."

No mato, os jovens aprendem a calcular a quantidade de carbono de uma árvore - 95% da madeira é composta de derivados de carbono, tais como lignina, celulose e hemicelulose. Para isso, é preciso derrubar uma árvore, serrar seu tronco em várias partes e cortar os galhos. Depois é necessário extrair toda a água desse material para, então, pesar a biomassa. "Esses estudos nos levaram a concluir que uma árvore acumula, em carbono, uma média de 48,5% de seu peso", explica Higuchi. Para atingir essa precisão, o pesquisador e sua equipe derrubaram nos últimos anos 1 728 árvores (a mais leve com 5 quilos e a mais pesada com 30 toneladas) na estação experimental de Manaus e em outras localidades, como São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e Tomé-Açu, no Pará.

Minucioso, Higuchi desenvolveu também uma equação matemática para descobrir - sem precisar cortar - quanto cada árvore tem de carbono. "Basta saber seu diâmetro na altura do peito de um homem adulto para se chegar ao resultado", diz. Simples assim. Esse parâmetro é essencial para estimar o total de carbono na floresta. Os estudos indicam que cada hectare amazônico contém cerca de 600 árvores com mais de 10 centímetros de diâmetro - apenas espécimes com essa espessura são contabilizados.

Diante disso, a Amazônia estoca hoje em torno de 50 bilhões de toneladas de carbono em sua vegetação. "Chegamos a esse valor ao extrapolar os dados coletados em 280 mil árvores do do Amazonas", conta. A reserva, porém, pode ser ainda maior. "Daqui a cinco anos, usaremos essa mesma metodologia em outras regiões. Aí sim teremos uma visão mais clara do que acontece".

A metodologia desenvolvida por Higuchi é valiosa. Se uma árvore de 100 quilos de carbono for queimada, ela acrescentará 367 quilos de CO2 na atmosfera. Baseado nos índices médios de desmatamento nos últimos 25 anos, o cientista acredita que a Amazônia emita por volta de 230 milhões de toneladas de gás carbônico ao ano. Mas quanto ela absorve? "Saber o número preciso é difícil. Acredito que aqui a vegetação fixe 1 tonelada de carbono por hectare ao ano. É uma média, claro. Como estimo haver cerca de 300 milhões de hectares de vegetação, creio que a Amazônia capte uma quantidade aproximada de 300 milhões de toneladas. Até que a floresta não é assim tão vilã nessa história, não é? O balanço é mais ou menos equilibrado. O que é emitido pelo desmatamento é neutralizado por meio do sequestro natural. Mas ninguém pode garantir que esse comportamento vai continuar nos próximos anos." Até porque, se o desmatamento prosseguir, a emissão aumentará, reduzindo, portanto, a absorção.

"É por isso", prossegue Higuchi, "que o Brasil comete um grave erro ao permitir que áreas de floresta sejam usadas pelo agronegócio." Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), cerca de 15% do verde da Amazônia Legal foi dizimado entre 1994 e 2009, principalmente pelas queimadas que abrem espaço para pastos. "A Amazônia Legal, que corresponde a quase 60% do território brasileiro, contribui com 8% do produto interno bruto nacional. Mas ela polui três vezes mais que o resto do país. É muita poluição para pouca contribuição econômica. Em primeiro lugar, deveríamos zerar o desmatamento e depois investir em tecnologia, ou seja, tratar e fertilizar o solo em áreas já devastadas. Mas, em geral, o agricultor derruba uma floresta primária porque é mais barato."

Higuchi acredita também ser preciso descobrir quanto a Amazônia troca de carbono com a atmosfera. Ou seja, quanto ela captura, armazena e expele. Para explicar isso, ele faz uma analogia: "Um ser humano adulto, com peso médio de 80 quilos, consome cerca de 3 quilos de alimentos sólidos e líquidos por dia. Mas não acumula tudo o que come. Parte do alimento vira energia e parte é eliminada. Com as árvores é a mesma coisa. Para fazer esse estudo, deveríamos isolar algumas e monitorar sua fotossíntese e sua respiração. Ainda não fazemos isso. Espero que algum dia um de meus alunos comece essa pesquisa".

Volto a Manaus ao cair da tarde. Ainda na estrada, vejo pela janela do carro um dossel florestal com 30 metros de altura e começo a imaginar quanto cada uma daquelas árvores absorveu de carbono naquele dia. E como será em um futuro próximo se não desistirmos de queimar mais e mais combustíveis fósseis para mover veículos de passeio, ônibus, caminhões e gerar energia?

Algumas respostas podem ser encontradas no Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), que conta com uma rede de 11 torres distribuídas por vários pontos da selva.

Elas têm 50 metros de altura e abrigam diversos instrumentos, localizados entre 20 e 30 metros acima da copa das árvores, que aferem os fluxos entre a superfície e a atmosfera. Para levantar os dados, a equipe de pesquisadores se vale de um método de nome complicado: covariância de vórtices turbulentos.

São instrumentos do tipo anemômetros ultrassônicos tridimensionais que analisam todas as informações contidas nesses vórtices (fluxos de ar). "Esses aparelhos fazem medidas em alta frequência, cerca de dez vezes por segundo. Com isso, consegue-se aferir os fluxos ascendentes e descendentes. E, ao mesmo tempo, quantificar quantas moléculas de CO2 passam pelos sensores", explica o físico Antonio Ocimar Manzi, coordenador do LBA. "Durante o dia, com a fotossíntese, a copa das árvores funciona como grande esponja de gás carbônico. Sabemos disso porque, conforme as folhas o absorvem, a concentração do gás se reduz."

Manzi explica que as medidas realizadas de dia são mais confiáveis do que as feitas à noite. Mesmo assim, é possível saber que as árvores amazônicas aceleram a produção de CO2 depois que o sol se põe, transportado para a superfície no dia seguinte. "Isso acontece porque só com a luz solar ocorre o aquecimento das massas de ar próximas à superfície terrestre."

E tem mais. Como os instrumentos funcionam de forma contínua - todos os dias do ano, o tempo todo -, a coleta de dados permite aos pesquisadores saber o que acontece a cada momento e como isso se altera segundo variações diárias, alternância das estações do ano, condições climáticas. "Em 2005, quando a Amazônia passou por uma grande seca, a concentração de CO2 na atmosfera elevou-se muito, com índices superiores aos que a floresta pode sequestrar", diz Manzi. Na ocasião, a floresta deixou de absorver carbono e passou a ser uma fonte emissora ainda maior. Alguns estudos apontam que, há seis anos, as emissões foram de 1,6 bilhão de toneladas. O mesmo aconteceu na seca de 2010, quando a biomassa morta chegou a 2,2 bilhões de toneladas.

Em poucos anos, outras respostas poderão ser encontradas em uma estrutura gigantesca a ser construída no coração da floresta, resultado de um projeto ambicioso de cooperação científica reunindo várias instituições de pesquisa do Brasil e da Alemanha. O projeto, batizado de Observatório Amazônico da Torre Alta, é uma parceria entre o Instituto Max Planck de Química, em Berlim, e o Inpa, em associação com a Universidade do Estado do Amazonas. A ideia é instalar uma torre de 320 metros de altura (semelhante à Eiffel, em Paris) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Atumã, 150 quilômetros a nordeste de Manaus e 50 quilômetros a sudeste da barragem de Balbina. "Ela deve ficar pronta no fim de 2012, e será um superlaboratório referência para as florestas úmidas. A torre terá instrumentos e sensores do solo até o alto, o que permitirá medidas de altíssima precisão em várias camadas da atmosfera", revela Manzi. A 100 metros de distância e ao redor desse cimo principal, haverá ainda outras quatro torres menores, com 80 metros de altura.

"Elas vão possibilitar a observação em tempo real. Iremos saber como as mudanças climáticas alteram os fluxos naturais e as interações entre a superfície e a atmosfera."

E ainda tem o solo. Pouca gente no mundo reflete sobre o carbono ali aprisionado. Não é o caso do engenheiro florestal Carlos Alberto Quesada, também do Inpa. Beto Quesada, como é mais conhecido, conta que "estudos indicam que o primeiro metro de solo da Amazônia inteira tem em volta de 67 bilhões de toneladas de carbono. Acho esse número é baixo. Nas minhas contas, deve chegar a 73 bilhões".

O solo amazônico é como esponja: absorve tudo o que cai nele. "Quando essa matéria orgânica morre, entra no solo, no qual sofre decomposição. Durante o processo, parte do carbono que havia é liberada como CO2, resultado da respiração dos micro-organismos. Mas o que sobrou penetra no solo e ali fica armazenado", explica Quesada. Ninguém ainda sabe quanto é liberado de carbono por ano e quanto o solo absorve. Monitorar essas mudanças é complicado e pouca gente investiu nisso. "Um de meus trabalhos consiste em desenvolver linhas de base em florestas nativas que servirão de parâmetro para comparações em 20 ou 30 anos."

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Quesada alerta que os solos amazônicos, embora não sejam homogêneos (no oeste são mais férteis que no leste), são frágeis. Uma vez que se retira a vegetação de cima, sua capacidade produtiva é mínima. "Os solos mais pobres dependem da reciclagem da matéria orgânica. Quando se remove a floresta, a fonte de nutrientes vai embora. As raízes desaparecem. A fauna e os micro-organismos também deixam de existir, e o estoque de carbono que havia sob e sobre o solo se reduz. É por isso que a mudança no uso da terra torna-se tão drástica para as reservas do elemento."

Um dos efeitos da crescente concentração de CO2 na atmosfera da Amazônia já foi captado pelos cientistas. Segundo dados do projeto Rainfor, que une vários pesquisadores do Brasil e de outros países, nos últimos 20 ou 30 anos a floresta ganhou biomassa. Ou seja, não apenas as árvores "engordaram" mais do que o previsto como também novos indivíduos apareceram. "Recruta" é o nome dado às árvores que, entre um censo e outro, atingiram 10 centímetros de diâmetro e, com isso, entraram na contagem. O fenômeno - chamado pelos pesquisadores de "efeito de fertilização atmosférica de CO2"- demonstra que a vegetação tem se beneficiado da fartura de carbono disponível, realizando fotossíntese mais eficiente. Por outro lado, a mortalidade nas mesmas áreas também cresceu.

Com o aumento da biomassa, cedo ou tarde esse material morrerá, irá se decompor, aumentando ainda mais os estoques de carbono. "Isso significa que nos próximos vinte ou trinta anos os solos receberão um gigantesco fluxo extra, o que não ocorreu nas décadas passadas", afirma Quesada. "Mas é preciso prestar muita atenção", completa o pesquisador. "Hoje, a floresta é um sistema que funciona como um dreno de carbono; porém, trata-se de um sistema delicado, complexo e não definitivo. Pode mudar a qualquer momento."
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Amazônia é a galinha dos ovos de ouro do agronegócio, diz biólogo



ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

O agronegócio sairia ganhando se visse a Amazônia como galinha dos ovos de ouro. Se a floresta morre, as chuvas na região secam, e o lucro evapora junto.

É o que pensa o biólogo americano Thomas Lovejoy, 69, pioneiro nas pesquisas sobre a região amazônica.

Quando visitou a floresta pela primeira vez, em 1965, ele era um jovem biólogo à procura da maior aventura possível. Pai de gêmeas cariocas, de férias no país, defendeu que o cuidado com a Amazônia seja parcelado entre várias nações.

*
Folha - O sr. afirma que a devastação na Amazônia pode chegar a um limite, a partir do qual o sumiço da floresta seria um caminho sem volta. Estamos perto?
Thomas Lovejoy - O Banco Mundial pôs US$ 1 milhão num estudo que projeta pela primeira vez os efeitos de mudança do clima, queimada e desmatamento juntos. Os resultados sugerem que poderia haver um ponto de inflexão em 20% de desmatamento [da floresta original]. Estamos bem perto, 18%.

Isso significa que áreas do sul e sudeste da mata vão começar a secar e se transformar em cerrado. É como jogar uma roleta de dieback [colapso] na Amazônia.

Com o desmatamento subindo de novo, qual é o prazo para esses 20%?

Não fiz cálculos, mas não tomaria muito tempo. Pode ser cinco anos, se continuar assim. Claro que [a devastação] traz implicações para os padrões de chuva, incluindo as áreas agroindustriais de Mato Grosso e mais ao sul, até o norte da Argentina.

O ex-governador [Eduardo] Braga [AM] costumava dizer ao ex-governador [Blairo] Maggi [MT]: Sua soja depende da chuva no meu Estado.

Quais as consequências para a agricultura?
Agricultura e economia teriam menos chuvas. E elas dependem da chuva. Talvez não em São Paulo, mas mais ao oeste, com a água passando pelas hidrelétricas, em projetos como Belo Monte.

O sr. estuda a Amazônia há mais de quatro décadas. Quais previsões deram certo e quais passaram longe?
Meu primeiro artigo sobre a Amazônia, escrito em 1972, chamava-se Transamazônica: estrada para a extinção?. Não acho que alguém tinha a capacidade de imaginar a soma de desmatamento que ocorreu. Lembro quando as primeiras imagens de satélite saíram, nos anos 1980. Todos ficaram surpresos.

Também houve boas surpresas. Uma é a força da ciência brasileira aplicada na Amazônia. A outra é a consciência pública, que em geral é bastante alta no Brasil. E também a extensão das áreas protegidas, incluindo as demarcações de fronteiras indígenas. Tudo isso junto protege 50% da Amazônia, o que é impressionante.

Do jeito que está, o novo Código Florestal pode impedir o crescimento na produção de alimentos?


Não acho que precisemos enfraquecer o [atual] Código Florestal para aumentar a produção agrícola no Brasil.

No caso do gado, o uso médio da terra na Amazônia é de uma cabeça por hectare. Essa é a média mais baixa em qualquer lugar do mundo. É uma questão de organizar a imensa capacidade da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], um dos centros líderes de agricultura no mundo.

Comparado com os EUA, o Brasil tem legislação ambiental rígida. Lá, sequer estão na mesa criar coisas como a reserva legal. Pode soar paternalista dizer o que deve ser feito por aqui?

Só estou tentando pensar no que faz sentido para o Brasil, não necessariamente no que faz sentido o Brasil fazer para o resto do mundo. O atual Código Florestal é um dos mais visionários do planeta.

Nos EUA, temos de pagar o preço de não ter tido essa visão há muito tempo. E também não temos florestas tropicais, mais sensíveis.
Economia e ecologia têm a mesma raiz grega: oikos, que remete a casa. Não existe ser no planeta que não afete seu ambiente sem consumo e produzir desperdício. A questão da sustentabilidade está nos detalhes de quanto e como se faz isso.

Qual a sua avaliação do governo Dilma no debate?


Até agora, parece muito prático, sério. Como ela vai responder a qualquer que seja o Código Florestal será, claro, um grande teste.

Mas ter deixado claro que o governo Dilma não aprovaria a anistia [aos desmatadores] é um sinal bem positivo.
O que é perigoso, na lei, é a ideia de dar o poder de demarcar as reservas legais aos Estados. Se você vai administrar a Amazônia como sistema, precisa ser consistente.

O sr. conhece a senadora Kátia Abreu, uma das vozes da bancada ruralista?
Não conheço, mas diria a ela: Você precisa tomar cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro. E o ovo de ouro é a chuva.

O caos nas finanças globais tira os holofotes da questão ambiental?
Geralmente, quando há forte recessão econômica, muitas das coisas que causam problemas ambientais se enfraquecem. Alguns dos motores do desmatamento, como os preços da soja e da carne, enfraquecem quando a demanda é menor.

O Brasil é capaz de cuidar sozinho da Amazônia?

O BNDES tem de ser cuidadoso com os projetos de infraestrutura, pois há todos os outros países [amazônicos]. O Brasil não deveria segurar a responsabilidade sozinho. A Amazônia é um elemento-chave no funcionamento do mundo. É do interesse de outros países ajudar o Brasil.

Já chamaram o sr. até de espião da CIA. Há paranoia sobre um complô internacional para roubar a Amazônia?

Isso não tem fundamento. A pior forma de biopirataria é destruir a floresta.

Parte da comunidade científica minimiza o papel do homem no aquecimento global. O que o sr. acha?

Não há quase nenhum cientista com credibilidade que acredite nisso. Nos últimos 10 mil anos, a história climática do planeta foi bem estável. Agora, nós o estamos mudando. Está claro que 2 ºC a mais é muito para a Terra.

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