Bacias Hidrográficas do BrasilO que são, principais bacias, localização, mapa, extensão, atividades praticadas, importância
Legenda Bacia Amazônica
Bacia do Araguaia-Tocantins
Bacia do rio Paraíba
Bacia do rio São Francisco
Bacia do Paraná
Bacia do rio Paraguai
Bacia do rio Paraíba do Sul
Bacia do rio Uruguai
Mapa das Bacias Hidrográficas do Brasil (fonte: Ministério dos Transportes - Governo Federal)
Introdução
Bacia hidrográfica é uma área onde ocorre a drenagem da água das chuvas para um determinado curso de água (geralmente um rio). Com o terreno em declive, a água de diversas fontes (rios, ribeirões, córregos, etc) deságuam num determinado rio, formando assim uma bacia hidrográfica. Logo, uma bacia hidrográfica é formada por um rio principal (as vezes dois ou três) e um conjunto de afluentes que deságuam neste rio principal.
Principais Bacias Hidrográficas do Brasil
Bacia Amazônica
- Localizada na região norte do Brasil, é a maior bacia hidrográfica do mundo, possuindo 7 milhões de quilômetros quadrados de extensão (4 milhões em território brasileiro).
- O rio principal desta bacia é o Amazonas que nasce no Peru e depois percorre o território brasileiro.
- Possuí cerca de 23 mil quilômetros de rios navegáveis.
- Fazem parte desta bacia diversos afluentes do rio Amazonas como, por exemplo, rio Negro, Solimões, Branco, Juruá, Xingu, Japurá, entre outros.
Bacia do rio Paraná
- Possui uma extensão de, aproximadamente, 800 mil quilômetros quadrados;
- Localiza-se em grande parte na região sudeste e sul do Brasil (região de maior desenvolvimento econômico do país).
- Seu principal rio é o Paraná que recebe as águas de diversos afluentes como, por exemplo, rio Tietê, Paranapanema e Grande.
- Possui grande potencial gerador de energia elétrica. Nesta bacia encontram-se as usinas hidrelétricas de Itaipu (maior do Brasil) e Porto Primavera.
- A hidrovia Tietê-Paraná é uma importante rota de navegação nesta bacia.
Bacia do rio Paraguai
- O principal rio desta Bacia é o Paraguai.
- Grande parte desta bacia estende-se pela planície do Pantanal Mato-Grossense.
- Os rios desta bacia são muito usados para a navegação.
- O rio Paraguai drena a água de uma região de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados.
Bacia do rio Parnaíba
- Localiza-se na região nordeste, entre os estados do Ceará, Maranhão e Piauí.
- Possui, aproximadamente, 340 mil quilômetros quadrados de extensão.
- O principal rio é o Parnaíba que recebe as águas de diversos afluentes, sendo que os principais são: rios Gurguéia, Balsas, Uruçuí-Preto, Poti, Canindé e Longa.
- A principal atividade econômica desenvolvida no rio Parnaíba é a piscicultura (criação de peixes).
Bacia do Araguaia-Tocantins
- Localiza-se nas regiões central e norte do Brasil, entre os estados de Tocantins, Goiás, Pará e Mato Grosso do Sul.
- Os dois rios principais que fazem parte desta bacia são o Araguaia e o Tocantins.
- O rio Tocantins possui bom potencial hidrelétrico, sendo que nele está instalada a usina de Tucuruí.
Bacia do rio São Francisco
- Localiza-se em grande parte em território do Nordeste, entre os estados da Bahia, Sergipe e Alagoas. Porém, o trecho inicial da bacia está localizado no norte de Minas Gerais.
- Possui uma área de, aproximadamente, 650 mil quilômetros quadrados de extensão.
- O rio São Francisco é muito importante para a irrigação de terras em seu percurso e também para a navegação.
- Os principais afluentes do São Francisco são: rios Pardo, Ariranha, Grande e das Velhas.
Bacia do rio Uruguai
- Situada na região sul do Brasil, esta bacia estende-se também pelo território do Uruguai.
- Possui cerca de 180 mil quilômetros quadrados de extensão.
- Esta bacia apresenta importante potencial hidrelétrico, além de ser usado para a irrigação nas atividades agrícolas.
Bacia do rio Paraíba do Sul
- Localiza-se na região sudeste, entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro (maior parte).
- Sua extensão é de, aproximadamente, 300 mil quilômetros quadrados.
- O principal rio desta bacia é o Paraíba do Sul.
Legenda Bacia Amazônica Bacia do Araguaia-Tocantins Bacia do rio Paraíba Bacia do rio São Francisco Bacia do Paraná Bacia do rio Paraguai Bacia do rio Paraíba do Sul Bacia do rio Uruguai |
Bacia Amazônica
- Localizada na região norte do Brasil, é a maior bacia hidrográfica do mundo, possuindo 7 milhões de quilômetros quadrados de extensão (4 milhões em território brasileiro).
- O rio principal desta bacia é o Amazonas que nasce no Peru e depois percorre o território brasileiro.
- Possuí cerca de 23 mil quilômetros de rios navegáveis.
- Fazem parte desta bacia diversos afluentes do rio Amazonas como, por exemplo, rio Negro, Solimões, Branco, Juruá, Xingu, Japurá, entre outros.
Bacia do rio Paraná
- Possui uma extensão de, aproximadamente, 800 mil quilômetros quadrados;
- Localiza-se em grande parte na região sudeste e sul do Brasil (região de maior desenvolvimento econômico do país).
- Seu principal rio é o Paraná que recebe as águas de diversos afluentes como, por exemplo, rio Tietê, Paranapanema e Grande.
- Possui grande potencial gerador de energia elétrica. Nesta bacia encontram-se as usinas hidrelétricas de Itaipu (maior do Brasil) e Porto Primavera.
- A hidrovia Tietê-Paraná é uma importante rota de navegação nesta bacia.
Bacia do rio Paraguai
- O principal rio desta Bacia é o Paraguai.
- Grande parte desta bacia estende-se pela planície do Pantanal Mato-Grossense.
- Os rios desta bacia são muito usados para a navegação.
- O rio Paraguai drena a água de uma região de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados.
Bacia do rio Parnaíba
- Localiza-se na região nordeste, entre os estados do Ceará, Maranhão e Piauí.
- Possui, aproximadamente, 340 mil quilômetros quadrados de extensão.
- O principal rio é o Parnaíba que recebe as águas de diversos afluentes, sendo que os principais são: rios Gurguéia, Balsas, Uruçuí-Preto, Poti, Canindé e Longa.
- A principal atividade econômica desenvolvida no rio Parnaíba é a piscicultura (criação de peixes).
Bacia do Araguaia-Tocantins
- Localiza-se nas regiões central e norte do Brasil, entre os estados de Tocantins, Goiás, Pará e Mato Grosso do Sul.
- Os dois rios principais que fazem parte desta bacia são o Araguaia e o Tocantins.
- O rio Tocantins possui bom potencial hidrelétrico, sendo que nele está instalada a usina de Tucuruí.
Bacia do rio São Francisco
- Localiza-se em grande parte em território do Nordeste, entre os estados da Bahia, Sergipe e Alagoas. Porém, o trecho inicial da bacia está localizado no norte de Minas Gerais.
- Possui uma área de, aproximadamente, 650 mil quilômetros quadrados de extensão.
- O rio São Francisco é muito importante para a irrigação de terras em seu percurso e também para a navegação.
- Os principais afluentes do São Francisco são: rios Pardo, Ariranha, Grande e das Velhas.
Bacia do rio Uruguai
- Situada na região sul do Brasil, esta bacia estende-se também pelo território do Uruguai.
- Possui cerca de 180 mil quilômetros quadrados de extensão.
- Esta bacia apresenta importante potencial hidrelétrico, além de ser usado para a irrigação nas atividades agrícolas.
Bacia do rio Paraíba do Sul
- Localiza-se na região sudeste, entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro (maior parte).
- Sua extensão é de, aproximadamente, 300 mil quilômetros quadrados.
- O principal rio desta bacia é o Paraíba do Sul.
http://www.suapesquisa.com/geografia/bacias_hidrograficas.htm
Rio Amazonas - Certidão de nascimento
Vista aérea do Amazonas. Nanofósseis coletados em poços de petróleo em sua foz indicam que o rio se formou há cerca de 11,8 milhões de anos (foto: Nasa).
Na busca por petróleo, cientistas descobrem um dado geológico inédito: a idade do rio Amazonas. A informação é importante para conhecer detalhes da evolução da fauna e da flora da região.
Júlia Faria
Um senhor de aproximadamente 11 milhões de anos: assim é o rio Amazonas, segundo revelam cientistas. A descoberta foi feita por um grupo de geólogos da Petrobras liderados por Jorge Picanço de Figueiredo, com a colaboração da geóloga holandesa Carina Hoorn, da Universidade de Amsterdã.
A pesquisa foi feita com dados colhidos em dois poços perfurados pela Petrobras para a exploração de petróleo no oceano Atlântico próximo à foz do rio Amazonas. Os resultados foram publicados na revista Geology.
A análise de nanofósseis coletados nesses poços permitiu datar a pilha de sedimentos formada no oceano Atlântico pela descarga do rio Amazonas. Como os sedimentos mais antigos dessa pilha foram datados em aproximadamente 11 milhões de anos (durante o período geológico conhecido como Mioceno superior), concluiu-se que esta é também a idade de origem do rio Amazonas.
Antes da formação do Amazonas, a geografia da região era caracterizada por dois ambientes bem distintosAntes da formação do rio Amazonas — no Mioceno médio e inferior, período compreendido entre 11,6 e 23 milhões de anos atrás —, a geografia da região amazônica era caracterizada por dois ambientes bem distintos.
Na porção ocidental da Amazônia (abrangendo a maior parte do estado do Amazonas e áreas do Peru e da Colômbia), existia uma grande área alagada com lagos rasos, rios e pântanos, que eventualmente era conectada com o mar por uma passagem situada no território onde hoje se encontra a Venezuela.
Já na porção oriental (estado do Pará e a parte este do estado do Amazonas), existia uma rede de drenagem que alimentava um rio que corria de oeste para leste e desaguava no Atlântico na mesma posição onde hoje está a foz do Amazonas. Esse rio foi chamado pelos autores do trabalho de protorrio Amazonas.
Conexão dos dois sistemasO rio Amazonas se formou a partir da conexão desses dois sistemas, acontecida por volta de 11 milhões de anos atrás. Essa conexão foi feita em decorrência de dois fenômenos geológicos ocorridos nesta época.
Por um lado, existiu um intenso soerguimento do setor norte da cordilheira dos Andes, que acabou por erguer levemente toda a porção ocidental da Amazônia. Com isso, a vasta área alagada que existiu nessa região durante o Mioceno médio e inferior foi parcialmente assoreada e deslocada para o leste, em direção ao protorrio Amazonas.
O surgimento do rio resultou no desenvolvimento de um ambiente completamente novoNa mesma época, a massa de gelo na calota polar da Antártica aumentou drasticamente e provocou uma queda global no nível dos mares. Esse rebaixamento marinho global fez com que o protorrio Amazonas escavasse mais profundamente o seu leito. Com isso, sua cabeceira migrou para o oeste em direção à vasta área alagada da Amazônia ocidental. Em um determinado ponto, por volta de 11 milhões de anos atrás, houve a conexão dos dois sistemas e a origem do rio Amazonas como um rio transcontinental.
O surgimento do rio resultou no desenvolvimento de um ambiente completamente novo. Como consequência, houve uma alteração no hábitat das plantas e animais nativos.
Uma nova faunaEmbora adequada para algumas espécies, a mudança foi inapropriada para outras. A fauna aquática — rica em moluscos e pequenos crustáceos, característica da Amazônia enquanto foi um grande pantanal — desapareceu à medida que a região ganhava novas configurações.
“Apenas um pequeno grupo de espécies, que estava apto a viver no ambiente mais dinâmico formado com o rio, conseguiu sobreviver”, explicou à CH On-line Carina Hoorn durante sua passagem pelo Brasil no início deste ano. Botos, arraias e outros animais tipicamente marinhos que vivem hoje na Amazônia descendem de criaturas que tiveram de evoluir para sobreviver em um ambiente de água doce, após a conexão com o mar desaparecer.
O rio Amazonas só ganhou sua forma atual há cerca de 2,4 milhões de anosPorém, só mais recentemente, há cerca de 2,4 milhões de anos, o rio Amazonas ganhou sua forma atual. De acordo com Hoorn, os movimentos adicionais nas placas tectônicas na região dos Andes foram, provavelmente, responsáveis pela formação de uma conexão direta com o Atlântico.
“O canal amplo e raso do período Mioceno inferior deu lugar a outro, mais conciso”, afirma a pesquisadora. Conforme o rio direcionava-se ao oceano, muitos dos lagos que predominavam na região amazônica foram drenados e o depósito de sedimentos oriundos dos Andes na costa brasileira aumentou.
Júlia Faria
Revista Ciência Hoje
Júlia Faria
Um senhor de aproximadamente 11 milhões de anos: assim é o rio Amazonas, segundo revelam cientistas. A descoberta foi feita por um grupo de geólogos da Petrobras liderados por Jorge Picanço de Figueiredo, com a colaboração da geóloga holandesa Carina Hoorn, da Universidade de Amsterdã.
A pesquisa foi feita com dados colhidos em dois poços perfurados pela Petrobras para a exploração de petróleo no oceano Atlântico próximo à foz do rio Amazonas. Os resultados foram publicados na revista Geology.
A análise de nanofósseis coletados nesses poços permitiu datar a pilha de sedimentos formada no oceano Atlântico pela descarga do rio Amazonas. Como os sedimentos mais antigos dessa pilha foram datados em aproximadamente 11 milhões de anos (durante o período geológico conhecido como Mioceno superior), concluiu-se que esta é também a idade de origem do rio Amazonas.
Antes da formação do Amazonas, a geografia da região era caracterizada por dois ambientes bem distintosAntes da formação do rio Amazonas — no Mioceno médio e inferior, período compreendido entre 11,6 e 23 milhões de anos atrás —, a geografia da região amazônica era caracterizada por dois ambientes bem distintos.
Na porção ocidental da Amazônia (abrangendo a maior parte do estado do Amazonas e áreas do Peru e da Colômbia), existia uma grande área alagada com lagos rasos, rios e pântanos, que eventualmente era conectada com o mar por uma passagem situada no território onde hoje se encontra a Venezuela.
Já na porção oriental (estado do Pará e a parte este do estado do Amazonas), existia uma rede de drenagem que alimentava um rio que corria de oeste para leste e desaguava no Atlântico na mesma posição onde hoje está a foz do Amazonas. Esse rio foi chamado pelos autores do trabalho de protorrio Amazonas.
Conexão dos dois sistemasO rio Amazonas se formou a partir da conexão desses dois sistemas, acontecida por volta de 11 milhões de anos atrás. Essa conexão foi feita em decorrência de dois fenômenos geológicos ocorridos nesta época.
Por um lado, existiu um intenso soerguimento do setor norte da cordilheira dos Andes, que acabou por erguer levemente toda a porção ocidental da Amazônia. Com isso, a vasta área alagada que existiu nessa região durante o Mioceno médio e inferior foi parcialmente assoreada e deslocada para o leste, em direção ao protorrio Amazonas.
O surgimento do rio resultou no desenvolvimento de um ambiente completamente novoNa mesma época, a massa de gelo na calota polar da Antártica aumentou drasticamente e provocou uma queda global no nível dos mares. Esse rebaixamento marinho global fez com que o protorrio Amazonas escavasse mais profundamente o seu leito. Com isso, sua cabeceira migrou para o oeste em direção à vasta área alagada da Amazônia ocidental. Em um determinado ponto, por volta de 11 milhões de anos atrás, houve a conexão dos dois sistemas e a origem do rio Amazonas como um rio transcontinental.
O surgimento do rio resultou no desenvolvimento de um ambiente completamente novo. Como consequência, houve uma alteração no hábitat das plantas e animais nativos.
Uma nova faunaEmbora adequada para algumas espécies, a mudança foi inapropriada para outras. A fauna aquática — rica em moluscos e pequenos crustáceos, característica da Amazônia enquanto foi um grande pantanal — desapareceu à medida que a região ganhava novas configurações.
“Apenas um pequeno grupo de espécies, que estava apto a viver no ambiente mais dinâmico formado com o rio, conseguiu sobreviver”, explicou à CH On-line Carina Hoorn durante sua passagem pelo Brasil no início deste ano. Botos, arraias e outros animais tipicamente marinhos que vivem hoje na Amazônia descendem de criaturas que tiveram de evoluir para sobreviver em um ambiente de água doce, após a conexão com o mar desaparecer.
O rio Amazonas só ganhou sua forma atual há cerca de 2,4 milhões de anosPorém, só mais recentemente, há cerca de 2,4 milhões de anos, o rio Amazonas ganhou sua forma atual. De acordo com Hoorn, os movimentos adicionais nas placas tectônicas na região dos Andes foram, provavelmente, responsáveis pela formação de uma conexão direta com o Atlântico.
“O canal amplo e raso do período Mioceno inferior deu lugar a outro, mais conciso”, afirma a pesquisadora. Conforme o rio direcionava-se ao oceano, muitos dos lagos que predominavam na região amazônica foram drenados e o depósito de sedimentos oriundos dos Andes na costa brasileira aumentou.
Júlia Faria
Revista Ciência Hoje
paulo afonso da mata machado
O projeto da Usina de Belo Monte prevê uma potência instalada de 11.233 MW, mas sua potência média de geração de energia (potência firme) será de apenas 4.418 MW, uma diferença de mais de 6.600 MW (60% da potência de geração máxima prevista). A título de comparação, a Itaipu Binacional tem 69% de eficiência. As seis maiores usinas já instaladas no Brasil têm percentual médio de geração de energia de 70%, sendo a média nacional de 55%. Por outro lado, a área a ser desmatada será de 516 km² (0,046 km2/MW, bem menor que a média nacional por potência instalada, que é de 0,49 km2/MW).
Originalmente, a diferença entre a potência instalada e a potência firme era muito menor, mas previa-se o alagamento de uma área muito maior – 1.225 km², incluindo reservas indígenas –, além de redução significativa da vazão na Volta Grande do Xingu. Com a modificação no projeto, não mais serão alagadas áreas indígenas e foi garantida a vazão mínima de 700 m3/s na Volta Grande do Xingu, o suficiente para manter as atividades de pesca e de navegação nesse trecho do rio.
Um aumento de alguns pontos percentuais na eficiência de Belo Monte poderá aumentar muito a média de geração de energia no país e, evitando o alagamento de novas áreas de floresta, poderá dispensar a construção de outras hidrelétricas na Região Norte, particularmente na bacia do Rio Tapajós, considerada a região atual de maior potencial aurífero do mundoi. Esse aumento poderá ser feito apenas aproveitando o enorme potencial hídrico da região, que detém 70% de toda a água doce do país, incluindo o maior aquífero do mundo – o Alter do Chão.
Existe mais de uma solução para o aumento na eficiência de produção de energia em Belo Monte. Focaremos apenas uma delas: a transformação de um trecho da Transamazônica em hidrovia.
A Transamazônica
A BR-230, conhecida vulgarmente como Transamazônica (ver Fig. 1), jamais foi concluída. Por ter o lençol freático muito próximo à superfície, a estrada permanece alagada no período de chuvas. É por isso que há tantos buracos que tornam o trânsito impraticável durante os meses de chuva mais intensa. Cogita-se de asfaltá-la, sabendo-se de antemão que haverá necessidade de recuperação anual após o período chuvoso, recuperação essa que poderá ser dificultada devido à grande distância da maior parte da estrada em relação aos centros urbanos.
Fig. 1 – Traçado da Transamazônica
Melhor que asfaltar o trecho de 557 km entre Altamira (próximo de onde se localizará o reservatório da Usina Belo Monte) e Jacareacanga, todo ele em planície, será transformá-lo numa hidrovia. Estima-se que o custo total de uma rodovia chega a ser cinquenta vezes o custo de uma hidrovia. Além disso, comparativamente à rodovia, a hidrovia é um modelo menos poluente, além de assegurar o transporte de produtos com mais baixo custo. Em Jacareacanga, a nova hidrovia estará ligada à hidrovia Tapajós-Teles Pires (ver Fig. 2), permitindo o transporte de embarcações entre Santarém e Altamira.
Fig. 2 – Hidrovia Tapajós-Teles Pires e BR-230 (Transamazônica)
Para isso, a Transamazônica deverá ter seu leito escavado a uma profundidade mínima de 1,8 m. Muito antes de se completar a escavação do leito da hidrovia, será atingido o lençol freático, que se encarregará de fornecer parte da água à hidrovia. O restante será fornecido de forma controlada pelo Rio Tapajós, de modo que o nível de água da hidrovia seja mantido constante.
Além de propiciar transporte mais barato e mais ágil, essa hidrovia fornecerá a água que Belo Monte vai necessitar para aumentar sua potência firme. A adução de água da hidrovia para o reservatório de Belo Monte será feita sempre que este estiver com volume abaixo de sua capacidade plena.
Quando as chuvas inundarem a hidrovia, o volume excedente será descartado no Rio Xingu, a jusante de sua confluência com o Rio Iriri e a montante do reservatório da usina, aumentando a garantia de funcionamento do reservatório com capacidade plena.
A transformação de um trecho de 557 km de estrada em hidrovia permitirá um tráfico ágil e mais barato durante todo o ano em uma área muito desenvolvida no Estado do Pará, além de aumentar substancialmente a eficiência da Usina Belo Monte, sem novos desmatamentos, tornando desnecessária a construção de hidrelétricas previstas para a região, cujos impactos sociais e ambientais são inevitáveis.
Como se trata de uma proposta nova, alguns questionamentos devem ser considerados.
1) Quem se responsabilizará pela dragagem da hidrovia?
Tal como acontece nas rodovias, o transporte na hidrovia deverá pagar pedágio. A empresa que vencer a concorrência e vier a arrecadar os valores do pedágio ficará responsável pela dragagem da hidrovia, que será feita pelo menos uma vez a cada ano, após o fim das chuvas.
2) Como será feito o cruzamento com os rios da região?
Se o nível de água do rio estiver abaixo do fundo da hidrovia, esta passará sobre o rio por meio de uma ponte como ocorre no Rio Elba, na Alemanha. Na outra hipótese, as águas do rio e da hidrovia se misturarão e continuarão seus trajetos, devendo o projetista ter em mente que a vazão da hidrovia a jusante da confluência não deve ficar diminuída por transferência de vazão para o rio, nem aumentada excessivamente devido à água proveniente do rio.
3) Como será feito o bota-fora para escavação do leito da Transamazônica?
Deverão ser priorizadas as áreas desmatadas às margens da BR-230, com ênfase naquelas que estejam em processo de erosão mais acentuado.
4) Será possível transformar toda a rodovia em hidrovia?
Toda a rodovia, não, visto que parte dela está integrada à rede viária dos estados do Nordeste. No entanto, deve-se ter em mente que a vocação de transporte na Região Norte é, principalmente, por via hídrica e não por rodovia.
* Paulo Afonso da Mata Machado – Analista do Banco Central do Brasil – Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG – Mestre em Engenharia do Meio Ambiente pela Rice University
Revista EcoDebate
Complexo Hidrelétrico do Tapajós estaria no maior distrito aurífero do mundo, artigo de Telma Monteiro
No território da bacia hidrográfica do Tapajós está inserida a chamada Província Mineral do Tapajós (PMT), com 100 mil quilômetros quadrados, considerada uma das maiores áreas de mineração e o maior distrito aurífero do mundo. Empresas nacionais e internacionais estão articuladas para explorar e expropriar, com o aval e financiamento do Estado, o potencial de riqueza no interior das terras indígenas. O ouro na região foi descoberto no início de 1950 e a sua exploração por garimpeiros tem sindo constante ao longo dos últimos 50 anos.
“A Brazilian Gold pretende usar os recursos da venda para avançar no desenvolvimento de seus projetos na região Norte, onde detém oito áreas na província mineral do Tapajós e duas na província aurífera de Alta Floresta, nas imediações de Tapajós.” Fonte: AGECO 15/04/2011
Estima-se que tenham saído da PMT – oficial e ilegalmente – até hoje, cerca de 800 t de ouro, equivalente a 16 vezes a produção total de Serra Pelada. Isso significaria perto de US$ 2 bilhões, mas nos números oficiais só constam que foram produzidos, até 2006, aproximadamente 194 t[1].
Há presença maciça de garimpos na região, confirmados pela quantidade de pistas de pouso – 300 no Tapajós, 170 em Parima e 185 em Alta Floresta. O Projeto Província Mineral do Tapajós – Projeto PROMIN-TAPAJÓS foi criado em 1995 para buscar um nível confiável de conhecimento geológico e incentivar a pesquisa de depósitos de ouro e novos empreedimentos.
O ouro, aliado aos projetos hidrelétricos no Tapajós e Jamanxim que, coincidentemente, estão sobre a província mineral, vai pavimentar definitivamente a ocupação predatória da região.
Só a simples perspectiva de implantação de projetos hidrelétricos nas bacias do rio Tapajós e Teles Pires já é suficiente para induzir a ocupação de áreas protegidas da Amazônia. A extração de minério, garimpo do ouro e as novas concessões de direitos minerários trarão consigo outro ciclo de exploração madeireira. Novos impactos atingirão os territórios indígenas.
Na outra ponta, a extração vegetal do açaí e da castanha-do-pará que ocorre em todos os municípios da bacia do Tapajós, com destaque para Santarém e Jacareacanga estará ameaçada. Há ainda grandes desafios a serem superados: baixo retorno financeiro, desequilíbrio entre oferta e demanda, falta de políticas públicas e limitada capacidade de suporte da natureza. A construção de hidrelétricas não corrigirá essas deficiências e não conduzirá ao desenvolvimento sustentável da região.
O extrativismo mineral clandestino continua num rítmo acelerado. Também não há fiscalização da garimpagem livre do ouro nos rios dentro ou fora das terras indígenas. Mineração ilegal é caminho certo na direção da degradação ambiental e da contaminação dos recursos hídricos. No Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM) tramitam 17.408 processos minerários em análise, a caminho da exploração.
Os municípios da região da bacia do rio Tapajós foram recompensados com a riqueza natural das reservas florestais e minerais, recursos hídricos, estoque pesqueiro, exuberância cênica e vocação turística. O governo federal entende erroneamente que para agregar valor aos produtos primários da região e fortalecer a economia local e regional deve estimular um desenvolvimento artificial. Encabeçando a lista de prioridades para atingir seu objetivo está o incentivo à exploração do potencial hidrelétrico com um conjunto de usinas nos rios Tapajós e Teles Pires e Juruena.
Grandes grupos mineradores, incentivados pelas facilidades concedidas pelo governo federal aos projetos hidrelétricos na Amazônia – usinas do Madeira e Belo Monte, já disputam espaço na exploração das reservas minerais. De olho nessa riqueza, se prepara a abertura das terras indígenas à mineração com um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados[2].
Empresas nacionais e internacionais pretendem aumentar sua capacidade de produção explorando as terras indígenas. Aumenta a demanda global por recursos minerais.
O Complexo do Tapajós vai catalisar a ocupação da região e dar força, também, ao avanço da fronteira agrícola sobre os ecossistemas. Infelizmente, a escolha do governo ao favorecer a construção de grandes e pequenas hidrelétricas visa favorecer o agronegócio, o comércio exterior de soja e a industrialização na região, a qualquer custo.
O projeto da hidrovia Tapajós – Teles Pires, na esteira das hidrelétricas, é predatório e vai servir só para facilitar o escoamento da produção agropecuária e minerária da região. O projeto excluiu qualquer possibilidade de consulta aos povos indígenas. As hidrelétricas em sequência nos rios Tapajós e Teles Pires e a construção de eclusas vai permitir a navegação de grandes comboios. Os reservatórios e os derrocamentos do leito do rio (retirada das pedras) visam superar as barreiras naturais dos trechos encachoeirados desses rios.
A transposição de desnível será possível para as embarcações. Espécies de peixes, no entanto, como a “matrinxã” e várias outras não adaptadas para viverem em lagos, serão extintas em toda a extensão do rio Teles Pires. Na hidrelétrica Sinop, no rio Teles Pires, está prevista a construção de uma grande eclusa com largura superior à de Tucurui, recém-inaugurada.
Outro setor que pressiona a construção de complexos hidrelétricos na região da bacia do Tapajós é o das indústrias eletrointensivas. Em Juruti, extremo oeste do Pará, a Alcoa teve aprovada a licença de instalação de mineração de bauxita para construir uma planta de beneficiamento, um porto fluvial e uma ferrovia.
Grandes indústrias cujo principal insumo é a energia buscam locais em que há planos de construção de usinas hidrelétricas. A implantação dessas indústrias traz impactos significativos às regiões onde se instalam. Com os projetos vem o aumento das receitas dos municípios, mas traz consigo a migração, a pressão sobre a infra-estrutura, serviços públicos, recursos naturais e o recrudescimento dos conflitos fundiários.
[1] Disponível em http://www.valedoxingu.com.br/?pg=noticia&id=1274 acessado em 22 de dezembro de 2010
[2] PL 5.265/2009 Dispõe sobre a exploração de recursos minerais em terras indígenas e dá outras providências
Revista EcoDebate
Apesar das críticas e dos atrasos, obras de transposição do Velho Chico avançam
ALBERTO MAWAKDIYE
Operários em Cabrobó (PE) Foto: Delfim Martins/Pulsar Imagens |
Iniciadas por destacamentos de engenharia do exército em 2007, as obras de transposição das águas do rio São Francisco para o chamado nordeste setentrional avançam devagar, mas vão inegavelmente se encaminhando para a conclusão. Com a perspectiva de construir mais de 700 quilômetros de canais, além de túneis, aquedutos, barragens e estações de bombeamento, os oito consórcios de empreiteiras contratados pelo governo já abriram frentes de obras em praticamente todos os trechos dos dois trajetos, os eixos leste e norte.
Esses trabalhos se encontram em diferentes estágios de execução e alguns até concluídos. As águas do eixo leste percorrerão uma distância de 287 quilômetros, a partir da barragem de Itaparica, no município de Floresta, no extremo sul de Pernambuco, e serão despejadas em rios, açudes e reservatórios desse estado e da Paraíba.
O outro canal – o chamado eixo norte, com 426 quilômetros – está com cerca de metade das obras executadas. Ele deverá levar a água desde a altura da cidade de Cabrobó, também no sul de Pernambuco, para o sistema hídrico do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Com um custo estimado em R$ 4,5 bilhões, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, como foi batizado oficialmente o plano de transposição, prevê o abastecimento de cerca de 400 cidades do semiárido nordestino, além do uso da água em áreas de agricultura irrigada nos quatro estados alcançados pela obra.
Segundo cálculos do governo, a transposição poderá atender a 12 milhões de pessoas, um número equivalente a 30% da população da área mais atingida pelas secas no nordeste. O índice médio de disponibilidade de água naquela região é um dos mais baixos do planeta – 500 metros cúbicos por habitante/ano –, metade do mínimo estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a vida sustentável.
O projeto prevê a captação, pelos dois canais de transposição, de 26 metros cúbicos por segundo da vazão média de 2.850 do rio São Francisco – menos de 1%, portanto. Segundo o Ministério da Integração Nacional, é um volume incapaz de prejudicar o ecossistema natural do grande rio, que nasce em Minas Gerais, no sudeste, e cruza a Bahia, antes de demarcar a divisa desse estado com Pernambuco e a de Sergipe e Alagoas, no chamado nordeste meridional, e desaguar no oceano Atlântico.
Isso não isenta o projeto de críticas. Os adversários da transposição – e eles são muitos, reunindo desde políticos e ambientalistas até membros da igreja católica e acadêmicos (ver entrevista de Melquíades Pinto Paiva, nesta edição) – reconhecem que o volume hídrico a ser transferido pelos canais de transposição não é, em si, muito grande, mas advertem que o São Francisco está tão enfraquecido pela excessiva utilização humana que qualquer nova interferência no regime das águas poderá pôr o rio a perder.
De fato, com 2,8 mil quilômetros de extensão, o São Francisco sofre com intervenções devidas a várias atividades econômicas, que incluem a extração de carvão, programas de irrigação e de pecuária, pesca, turismo e usos industriais. Além disso, recebe toneladas de esgotos que vêm da terra firme.
De qualquer forma, o governo está desenvolvendo uma série de programas de recuperação e preservação ambiental na área do São Francisco localizada no nordeste meridional, de modo a compensar as perdas e garantir a perenidade do rio. É uma medida sensata. O Velho Chico responde sozinho por 70% da oferta de água da região e também é responsável por quase toda a energia elétrica consumida no nordeste e em áreas adjacentes do sudeste e centro-oeste, gerada por cinco grandes usinas hidrelétricas implantadas em sua calha.
As obras da transposição modificaram a paisagem do semiárido. Elas lembram duas grandes valas a céu aberto cercadas de trabalhadores e implementos – 3,2 mil máquinas e equipamentos estão sendo usados pelas empreiteiras nos dois trajetos. São obras típicas de engenharia pesada. Os eixos do projeto consistem em canais com, em média, 25 metros de largura por 5 de profundidade, impermeabilizados com geomembrana protegida por uma camada de 5 centímetros de concreto.
Para chegar a seu destino, a água terá de vencer as barreiras impostas pelo relevo. Nas áreas de travessia de riachos e rios estão sendo construídos aquedutos e, para ultrapassar as regiões de maior altitude, túneis. Nove estações de bombeamento elevarão a água nos pontos mais problemáticos. Está prevista ainda a construção de 30 barragens ao longo dos canais, que funcionarão como reservatórios de compensação para permitir o escoamento mesmo durante as horas em que o sistema de bombeamento esteja desligado.
Com tudo isso pronto em cada um dos canais, só restará abrir a torneira e deixar a água rolar. E um projeto que nasceu ainda durante o reinado de dom João VI, no começo do século 19, e foi refeito e atualizado por diferentes governantes desde então, até ser finalmente tirado do papel no começo do século 21 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sairá do universo da fantasia em que quase se refugiara para virar realidade. E o sertão – ou pelo menos parte dele – enfim vai virar mar.
Fronteiras desmoronantes
Como toda grande obra pesada de infraestrutura, a transposição do rio São Francisco vem sendo importante geradora de empregos no semiárido. Estima-se que de 7 mil a 9 mil trabalhadores, uma boa parte de origem local, estejam participando da abertura dos canais, da construção de túneis e da montagem de barragens.
O impacto na economia tem sido igualmente significativo. O comércio nas pequenas cidades da região jamais conheceu tanto movimento. Os restaurantes nunca prepararam tantos pratos, nem os mercadinhos venderam tamanha quantidade de produtos de alimentação e de limpeza, e as lojas de materiais de construção têm sempre agora um estoque extra de sacos de cimento.
Trata-se, porém, de uma economia de “fronteiras desmoronantes”, marcada pela mutabilidade geográfica: obviamente, o movimento acompanha o avanço da construção dos canais em direção ao norte. Quando as empreiteiras deixam determinado local, a economia volta ao que sempre foi.
A maior parte dos empregos é também do tipo temporário. No ano passado, era quase impossível para as empreiteiras recrutar um único peão de obra em municípios como Cabrobó, Floresta e Custódia, em Pernambuco, de onde, por assim dizer, a construção partiu: todos os trabalhadores disponíveis já estavam nos canteiros. Quando o grosso da empreitada terminou ali, quem não quis ou não pôde acompanhar a obra ficou desempregado.
O mercado de trabalho no semiárido é caracterizado pelo desemprego endêmico, amortecido pela informalidade, e pela reduzida qualificação profissional. Praticamente não existem empresários industriais: quase todos são pequenos comerciantes ou produtores rurais.
O Sebrae de Pernambuco, principalmente, vem tentando modificar esse quadro pela base. O principal programa da entidade para a região visa estimular, via treinamento e noções de gestão, a instalação de microempresas de tecnologia de informação e de logística avançada nos 33 municípios que gravitam em torno de Salgueiro, que é uma espécie de capital do semiárido. “Estamos também estimulando a criação de mais oficinas mecânicas”, explica Pedro Lira, analista-gestor de vários projetos na região. “É um segmento muito mal atendido, apesar da enorme demanda potencial: todos os dias passam milhares de caminhões por aqui.”
Segundo Lira, empresários de fora já se aperceberam do fato e começam a montar suas próprias oficinas em cidades maiores, como Salgueiro e Cabrobó. “É um espaço que os microempresários locais deveriam ocupar.”
Salgueiro, a abençoada
Encravada no coração do semiárido pernambucano, a cidade de Salgueiro, a 514 quilômetros do Recife, é provavelmente a única que irá se beneficiar economicamente desde o princípio até o final das obras da transposição. É de um pequeno complexo localizado na área central desse município de 60 mil habitantes que o Ministério da Integração Nacional coordena a execução dos trabalhos. A cidade está lotada de técnicos do governo e das empreiteiras e fervilha de agitação tanto durante o dia como à noite. Em 2010, a prefeitura quadruplicou os rendimentos com o Imposto sobre Serviços (ISS) e o comércio viu o movimento crescer 50%. A rede hoteleira trabalha no limite de seus 820 leitos.
A cidade é, de fato, como o prefeito Marcones Sá (PSB) gosta orgulhosamente de alardear, “a capital da transposição”. Ao contrário de outros prefeitos da região, porém, Sá não está nem um pouco preocupado com o término das obras, em 2012, e isso por um bom motivo: a transposição não é o único grande projeto a tangenciar a cidade. Graças à excepcional posição estratégica (a cidade é conhecida como a “encruzilhada do nordeste”), Salgueiro tornou-se também a principal base de apoio das obras da Ferrovia Transnordestina, que quando estiver concluída, em 2013, ligará os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, ao sertão do Piauí. A cidade já foi escolhida como um dos futuros pontos nevrálgicos dessa ferrovia, já que está a meio caminho entre o interior do Piauí e os dois portos do Atlântico. “Não é à toa que a Odebrecht vai construir aqui a maior fábrica de dormentes do mundo”, comemora o prefeito. “Salgueiro também vai abrigar a principal plataforma multimodal do nordeste, com direito inclusive a um aeroporto de cargas e a um distrito industrial.”
Marcones Sá aposta que a cidade também deverá se tornar o maior entroncamento rodoferroviário da região. De fato, tudo indica que isso vai mesmo acontecer: a conclusão da Ponte do Ibó, nas imediações do município, já aproximou Salgueiro das principais capitais do nordeste, que agora ficam pelas vizinhas BR-116 e BR-232 a cerca de 600 quilômetros de distância, com exceção de São Luís, no Maranhão. Além disso, a ponte facilitou o acesso ao sudeste e ao sul do país. É provável que Salgueiro, no curto prazo, se torne uma cidade média tão importante no nordeste como Petrolina (PE), Juazeiro do Norte (CE) e Juazeiro e Feira de Santana (BA), das quais, aliás, está geograficamente equidistante.
Nada mau para uma cidade que faz meros dez anos era conhecida dos brasileiros unicamente por ser o núcleo do chamado Polígono da Maconha, que o governo federal e o de Pernambuco só a muito custo conseguiram erradicar – e, mesmo assim, não inteiramente.
Luta por acomodações
A transposição fez também explodir o movimento no normalmente pacato mercado imobiliário e de hotelaria das cidades que ficam em sua área de influência. No começo das obras, centradas basicamente na região de Salgueiro, Cabrobó e Custódia e que chegaram a reunir 9 mil trabalhadores em um trecho relativamente pequeno do semiárido, houve, acompanhando o inevitável inchaço populacional, uma verdadeira guerra por acomodações.
O cenário vem se repetindo conforme as obras avançam para o norte. São José de Piranhas e Monte Horebe, no sertão da Paraíba, e Mauriti e Barro, no Ceará, em cujas áreas rurais as empreiteiras escavam agora o túnel Cuncas I, do eixo norte, o maior para transporte de água da América Latina (com 15 quilômetros de extensão), vivem atualmente uma agitação jamais vista na história de seu ralo complexo hoteleiro. Não faltam situações inusitadas. Em Custódia – que tem dois hotéis razoáveis e uma boa porção de pousadas – em determinada ocasião um técnico do governo teve de dormir na casa do prefeito, porque não havia mais lugar onde pernoitar.
Os preços dos aluguéis dispararam em todo o sertão. Uma casinha que antes podia ser alugada por R$ 200 chega a valer agora R$ 700 mensais, se estiver perto do caminho das obras. Esses imóveis são procurados principalmente pelos técnicos vindos do centro-sul que optam por levar temporariamente a família para o nordeste.
Em Salgueiro, por ser “a capital da transposição” e por estar recebendo também as obras da Transnordestina e outras na área industrial e de infraestrutura, a certeza de que, pelo menos ali, o movimento será sustentado ao longo do tempo está induzindo os tradicionalmente cautelosos empresários locais a investir.
Socorro Borba, proprietária do maior e melhor hotel da cidade, o Salgueiro Plaza Hotel, construiu no ano passado, por exemplo, uma nova ala com 25 suítes para atender o aumento da procura. O estabelecimento passou a contar com 57 apartamentos. Agora, está recebendo melhorias na parte externa. “Mesmo com a ampliação, todos os quartos vivem ocupados”, explica Socorro. De acordo com ela, hoje, para conseguir hospedagem no Salgueiro Plaza, é preciso fazer a reserva com pelo menos uma semana de antecedência.
Alguns proprietários de bares e restaurantes da cidade, assim como donos de supermercados, também estão ampliando as instalações para dar conta da demanda. As lojas de materiais de construção estão igualmente em polvorosa: nunca se construíram tantas casas para alugar como hoje em Salgueiro.
Só com o dinheiro na mão
Quatro longos anos. Foi o tempo que José Francisco de Lima, pequeno sitiante de Custódia, de 63 anos, levou para receber os R$ 45 mil oferecidos pelo governo federal para que deixasse sua propriedade e abrisse espaço para a construção de um dos 30 reservatórios previstos no projeto de transposição, o de Cacimba Nova.
Como todos os que tiveram a casa ou o sítio desapropriado para a passagem da obra, Zé Francisco, como é conhecido, não queria sair de jeito nenhum sem o pagamento na mão. “A gente tinha plantação de milho, de capim, criava porcos. Sem a indenização, ia fazer o quê da vida?”, ele lembra.
Enfim, o dinheiro saiu no ano passado e Zé Francisco soube aproveitá-lo bem. Com a ajuda dos três filhos, construiu rapidamente uma casa nova não muito longe do lugar onde morava, e que ocupa uma área suficiente para a implantação de roçados e currais, maiores, aliás, que os que ele tinha antes. Zé Francisco já avisou aos “homens do governo” que basta eles instalarem energia elétrica na nova casa e a família – que já conta com um netinho – se muda imediatamente para lá. A área que cerca a antiga moradia já foi inteiramente desmatada e terraplenada. A casa de Zé Francisco ficou por último; hoje, é uma construção solitária no meio de um enorme terreno vazio e de aspecto lunar. Por pouco tempo. Daqui a uns dois anos, onde ela existia haverá um grande lago.
No total, perto de 700 famílias serão obrigadas a deixar suas casas por conta das obras em todo o trajeto dos canais da transposição, de acordo com o Ministério da Integração Nacional. A maioria delas será incluída no Programa de Reassentamento de Populações e instalada nas chamadas vilas produtivas rurais.
No último mês de dezembro, Lula, ainda presidente, entregou títulos de posse a 113 famílias reassentadas nas cidades pernambucanas de Salgueiro, Cabrobó e Verdejante. São casas de alvenaria de 99 metros quadrados, construídas pelo exército, com meio hectare cada uma para a prática da agricultura familiar. Cada casa tem sala, cozinha, dois quartos e alpendre. Na vila propriamente dita, há uma área comum de 3 a 5 hectares para cultivo. O local conta ainda com posto de saúde, escola, quadra de esportes, campo de futebol, praça e associação de moradores. Segundo o ministério, serão implantadas 18 vilas no âmbito de todo o projeto de transposição, a um custo de R$ 136 milhões.
Críticos da obra afirmam que na conta da desapropriação deveriam ser incluídos aqueles milhares de famílias que serão também impactados indiretamente pelo projeto, como acontece em várias comunidades indígenas e quilombolas. O traçado passa por dentro da Reserva Biológica de Serra Negra, por exemplo, onde moram mais de 5 mil índios pipipãs. A comunidade trucá é outra que ficou no caminho da obra.
O raio caiu no mesmo lugar
Vai ser difícil convencer a família de Batista Bezerra Matias, de Penaforte (CE), de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Pois isso aconteceu na propriedade de cerca de 90 hectares que a família mantém nas duas margens da rodovia BR-116. Em 2004, Matias foi notificado de que parte de suas terras – onde planta principalmente tomates – teria de ser desapropriada para a passagem da transposição. Como se não bastasse, em 2008 recebeu a notificação de que o trecho oposto da fazenda, do outro lado da estrada, faria parte do trajeto da Ferrovia Transnordestina.
Com essas duas desapropriações, restarão à propriedade não mais do que duas nesgas de terra contíguas à rodovia. Ambas as obras já estão em andamento naquele trecho. “Querem pagar só R$ 90 mil para a gente sair daqui”, esbraveja Matias. “E isso porque brigamos: antes, nos ofereciam apenas R$ 44 mil. E todo mundo sabe que a fazenda vale mais do que R$ 150 mil – só de investimentos na roça gastamos uns R$ 30 mil.” O agricultor garante que a família só sai da propriedade se o governo melhorar o valor da indenização.
Vida de engenheiro
“O engenheiro vai levando a vida conforme a obra que faz.” É assim que Mauro Sérgio Verassani, da construtora OAS, justifica o fato de ter trazido a esposa Danielle para morar com ele numa arejada casa em Arcoverde, cidadezinha de Pernambuco localizada perto dos canteiros de obras da transposição. Verassani, engenheiro ambiental nascido em Ouro Preto (MG) e morador de Belo Horizonte, chegou em agosto de 2008 ao nordeste, onde deve permanecer até janeiro de 2012, ou seja, praticamente até a conclusão das obras. O casamento foi realizado em BH, quando já estava trabalhando na transposição. Antes de montar a casa em Arcoverde com a mulher, o engenheiro, como tantos outros técnicos vindos do centro-sul, ficava em repúblicas, em seu caso localizadas primeiro em Custódia e depois em Sertânia, também em Pernambuco.
“Não era ruim, mas eu me sentia um pouco solitário”, lembra-se Verassani. “As cidades daqui são muito pequenas, a gente não tem o que fazer à noite nem nos fins de semana. Quase todo mundo levava trabalho para casa para matar o tempo.” Ele conta que Danielle – advogada recém-formada que conseguiu arranjar um estágio na Defensoria Pública de Arcoverde – encarou a possibilidade de viver alguns anos no sertão nordestino com entusiasmo, mas no começo sofreu tanto quanto ele para se adaptar. “A comida daqui é muito forte, gordurosa, à base de coentro, é preciso se acostumar”, lembra. “E se não tomar cuidado, a gente engorda mesmo.” O calor, que chega fácil aos 40 graus, e o clima muito seco foram outras dificuldades.
Hoje Verassani classifica sua vida como “boa e tranquila”. Seu trabalho como engenheiro ambiental é intenso – o projeto da transposição prevê a implantação no nordeste setentrional de 36 programas básicos ambientais relativos a fauna, flora e monitoramento de água, além da criação de 12 áreas de preservação –, mas com um carro e Danielle do lado, opções de lazer não faltam. “Arcoverde fica a 300 quilômetros do Recife e não é nada difícil ir até as praias de João Pessoa, Natal ou Maceió nos fins de semana”, afirma. “E há ainda muitas cidadezinhas históricas no sertão que vale realmente a pena conhecer.”
O aguadeiro
Batizado como José Lúcio Cordeiro da Silva, Zé Luz é uma figura popular e estimada em Custódia. Ele exerce uma das profissões mais antigas do mundo, a de aguadeiro, que devia estar extinta depois da vulgarização dos serviços públicos de abastecimento, mas é ainda de bastante utilidade nas regiões onde a água é racionada, em alguns períodos, até para beber, como o semiárido nordestino.
O nome de sua profissão – de remotas origens portuguesas – perdeu-se no tempo. Para a população da cidade, ele é só Zé Luz, o carroceiro de água. Seu trabalho consiste em vender, de porta em porta, a água que vai buscar nos reservatórios, açudes e poços da região e transporta em um tambor de plástico de 300 litros em cima de uma carroça. Ele negocia a água por R$ 10 o barril em média ou por uma quantia combinada na hora se a venda é “picada” (a unidade de medida é a “lata”).
Hoje, com o grosso das obras da transposição já distante de Custódia, Zé Luz, como os outros vários aguadeiros da cidade, queixa-se da vida. “A venda diminuiu muito”, lamenta. De fato, durante a fase de pico das obras, com o movimento mais intenso nos restaurantes, botequins, hotéis e pousadas, a demanda de água aumentou em Custódia (o que não foi problema nos canteiros de obras, bem providos pelas empreiteiras). Agora, voltou praticamente ao normal.
Os citadinos e os pequenos fazendeiros usam a água dos açudes e poços, em geral muito barrosa, principalmente para lavar roupas e pratos e tomar banho. Para beber e cozinhar, eles normalmente utilizam a água dos reservatórios da prefeitura, que a torna potável depois que máquinas apropriadas tiram o excesso de sal. Nos períodos de maior estiagem, porém, quando nem os serviços de carros-pipa conseguem dar conta do recado, a água de Zé Luz e de seus colegas aguadeiros supre as lacunas do fornecimento, inclusive para beber.
Essa é uma das grandes tragédias sociais do semiárido, não só pela má qualidade da água dos açudes em si. Inúmeros estudos já feitos indicam que os próprios tambores de aço ou de plástico usados pelos aguadeiros – e até por muitos agricultores – são normalmente adquiridos em estabelecimentos comerciais que revendem recipientes já utilizados para outros fins.
O uso de tambores (ou “bombonas”) para o transporte da água traz óbvios riscos para a saúde da população, devido aos possíveis resíduos existentes nesses recipientes – inclusive químicos. Sem falar do sabor, já comumente intragável. Acabar com a profissão de Zé Luz – que mora com uma família numerosa num pequeno sítio nas redondezas de Custódia – é um dos objetivos laterais do projeto de transposição do rio São Francisco para o semiárido.
Essa, porém, não será uma tarefa simples. Mesmo em estados atendidos pelo Velho Chico, como a Bahia, é possível ainda encontrar aguadeiros, firmes e fortes, do mesmo modo que no sertão do Ceará e de Pernambuco. Ali nos estados mais ao sul há água, mas a distribuição é imperfeita: o serviço de abastecimento para as populações mais pobres e afastadas está longe de ser universal no país – problema que os encarregados do projeto da transposição terão de resolver, para que essa custosa e gigantesca obra tenha realmente valido a pena.
Revista Problemas Brasileiros
Prioridades para investimentos em usinas elétricas
Joaquim Francisco de Carvalho
Joaquim Francisco de Carvalho
Introdução
Para recuperar o atraso nos investimentos do setor elétrico brasileiro, é necessário atribuir prioridades a projetos que possam entrar em operação em médio prazo. Claro está que os projetos prioritários não devem ser selecionados sob pressões comerciais, como às vezes acontece, mas sim com base em comparações entre as diversas opções disponíveis para a geração de eletricidade em larga escala, relativamente a aspectos tais como os impactos ambientais, a eventual exposição da população a riscos de acidentes e os custos, sobre os quais são estruturadas as tarifas a serem pagas pelos consumidores. É indispensável que se considerem também aspectos estratégicos, tais como os prazos previsíveis para a entrada em operação, as garantias de suprimento de combustíveis (gás, óleo etc.) e a existência de capacidade industrial em escala suficiente para o enriquecimento de urânio e fabricação dos elementos combustíveis, no caso de usinas nucleares.
Por força da extensão do assunto, este artigo restringe-se a uma comparação entre os custos previsíveis da energia gerada nos principais projetos atualmente considerados pelo governo, para entrar em operação em médio prazo, que são o da usina nuclear de Angra III e os das hidrelétricas de Belo Monte, no Rio Xingu, e Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira.
Generalidades sobre os custos da energia elétrica em usinas nucleares e hidráulicas
Os custos de produção de energia elétrica compõem-se de uma parte fixa, com base na qual o capital investido é remunerado e recuperado ao longo do prazo de depreciação contábil da usina geradora; e de uma parte administrável, composta pelas despesas necessárias ao funcionamento dessa usina. A parte fixa (capital investido) abrange as despesas incorridas na implantação da usina (estudos de viabilidade e de engenharia, equipamentos, canteiro da obra, construção, montagem e testes), e a parte administrável compreende as despesas de operação e manutenção, seguros, impostos, salários, encargos trabalhistas etc.
Os custos finais (soma das partes fixa e administrável) devem ser calculados de forma a permitir a estruturação de tarifas que assegurem uma remuneração que seja ao mesmo tempo atraente para o investidor e justa para os consumidores. Para isso – ou, por outras palavras, para evitar que os lucros do investidor (concessionário) sacrifiquem os consumidores –, a taxa interna de retorno (TIR) empregada no cálculo dos custos de geração deve ser estabelecida por meio de negociações entre o poder concedente e o investidor, nas quais entram critérios subjetivos tais como "atratividade" para o investidor e "razoabilidade" para os consumidores; daí o imperativo ético de que o processo seja absolutamente transparente. Na prática, com o setor elétrico submetido às forças do mercado, a taxa de retorno tende a acompanhar o custo da alternativa de investimento, isto é, o custo da oportunidade de se aplicar o capital em outros projetos (Bitu & Born, 1993; Viscusi et al., 2000).
Em projetos capital intensive como são os do setor elétrico, o principal componente do custo corresponde à amortização do investimento (custo do capital). Os demais componentes (despesas de operação, seguros, taxas, salários etc.) incidem com intensidade menor, porém, na medida em que o projeto se aproxima do fim do prazo de depreciação contábil, a importância dessas despesas cresce em relação ao custo do capital.
A vida útil das hidrelétricas supera seu prazo de depreciação contábil, que é convencionalmente estabelecido em 30 anos. Assim, usinas já amortizadas continuam gerando energia a um custo que se reduz às despesas de operação e manutenção; seguros; salários e encargos trabalhistas. Existem no mundo hidrelétricas implantadas nos primeiros anos do século passado que continuam operando normalmente, o que constitui uma vantagem para a sociedade, que se beneficia do serviço sem o ônus de um novo investimento. A propósito, o custo de geração das usinas hidrelétricas brasileiras já amortizadas, que respondem por uma parte considerável da energia elétrica gerada no país, está em apenas cerca de US$ 4/MWh (Campos Ferreira, 2002). Portanto, teria sido possível compor para o sistema elétrico brasileiro um mix tarifário que restituiria à sociedade as taxas e os impostos pagos ao longo de muitas décadas, para financiar a implantação desse parque. Com a desregulamentação do sistema elétrico e a privatização de grandes hidrelétricas que estavam prestes a chegar ao fim de seus prazos de depreciação contábil, tal composição tarifária tornou-se inviável.
Nas usinas hidrelétricas, o número de empregados das áreas operacional e administrativa fica em torno de 0,1 empregado por MW instalado. Nas usinas nucleares esse número é de, aproximadamente, 0,7 empregado por MW instalado. No Brasil, incluindo-se os encargos trabalhistas, as despesas salariais são da ordem de R$ 48.000,00 por empregado/ano, nas usinas nucleares; e de R$ 36.000,00, nas hidrelétricas.
Os aproveitamentos hidrelétricos mais próximos dos pólos de consumo já estão sendo explorados, portanto não se pode esperar que a energia gerada em novas usinas tenha custos comparáveis aos das antigas, pois, entre outras coisas, deve-se acrescentar o custo da transmissão cuja incidência vai aumentando na medida em que os novos aproveitamentos localizem-se em regiões mais afastadas.
O custo do combustível das usinas nucleares é composto pela soma dos custos de cada uma das etapas do ciclo do urânio, que vai da mineração até a fabricação dos elementos combustíveis. Nessa composição a etapa mais onerosa é a do enriquecimento, que entra com 36%. A incidência do custo do urânio (U3O8) fica em torno de 27%.
O prazo de depreciação contábil das usinas nucleares coincide com a sua vida útil (cerca de 40 anos), após o que elas devem ser descontaminadas e descomissionadas.
As despesas de descomissionamento devem ser trazidas ao valor presente e incluídas nos custos de geração, a fim de constituir um fundo com recursos suficientes para aquelas despesas.
Na Grã-Bretanha, por exemplo,1 o governo atribuiu ao órgão público responsável pelo descomissionamento (Nuclear Decommissioning Authority) uma dotação orçamentária de £ 2,47 bilhões (US$ 4,34 bilhões) para o exercício de 2007/2008.
Outros componentes do custo da geração nuclear são o da administração dos rejeitos de baixa e média atividade, e o da deposição final dos rejeitos de alta atividade.
Tanto para as hidrelétricas como para as nucleares e as térmicas convencionais, os prêmios pagos às companhias de seguros são, em média, da ordem de 1% ao ano, sobre o capital investido.
Custo de geração de Angra III
Segundo a Eletronuclear (Barata, 2007), o orçamento para a conclusão de Angra III (atualizado em dezembro de 2007) é da ordem de R$ 7,35 bilhões, sem incluir os juros durante a construção. A quantia já investida no projeto monta a R$ 1,61 bilhão, sendo 65% (R$ 1,05 bilhão) em despesas financeiras incorridas durante o tempo em que a obra ficou parada. Os restantes 35% (R$ 560 milhões) destinaram-se à aquisição dos principais componentes mecânicos do sistema nuclear de geração de vapor (vaso do reator, pressurizadores, geradores de vapor, bombas principais de refrigeração e suportes desses componentes). Foram também adquiridos alguns dos principais componentes do circuito secundário, tais como o grupo turbogerador, as bombas principais de água de alimentação e de condensado e, ainda, vários equipamentos de processo (estações de válvulas, trocadores de calor, vasos de pressão, tubulações etc.). Esses componentes estão armazenados no próprio sítio da usina e nas instalações da Nuclebrás Equipamentos Pesados S. A. (Nuclep), em Itaguaí (RJ).
Depreende-se daí que o verdadeiro custo de Angra III será de R$ 7,91 bilhões (isto é, R$ 7,35 bilhões + R$ 560 milhões), sem os juros durante a construção. Nos cálculos apresentados na Tabela 1, as despesas já feitas foram lançadas a fundo perdido, pois o governo assim já decidiu. Por conseguinte, o valor calculado (R$ 180,00/MWh) é, na realidade, um custo subsidiado, que, evidentemente, não deverá prevalecer para futuras usinas do mesmo tipo que, porventura, venham a ser implantadas.
Para recuperar o atraso nos investimentos do setor elétrico brasileiro, é necessário atribuir prioridades a projetos que possam entrar em operação em médio prazo. Claro está que os projetos prioritários não devem ser selecionados sob pressões comerciais, como às vezes acontece, mas sim com base em comparações entre as diversas opções disponíveis para a geração de eletricidade em larga escala, relativamente a aspectos tais como os impactos ambientais, a eventual exposição da população a riscos de acidentes e os custos, sobre os quais são estruturadas as tarifas a serem pagas pelos consumidores. É indispensável que se considerem também aspectos estratégicos, tais como os prazos previsíveis para a entrada em operação, as garantias de suprimento de combustíveis (gás, óleo etc.) e a existência de capacidade industrial em escala suficiente para o enriquecimento de urânio e fabricação dos elementos combustíveis, no caso de usinas nucleares.
Por força da extensão do assunto, este artigo restringe-se a uma comparação entre os custos previsíveis da energia gerada nos principais projetos atualmente considerados pelo governo, para entrar em operação em médio prazo, que são o da usina nuclear de Angra III e os das hidrelétricas de Belo Monte, no Rio Xingu, e Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira.
Generalidades sobre os custos da energia elétrica em usinas nucleares e hidráulicas
Os custos de produção de energia elétrica compõem-se de uma parte fixa, com base na qual o capital investido é remunerado e recuperado ao longo do prazo de depreciação contábil da usina geradora; e de uma parte administrável, composta pelas despesas necessárias ao funcionamento dessa usina. A parte fixa (capital investido) abrange as despesas incorridas na implantação da usina (estudos de viabilidade e de engenharia, equipamentos, canteiro da obra, construção, montagem e testes), e a parte administrável compreende as despesas de operação e manutenção, seguros, impostos, salários, encargos trabalhistas etc.
Os custos finais (soma das partes fixa e administrável) devem ser calculados de forma a permitir a estruturação de tarifas que assegurem uma remuneração que seja ao mesmo tempo atraente para o investidor e justa para os consumidores. Para isso – ou, por outras palavras, para evitar que os lucros do investidor (concessionário) sacrifiquem os consumidores –, a taxa interna de retorno (TIR) empregada no cálculo dos custos de geração deve ser estabelecida por meio de negociações entre o poder concedente e o investidor, nas quais entram critérios subjetivos tais como "atratividade" para o investidor e "razoabilidade" para os consumidores; daí o imperativo ético de que o processo seja absolutamente transparente. Na prática, com o setor elétrico submetido às forças do mercado, a taxa de retorno tende a acompanhar o custo da alternativa de investimento, isto é, o custo da oportunidade de se aplicar o capital em outros projetos (Bitu & Born, 1993; Viscusi et al., 2000).
Em projetos capital intensive como são os do setor elétrico, o principal componente do custo corresponde à amortização do investimento (custo do capital). Os demais componentes (despesas de operação, seguros, taxas, salários etc.) incidem com intensidade menor, porém, na medida em que o projeto se aproxima do fim do prazo de depreciação contábil, a importância dessas despesas cresce em relação ao custo do capital.
A vida útil das hidrelétricas supera seu prazo de depreciação contábil, que é convencionalmente estabelecido em 30 anos. Assim, usinas já amortizadas continuam gerando energia a um custo que se reduz às despesas de operação e manutenção; seguros; salários e encargos trabalhistas. Existem no mundo hidrelétricas implantadas nos primeiros anos do século passado que continuam operando normalmente, o que constitui uma vantagem para a sociedade, que se beneficia do serviço sem o ônus de um novo investimento. A propósito, o custo de geração das usinas hidrelétricas brasileiras já amortizadas, que respondem por uma parte considerável da energia elétrica gerada no país, está em apenas cerca de US$ 4/MWh (Campos Ferreira, 2002). Portanto, teria sido possível compor para o sistema elétrico brasileiro um mix tarifário que restituiria à sociedade as taxas e os impostos pagos ao longo de muitas décadas, para financiar a implantação desse parque. Com a desregulamentação do sistema elétrico e a privatização de grandes hidrelétricas que estavam prestes a chegar ao fim de seus prazos de depreciação contábil, tal composição tarifária tornou-se inviável.
Nas usinas hidrelétricas, o número de empregados das áreas operacional e administrativa fica em torno de 0,1 empregado por MW instalado. Nas usinas nucleares esse número é de, aproximadamente, 0,7 empregado por MW instalado. No Brasil, incluindo-se os encargos trabalhistas, as despesas salariais são da ordem de R$ 48.000,00 por empregado/ano, nas usinas nucleares; e de R$ 36.000,00, nas hidrelétricas.
Os aproveitamentos hidrelétricos mais próximos dos pólos de consumo já estão sendo explorados, portanto não se pode esperar que a energia gerada em novas usinas tenha custos comparáveis aos das antigas, pois, entre outras coisas, deve-se acrescentar o custo da transmissão cuja incidência vai aumentando na medida em que os novos aproveitamentos localizem-se em regiões mais afastadas.
O custo do combustível das usinas nucleares é composto pela soma dos custos de cada uma das etapas do ciclo do urânio, que vai da mineração até a fabricação dos elementos combustíveis. Nessa composição a etapa mais onerosa é a do enriquecimento, que entra com 36%. A incidência do custo do urânio (U3O8) fica em torno de 27%.
O prazo de depreciação contábil das usinas nucleares coincide com a sua vida útil (cerca de 40 anos), após o que elas devem ser descontaminadas e descomissionadas.
As despesas de descomissionamento devem ser trazidas ao valor presente e incluídas nos custos de geração, a fim de constituir um fundo com recursos suficientes para aquelas despesas.
Na Grã-Bretanha, por exemplo,1 o governo atribuiu ao órgão público responsável pelo descomissionamento (Nuclear Decommissioning Authority) uma dotação orçamentária de £ 2,47 bilhões (US$ 4,34 bilhões) para o exercício de 2007/2008.
Outros componentes do custo da geração nuclear são o da administração dos rejeitos de baixa e média atividade, e o da deposição final dos rejeitos de alta atividade.
Tanto para as hidrelétricas como para as nucleares e as térmicas convencionais, os prêmios pagos às companhias de seguros são, em média, da ordem de 1% ao ano, sobre o capital investido.
Custo de geração de Angra III
Segundo a Eletronuclear (Barata, 2007), o orçamento para a conclusão de Angra III (atualizado em dezembro de 2007) é da ordem de R$ 7,35 bilhões, sem incluir os juros durante a construção. A quantia já investida no projeto monta a R$ 1,61 bilhão, sendo 65% (R$ 1,05 bilhão) em despesas financeiras incorridas durante o tempo em que a obra ficou parada. Os restantes 35% (R$ 560 milhões) destinaram-se à aquisição dos principais componentes mecânicos do sistema nuclear de geração de vapor (vaso do reator, pressurizadores, geradores de vapor, bombas principais de refrigeração e suportes desses componentes). Foram também adquiridos alguns dos principais componentes do circuito secundário, tais como o grupo turbogerador, as bombas principais de água de alimentação e de condensado e, ainda, vários equipamentos de processo (estações de válvulas, trocadores de calor, vasos de pressão, tubulações etc.). Esses componentes estão armazenados no próprio sítio da usina e nas instalações da Nuclebrás Equipamentos Pesados S. A. (Nuclep), em Itaguaí (RJ).
Depreende-se daí que o verdadeiro custo de Angra III será de R$ 7,91 bilhões (isto é, R$ 7,35 bilhões + R$ 560 milhões), sem os juros durante a construção. Nos cálculos apresentados na Tabela 1, as despesas já feitas foram lançadas a fundo perdido, pois o governo assim já decidiu. Por conseguinte, o valor calculado (R$ 180,00/MWh) é, na realidade, um custo subsidiado, que, evidentemente, não deverá prevalecer para futuras usinas do mesmo tipo que, porventura, venham a ser implantadas.
Nesses cálculos, admitiu-se que a TIR será de 10% ao ano e que Angra III operará com o fator de capacidade esperado pela Eletronuclear (87%), valor muito otimista, comparado, por exemplo, ao do parque nuclear francês, que não chega a 78%.2
Admitiu-se, ainda, que o BNDES financiará 70% do orçamento para a conclusão da obra, a juros de 7,5% ao ano (TJLP + 1%), entrando os 30% restantes como equity, a 8% ao ano, durante a construção.
De acordo com a Eletronuclear, a implantação de Angra III levará 66 meses (construção civil, montagem eletromecânica, comissionamento dos sistemas e testes pré-operacionais), começando com os trabalhos de concretagem da laje de fundação do edifício do reator e terminando com os testes de potência da usina.
Para comparação, cabe notar que, internacionalmente, o prazo de construção de usinas nucleares é, em média, de cinco a sete anos; a taxa de juros durante a construção (JDC) é de 8% a 10% ao ano sobre 50% do investimento (os outros 50% constituem capital acionário); a TIR é de 10% a 15% ao ano, e o prazo de amortização é de 40 anos, coincidindo com a vida útil da unidade, ao cabo da qual deve ela ser descomissionada.
O descomissionamento implica futuros investimentos entre US$ 350 e US$ 500 por kW elétrico instalado.3
Estima-se que, no Brasil, as despesas de descomissionamento, somadas aos custos da administração dos rejeitos de baixa e média atividade e ao que será gasto futuramente, na deposição final dos rejeitos de alta atividade, incidam com cerca de R$ 3/MWh na tarifa de geração, ao longo da vida útil da usina.
Assumiu-se, como faz a Eletronuclear, que o custo do combustível ficará estacionado em apenas R$ 17,6/MWh, ou seja, o mesmo de Angra II. Aqui é importante ressalvar que, desde o final da década de 1980 até meados de 2003, a cotação do urânio (U3O8) no mercado internacional permaneceu estável, em torno de US$ 18 a US$ 20 por kg. A partir daí os preços subiram rapidamente, atingindo US$ 200 por kg, em 2006. Houve, portanto, uma valorização da ordem de 1.000% em apenas três anos (WEC, 2007).
Embora na formação do custo do combustível o preço do urânio tenha uma incidência de apenas 27% em relação às demais etapas do ciclo, é possível que a crescente demanda mundial venha a induzir uma valorização que faça desse preço um fator de incerteza. Essa eventualidade deve ser considerada na análise dos aspectos estratégicos do projeto de Angra III.
Custo de geração das usinas hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau
A usina de Belo Monte representará o primeiro passo para o aproveitamento do potencial hidrelétrico do Rio Xingu. Na região indicada para o projeto (Volta Grande do Xingu), o rio corre num canyon que faz uma curva e retorna no sentido oposto, desenhando uma figura em forma de ferradura, quase fechada. O desnível entre a entrada e a saída dessa curva é de 90 metros, e, na saída, o fluxo turbinável é de, aproximadamente, 13.900 m3/seg. O anteprojeto inicial da obra previa a construção de uma barragem na saída do canyon, para alimentar uma casa de força com a capacidade de 11.000 MW (20 máquinas de 550 MW). Essa configuração apresentava os inconvenientes de alagar uma ilha de onde teriam que ser removidos cerca de 400 indígenas, e de inundar toda a área abrangida pela concavidade da curva em forma de ferradura, descrita pelo canyon (aproximadamente 1.225 km2), numa região de biodiversidade extremamente rica. Esses inconvenientes provocaram rumorosos protestos de grupos ambientalistas.
Preparou-se então um projeto alternativo que não alagará a ilha nem a área circunscrita pela curva, preservando-se dessa forma a biodiversidade. A idéia básica desse projeto é construir, antes da entrada do canyon, uma barragem menor, formando, a montante, um lago de 420 km2, área que corresponde a apenas o dobro da expansão normal do rio em seu leito, nas épocas chuvosas. Uma pequena parte da água aí acumulada alimentará uma casa de força com sete máquinas de 25,9 MW (capacidade total ≈ 181 MW), e a maior parte descerá por um sistema de canais, diques e penstocks, diretamente até uma casa de força construída na saída do canyon, situada 90 metros abaixo, para alimentar 20 máquinas de 550 MW, ou seja, 11.000 MW. Teremos assim, no total, uma capacidade instalada de 11.181 MW.
Nessa configuração, o custo do investimento em Belo Monte será de, aproximadamente, R$ 7,5 bilhões, já incluídas as despesas de preparação do sítio e de mitigação dos impactos ambientais e sem os juros durante a construção.
Na Tabela 2 apresenta-se o cálculo do custo de geração de Belo Monte, feito com base em condições financeiras semelhantes às de Angra III.
Em razão da irregularidade da vazão do Rio Xingu, o fator de capacidade da usina será de apenas 40%, portanto sua potência firme ficará em 4.472 MW, valor que poderá melhorar, à medida que forem sendo implantados outros aproveitamentos já inventariados a montante de Belo Monte e que se interliguem os sistemas elétricos das regiões Norte e Nordeste. Estudos da Eletronorte estimam em 32.000 m3/segundo a vazão regularizada do Xingu, fluxo que permitirá ainda a instalação de projetos de menor porte, perfazendo uma capacidade da ordem de 5.000 MW, a montante de Belo Monte.
O cronograma preliminar colocava o início da obra em abril de 2010, com a primeira máquina entrando em testes em junho de 2014.
As hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, com potências instaladas de 3.150 MW e 3.300 MW, respectivamente, situam-se no Rio Madeira, Estado de Rondônia, município de Porto Velho. As usinas serão compostas por barragens a fio d'água, casas de força, vertedouros e turbinas de tipo bulbo. O aspecto inovador do projeto é o emprego de turbinas desse tipo em grandes hidrelétricas. Graças a isso, ambos os aproveitamentos serão de baixa queda, com reservatórios que inundarão áreas de 271 km2 (Santo Antônio) e 258 km2 (Jirau), pequenas para hidrelétricas desse porte.
O plano original previa ainda algumas eclusas, para formar uma hidrovia ligando o interior da Bolívia ao Rio Amazonas, numa extensão de aproximadamente quatro mil quilômetros.
O orçamento preliminar, feito por Furnas em colaboração com uma empreiteira, colocava o custo da implantação das duas usinas em R$ 25 bilhões, incluindo os juros durante a construção e as despesas do concessionário na instalação dos canteiros das obras e na mitigação dos impactos ambientais, valor que parece muito elevado, pois, dadas as características dos dois sítios, o custo unitário dessas usinas não deverá exceder R$ 2.700/kW instalado, de modo que o investimento total em ambas não deveria passar de algo em torno de R$ 17,5 bilhões. A Tabela 3 apresenta, com base nesse valor e em condições financeiras semelhantes às de Angra III, o custo de geração de Santo Antônio e Jirau.
Pelo cronograma preliminar – que está sendo reformulado –, o início da obra de Santo Antônio estava previsto para outubro de 2008, e a primeira máquina deveria entrar em testes em meados de 2012. A de Jirau começaria em outubro de 2009, e a primeira turbina seria testada em 2013.
Considerações finais e conclusões
A conexão de Belo Monte à rede básica implicará um custo de transmissão de, aproximadamente, R$ 10/MWh, de modo que sua energia deverá chegar ao sistema interligado por algo em torno de R$ 49/MWh. Para as usinas do Rio Madeira, a transmissão custará cerca de R$ 20/MWh; portanto, a energia chegará ao sistema por R$ 97/MWh, aproximadamente.
A comparação (Tabela 4) entre os custos da energia das usinas examinadas neste artigo aponta na direção do projeto de Belo Monte para, em princípio, receber tratamento prioritário no processo alocação de recursos – seja do orçamento da União, seja de bancos oficiais – para o início das obras. Uma eventual decisão de se terminar a obra de Angra III apenas para justificar o investimento já realizado poderia revelar-se equivocada, pois, em um ano de operação, Angra III produziria 10.943.913 MWh, a um custo de R$ 1,97 bilhão de reais. Em um ano, Belo Monte produziria quase quatro vezes mais energia, praticamente pelo mesmo custo.
Para gerar a mesma quantidade de energia que Angra III geraria em um ano, a um custo de R$ 1,97 bilhão, Belo Monte gastaria apenas R$ 536 milhões de reais. A economia seria, portanto, da ordem de R$ 1,43 bilhão, por ano.
Quanto à tecnologia, cumpre observar que a finalidade de usinas nucleares é gerar energia elétrica, o que não requer know-how de projeto e construção de usinas nucleares, mas apenas experiência em operação e manutenção. A Eletronuclear já dispõe de quadros altamente qualificados, que adquiriram muita experiência na operação e manutenção de Angra I e Angra II. Esses quadros renovam-se continuamente com os mais jovens que ingressam na empresa, sendo treinados e absorvendo experiência dos que estão próximos da aposentadoria. Não é necessário construir Angra III para preservar essa experiência. E construí-la com o objetivo de desenvolver tecnologia de projeto e construção de usinas nucleares equivaleria a comprar um Airbus A380, que pode ser muito bem pilotado por pilotos formados no Brasil, mas que não têm – nem poderiam ter – a incumbência de projetar e construir aviões. De fato, as companhias aéreas brasileiras sempre compraram e operaram aviões modernos, no entanto a indústria aeronáutica brasileira só se desenvolveu com a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, que estimulou a criação da Embraer e as empresas que estão em sua cadeia produtiva.
Analogamente, a capacidade brasileira para fazer o projeto básico, desenvolver os materiais, desenhar os sistemas e construir uma usina nuclear, só será adquirida quando o governo – em vez de comprar projetos feitos no exterior, como o de Angra III – entregar a institutos brasileiros dedicados à pesquisa tecnológica a responsabilidade de desenvolver e construir um protótipo e, em seguida, escalá-lo para produção industrial. Entre esses institutos, destacam-se o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares de São Paulo (Ipen), a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ (Coppe), o Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), entre outros.
Um programa destinado a desenvolver um protótipo de reator a ser escalado e, posteriormente, fabricado comercialmente pela indústria local e montado por firmas de engenharia brasileiras poderia ser financiado com recursos provenientes da diferença entre os custos de geração de Angra III e Belo Monte.
Quanto à unidade de enriquecimento de urânio, em Rezende (RJ), nada impede que sua implantação seja completada e que o governo compre parte de sua produção, para acumular um estoque estratégico de urânio enriquecido a 3%, que é impróprio para fins bélicos, porém importante para ser usado futuramente, em usinas nucleares projetadas no Brasil, caso ainda não se tenha desenvolvido alternativa mais interessante para ser empregada quando o potencial hidrelétrico estiver plenamente aproveitado.
Notas
1 Nuclear Engineering International, 5 June 2007.
2 Agence pour l'énergie nucléaire de l'OCDE (http://www.nea.fr).
3 IEA Energy Technology Essentials – Nuclear Power – march 2007.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000300013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Joaquim Francisco de Carvalho pertence ao Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo. @ – jfdc35@uol.com.br
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo
Água o Brasil tem de sobra, mas...
Mal usado pelo planeta, precioso líquido corre o risco da escassez
HENRIQUE OSTRONOFFQuem olha as fotos de satélite que mostram toda a Terra, logo percebe que ela é azul, como bem disse Iuri Gagarin, o primeiro astronauta a ver o planeta a partir do espaço. Esse azul é a cor da água, que ocupa cerca de três quartos da superfície terrestre. No entanto, de todo esse enorme volume, apenas 2,53% é de água doce. E, desse total, só dois terços estão disponíveis para o consumo do homem e para as atividades voltadas para seu sustento, como a indústria, a agricultura e a pecuária. O restante se encontra imobilizado, pois constitui geleiras e neves perpétuas.
Essa porcentagem de água doce parece ínfima diante da grandiosidade dos oceanos, mas é mais do que suficiente para abastecer toda a população mundial, estimada hoje em mais de 6 bilhões de pessoas. No entanto, como demonstra um cenário montado pela Organização das Nações Unidas (ONU), a água doce, por não ser um recurso inesgotável e por estar sendo mal aproveitada, corre o risco de se tornar escassa no mundo todo. O quadro pode ficar dramático em escala global, como já acontece nas regiões mais áridas da Terra.
O estudo Água para Todos, Água para a Vida – Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Mundo –, publicado em 2003, explica: "Os recursos hídricos são renováveis (exceto certas águas subterrâneas), com enormes diferenças de disponibilidade e grandes variações de precipitação sazonal e anual em diversas partes do mundo. A precipitação constitui a principal fonte de água para todos os usos humanos e ecossistemas. Essa precipitação é recolhida pela vegetação e pelo solo, evapora-se na atmosfera mediante a evapotranspiração [fenômeno que combina a evaporação da água do solo e das superfícies líquidas e a transpiração dos vegetais] e corre para o mar através dos rios ou para os lagos e humedales [terras inundadas e inundáveis]. A água da evapotranspiração mantém os bosques, as terras de pastagem e de culturas não irrigadas, assim como os ecossistemas".
Segundo o texto, o homem retira 8% do total anual de água doce renovável e se apropria de 26% da evapotranspiração anual e de 54% das águas de chuva que não evaporam nem se infiltram na terra. "O consumo per capita de água aumenta (devido à melhora dos níveis de vida), a população cresce e, em conseqüência, a porcentagem de água utilizada é cada vez maior. Se se somam as variações espaciais e temporais da água disponível, pode-se dizer que a quantidade existente para todos os usos está começando a escassear, e isso nos leva a uma crise."
Para piorar a situação, a publicação da ONU informa que a disponibilidade de água doce vem se reduzindo por causa da poluição. O órgão estima que 2 milhões de toneladas de dejetos são depositados todos os dias nas águas – esgotos e resíduos industriais e agrícolas, como fertilizantes e pesticidas. O estudo, produzido por 23 agências do sistema das Nações Unidas e associações ligadas à questão da água, com a colaboração de governos, afirma ainda que nos últimos tempos têm havido grandes avanços na compreensão da natureza da água e de sua interação com o meio, dos efeitos decorrentes da mudança climática e dos processos hidrológicos. Isso tem garantido, até agora, recursos hídricos suficientes para as necessidades básicas da população e a redução dos riscos de situações extremas. O crescimento populacional e o desenvolvimento econômico têm, entretanto, pressionado o sistema hidrológico mundial e já são previstos desafios ante a falta progressiva de água e sua contaminação. Estima-se, então, que em meados deste século de 2 bilhões a 7 bilhões de pessoas poderão viver em situação de escassez.
A condição brasileira
Com os recursos hídricos de que dispõe, o Brasil não tem do que reclamar. O país detém as maiores reservas de água doce do planeta. De acordo com o documento Geo Brasil: Recursos Hídricos, que faz parte da série de Relatórios sobre o Estado e Perspectivas do Meio Ambiente no Brasil, produzidos pelo Ministério do Meio Ambiente, pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), dentro do território brasileiro estão 60% da bacia amazônica, que abriga um quinto de toda a água doce do mundo.
O potencial de vazão média anual dos rios brasileiros chega a 180 mil metros cúbicos por segundo, o equivalente a 72 piscinas olímpicas fluindo a cada segundo. São 28% do que dispõem as Américas em termos de recursos hídricos e 12% de toda a Terra. Isso sem contar as vazões provenientes de outros países, que, se somadas aos cursos de água com nascentes no país, fazem o Brasil atingir 18% desses recursos.
Dividindo-se a vazão apenas da água genuinamente brasileira pelo número de habitantes, chega-se a 33 mil metros cúbicos per capita por ano. Esse índice é 19 vezes superior aos 1,7 mil metros cúbicos anuais por habitante que a ONU estabelece como o mínimo para que um país não seja considerado em situação de esgotamento hídrico. Como nem todos os rios mantêm a vazão máxima durante o ano, o relatório estima que a disponibilidade efetiva seja de 92 mil metros cúbicos por segundo – volume que ainda deixa o Brasil numa situação confortável, considerando a atual demanda do país como um todo.
Com tanta água, pode-se pensar que as possibilidades de escassez no território brasileiro são ínfimas. Engana-se, porém, quem aposta nessa hipótese. "O Brasil já tem problemas de abastecimento. É o país mais rico em água do mundo, mas ela não se encontra necessariamente onde a população está", afirma Oscar Cordeiro Netto, diretor da ANA, autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e que tem por objetivo implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Cordeiro Netto lembra por exemplo o semi-árido nordestino, "onde a chuva é irregular, mal distribuída e muitas vezes a população não tem acesso à água".
As afirmações de Cordeiro Netto são corroboradas por outros números do Geo Brasil. Com vazão média de 145 mil metros cúbicos por segundo, as regiões hidrográficas Amazônica e Tocantins-Araguaia, ambas no norte do país, representam 81% dos recursos hídricos nacionais e em sua área abrigam uma população de aproximadamente 15 milhões de pessoas. Já as bacias do Parnaíba e do Atlântico Nordeste Oriental, ambas no nordeste, somam uma vazão média de 1,5 mil metros cúbicos por segundo, ou 0,8% do total, para cerca de 26 milhões de habitantes. Por outro lado, a região hidrográfica do rio Paraná, que inclui a quase totalidade dos estados de São Paulo e do Paraná, além de partes de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, conta com um potencial de vazão de 11,5 mil metros cúbicos por segundo, ou seja, 6,3% do total, para quase 60 milhões de habitantes, ou um terço da população do Brasil.
Cobrança
Há, ainda, outros dados do relatório Geo Brasil que dimensionam de maneira mais exata a questão da disponibilidade e uso da água no país. Consideradas apenas as vazões com 95% de garantia, ou seja, dos rios com perenidade quase absoluta, o índice de utilização da água é de 3,4%, ou seja, 1,5 mil metros cúbicos por segundo. Desse total, 840 metros cúbicos por segundo são consumidos efetivamente, não retornando às bacias hidrográficas. Somente a região da bacia do Paraná representa 30% da retirada e 23% do consumo do país. Enquanto isso, na região da bacia do Atlântico Nordeste Oriental, as retiradas superam a disponibilidade hídrica, inferior a 1,2 mil metros cúbicos per capita por ano, por causa da intermitência de seus cursos de água.
O maior consumo da água brasileira vai para as atividades agropecuárias, algo em torno de 53% do total dos recursos hídricos, sendo 46% para a irrigação e 7% para a criação de animais; o uso industrial corresponde a 18%; o consumo humano rural fica com 3% e o urbano representa 27%, ainda segundo dados do relatório Geo Brasil.
O uso dos recursos hídricos tem como principal e mais antigo instrumento de controle a outorga, que é concedida pelos governos federal e estaduais. Empresas industriais e agropecuárias necessitam dessa licença para poder retirar água dos rios e de outras fontes para sua utilização. No entanto, uma novidade foi estabelecida nos últimos anos, que é a cobrança pelo uso das águas de bacias hidrográficas federais, possibilitada pela PNRH, instituída por lei em 1997. Segundo o diretor da ANA, entidade que administra a cobrança, a medida é cabível, uma vez que a água é um bem público e é preciso orientar seu uso correto e evitar o desperdício. "O objetivo é melhorar as condições dos rios, e aqueles em que está havendo a cobrança estão comprometidos devido à poluição, ao uso intenso etc. Com a cobrança se busca utilização mais racional, de modo a evitar a contaminação das águas. O dinheiro arrecadado serve para financiar obras de controle da poluição e de aumento da disponibilidade", afirma Cordeiro Netto.
Ainda de acordo com o diretor da ANA, "a cobrança é feita sobre três fatores: a quantidade de água captada, a daquela que é consumida no processo e não é devolvida ao rio, e também a poluição orgânica que é gerada, ou seja, paga-se pelo total de poluição causada às águas". No entanto essa cobrança não deve ser confundida com um imposto, diz Cordeiro Netto, na medida em que só pode ser instituída depois da criação de um comitê de bacia hidrográfica e com um planejamento de destinação dos recursos arrecadados, normalmente voltados para a melhoria da qualidade das águas. "Os comitês são formados por três categorias: o poder público, a sociedade civil e os usuários. Não é um comitê chapa-branca, mas do qual a sociedade participa, por meio de ONGs, instituições de ensino e pesquisa, além daqueles que usam a água, como a indústria, as companhias de produção de energia e de saneamento, as prefeituras. Quem paga participa do comitê", afirma.
Na maior região metropolitana
Preocupado também com a qualidade e o uso racional da água, o Instituto Socioambiental (ISA), entidade voltada para questões do meio ambiente, tem chamado a atenção para a situação dos mananciais, especificamente os que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), por meio do seu Programa Mananciais.
A RMSP recebe água de oito sistemas produtores, dos quais os três principais são responsáveis por cerca de 60% do abastecimento. A represa Billings é o maior reservatório, com aproximadamente 100 quilômetros quadrados. Sua bacia se estende por mais de 500 quilômetros quadrados, em seis municípios da região. A bacia que forma a represa do Guarapiranga ocupa 630 quilômetros quadrados, em sete municípios da RMSP. E, por fim, há o sistema Cantareira – considerado um dos maiores produtores de água do mundo –, que inclui seis represas e está localizado parte no estado de São Paulo, na região do município de Bragança Paulista, parte em Minas Gerais.
Segundo a geógrafa Pilar Cunha, diretora adjunta do programa, a situação do abastecimento de água na maior concentração urbana do país é preocupante. "A RMSP é uma região com grande escassez de água. A disponibilidade hídrica por habitante é igual ou inferior à de alguns estados do nordeste, como Pernambuco, muito associado à situação de seca", diz Pilar. A estudiosa explica que isso se deve a uma conjugação de fatores. "A RMSP está localizada na cabeceira dos rios, na região de nascente do rio Tietê, uma configuração natural que faz com que haja menos água disponível. A população atendida é de 20 milhões de habitantes, e essa combinação de muita gente com pouca água é muito delicada. Além de tudo isso, historicamente a relação das cidades com os rios fez com que quase todas as fontes de água ficassem poluídas, tanto que muitas delas não podem mais ser utilizadas. Embora tenham sido usadas como mananciais no passado, atualmente são esgotos", explica.
Pilar diz que tanto a Billings como a Guarapiranga, localizadas dentro da área urbana, estão muito prejudicadas pelo impacto que sofrem da ocupação urbana em seu entorno, a maior parte irregular, e por causa da poluição provocada pela falta de saneamento básico. "No caso da Guarapiranga, o tratamento da água depende de tecnologia avançada, para poder dar conta do nível de poluição já existente, devido ao esgoto doméstico. Já na Billings, embora esse problema também esteja presente, a principal fonte de poluição vem do rio Pinheiros [que atravessa uma parte da cidade de São Paulo], porque durante muito tempo seu curso era revertido, bombeado para dentro da represa para poder gerar energia na usina de Henry Borden, na Baixada Santista. Atualmente o bombeamento é proibido, mas sempre que ocorre chuva intensa essa prática é retomada para evitar enchentes", afirma ela.
No caso do sistema Cantareira, Pilar explica que ali é produzida água de melhor qualidade, pois o sistema está localizado numa região de cidades de pequeno e médio portes, com menor impacto da ocupação urbana, embora também existam riscos. "Há atividades econômicas que vêm crescendo na região – industriais, agrícolas, além de áreas de pastagem – e poucos remanescentes de mata atlântica. A tendência é de piora, devido ao uso, o que já vinha se verificando na última década".
Por causa dessa situação, o ISA vem desenvolvendo estudos sobre os mananciais desde 1996, com a produção de diagnósticos socioambientais das bacias hidrográficas e o acompanhamento de políticas públicas propostas para a área. Pilar explica que o instituto adotou cinco linhas de atuação para tentar reverter a situação dos mananciais.
A primeira é implantar saneamento básico na região das bacias, o que proporcionaria melhora da qualidade de vida para as pessoas e diminuiria a poluição da água. Pilar argumenta que não é possível tirar 2 milhões de pessoas, mesmo em situação irregular, do entorno da Billings e da Guarapiranga. Outra providência é controlar o crescimento das cidades sobre as áreas de mananciais: "Não adianta tentar resolver o que já está estragado se não procurarmos evitar que novas ocupações ocorram, que o problema continue crescendo", afirma ela. A terceira linha diz respeito à preservação das coberturas vegetais ainda existentes junto às duas represas. A criação de unidades de conservação poderia ajudar a manter os cerca de 40% remanescentes de mata atlântica da Guarapiranga e os 50% da Billings. Outra diretriz é reivindicar que os dois reservatórios voltem, como no passado, a servir como áreas de lazer para a população. "Uma forma de envolver as pessoas é dar acesso, fazer com que elas possam conhecer, visitar essas represas", diz.
A quinta linha visa mobilizar os consumidores de água que vivem na RMSP. "A nosso ver, se as pessoas não se envolverem com essa questão, a realidade não mudará. Então, um dos grandes objetivos da campanha e da atuação do ISA é fazer com que as pessoas conheçam o problema e saibam o que fazer no seu dia-a-dia, como exercer pressão política, participar dos comitês de bacias, entre outras ações", afirma Pilar. Em novembro de 2007, o instituto lançou a campanha "De Olho nos Mananciais", que tem como estratégia promover atos públicos pela preservação desses recursos naturais e atividades que mobilizem as pessoas em torno do tema. Eventos como abraços simbólicos em represas e expedições fotográficas têm atraído milhares de pessoas, assim como o site da campanha, que neste ano já recebeu cerca de 100 mil visitas.
A próxima ação prevista relaciona-se às eleições municipais deste ano. O ISA está preparando uma plataforma sobre mananciais para apresentar aos candidatos a prefeito dos 39 municípios que compõem a RMSP, dos quais 21 abrigam área de manancial, e também aos dos municípios que integram o sistema Cantareira. "É importante que isso entre na pauta das eleições, porque as prefeituras têm grande responsabilidade sobre várias questões ligadas à água e ao abastecimento público. Vamos promover eventos e debates para ver se conseguimos o compromisso dos candidatos com essa pauta", diz Pilar.
set/out 2008
Revista Problemas Brasileiros
As hidrelétricas, fontes predominantes de energia elétrica na matriz energética brasileira, têm de ser urgentemente repensadas no atual contexto de escassez iminente de água em nível global, levando também em consideração o imenso impacto ambiental que causam
REINALDO CORREA COSTA
REINALDO CORREA COSTA
As barragens de rios para os mais diversos fins fazem parte da história da humanidade. Evitar e/ou controlar enchentes e secas, facilitando a agricultura, é apenas um exemplo. As barragens de rios para construção de hidrelétricas são um fato recente na história da humanidade, as primeiras são do século XIX, nos EUA; no Brasil, as primeiras também são desse período. No início do século XX houve um aumento de barragens de rios para fins de produção de energia, mas foi após a Segunda Grande Guerra que houve um incremento das hidrelétricas como elemento do processo de industrialização das economias, que se apropriam dos rios, suas cachoeiras e corredeiras para gerar energia.
A energia elétrica faz parte do cotidiano de muitas pessoas, seja porque traz algum conforto como luz elétrica, uma necessidade em hospitais, universidades, entre outros; lucro para o setor elétrico, geração de empregos, ou danos para os expropriados e atingidos por barragens, sejam índios, camponeses e mesmo cidades que são abandonadas para a formação do reservatório.
Há alguns índices de desenvolvimento que examinam o consumo per capita de energia elétrica como indicador de qualidade de vida, o que é questionável, pois índios e camponeses têm a satisfação de suas necessidades materiais com baixo consumo de eletricidade, e alguns moradores de favelas vivem em condições piores, mas com um maior consumo de energia se comparado a eles, ainda que a fonte da energia sejam os "gatos" (captura ilegal de energia dos postes), ou seja, não gastam seu pouco dinheiro no pagamento da conta de luz elétrica. Há uma forte ideologia de que eletricidade é sinônimo de conforto e status social, pois isso está associado ao consumo de bens industriais, como fornos micro- ondas, secadoras de roupas, torradeiras, aparelhos de som, entre tantos outros.
Repotencialização
Ou Repotenciação é a ação de recuperar equipamentos desgastados de velhas usinas. Segundo o professor de Pós- Graduação em Energia do IEE-USP (Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP), Célio Bermann, a repotencialização pode aumentar em 8 mil megawatts o potencial gerado de uma usina elétrica.
Os equipamentos que podem ser trocados são em geral o rotor, as turbinas e o gerador. O custo da repotenciação é incrivelmente inferior ao da construção de uma usina nova. Sem mencionar que não é preciso a construção de novas áreas represadas.
Uma hidrelétrica tem que estar sempre em manutenção, desde a conservação das turbinas, que podem ser corroídas pelas águas ácidas de um rio, até a formação de sedimentos, pressão d'água sobre a barragem, infiltrações, repotencialização (a maior parte das turbinas brasileiras tem mais de 20 anos) para um maior aproveitamento da energia. Devese acrescentar a isso o sistema de transmissão, que precisa de manutenção constante e um aproveitamento maior para evitar a perda de energia durante a circulação nos linhões. A Comissão Mundial de Barragens considera normal a perda de 6% de energia na transmissão. O Brasil perde aproximadamente 15%, de acordo com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). O órgão ainda especifica que o setor industrial desperdiça 31% de energia e o setor residencial, 25%.
Segundo a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), o setor industrial desperdiça 31% de energia e o setor residencial, 25%.
Os impactos das hidrelétricas são pontuais (o sítio do barramento), lineares (pelos corredores das linhas de transmissão) e areolares (do lago artificial e seu entorno). Quanto aos lucros, são concentrados nas empresas, são territorializados monopolisticamente e também são monopólios dos territórios, via o instrumento de enclave, pois a produção não se insere na realidade do sítio da obra, para pequenas cidades, camponeses e índios e o que ocorre é que as linhas de transmissão passam por sobre as cabeças daqueles que ainda usam a lamparina, como é o exemplo de Tucuruí e Balbina, e até há bem pouco tempo, a Usina de Porto Primavera (SP). O mesmo acontece com os preços das terras, umas são desvalorizadas e outras supervalorizadas especulativamente.
Bases de uma crítica
A ação da política energética no Brasil, especialmente na Amazônia, tem a particularidade de não produzir somente energia hidrelétrica; produz também impactos ambientais. Para os criadores, subvencionadores e administradores da política energética, os povos são encarados como um problema a ser resolvido para a instalação de algum projeto, e é por isso que a perspectiva de ver os atingidos como cidadãos é negada, por isso que não é energia limpa, pois "suja" o ambiente com os impactos ambientais e gera pobreza.
As hidrelétricas na Amazônia brasileira infelizmente não podem ser consideradas "empreendimentos-modelo" de desenvolvimento. Um bom exemplo é a Usina de Balbina (AM), que alagou grande parte da floresta, causou tremendos impactos socioambientais e que não gera nem energia suficiente para abastecer Manaus.
As hidrelétricas na Amazônia brasileira infelizmente não podem ser consideradas "empreendimentos modelo" de desenvolvimento. Um bom exemplo é a Usina de Balbina (AM), que alagou grande parte da floresta, causou tremendos impactos socioambientais e que não gera nem energia suficiente para abastecer Manaus.
Não se pode analisar a produção de energia de um País do tamanho e das características físicas e sociais do Brasil apenas sob critérios econômicos. Precisam ser analisados a região e o conjunto social envolvidos no projeto para além do lugar da produção. O discurso numérico de que um determinado número de megawatts será produzido não representa o conjunto de impactos gerados (econômicos, ambientais, sociais, entre outros), para objetivos diversos, por exemplo: tem-se que ter energia em quantidade compatível com o tamanho do consumo; de que adianta produzir megawatts se o mercado próximo consome em kilowatts, e não há subestações e transformadores para baixar a quantidade de energia? Como fazer isso se não há um programa efetivo de democratização e uso social da energia produzida?
Elementos de análise
No aspecto geográfico, não há nenhuma grande obra que provoque grandes alterações no meio natural e social como as barragens de grande escala, principalmente em ambiente tropical. O lago artificial torna-se um elemento novo na paisagem, e isso tem reflexo na estrutura social e econômica. Geralmente, as barragens vêm acompanhadas de planos que não saem do papel. Tais planos dizem que junto com a hidrelétrica virão os mais variados tipos de usos com a produção de energia elétrica, aumento da área navegável dos rios, irrigação, piscicultura, turismo, entre outros. Mas não se comenta a formação de pobreza. Para entendermos a realidade das hidrelétricas temos que vê-las em suas totalidades, assim alguns elementos da análise se fazem necessários, tais como: espaço total; clima; geomorfologia-geologia; hidrografia; situação geoeconômica; mercado; capitais, impactos das hidrelétricas; espaços herdados da natureza e alterações territoriais. Resumidamente, a seguir:
O Espaço Total: é um conceito que deve ser elaborado em cada situação, mas com base no histórico das territorialidades existentes, a dinâmica dos fatores naturais em conjunto com as ações sociais e o planejamento da obra como forma de uma organização espacial que respeite as territorialidades locais e sirva para justiça social nos espaços da obra.
Clima: a maior parte do contexto hidrológico é resultado das condições climáticas. Os estudos do(s) clima(s) da bacia hidrográfica serão os responsáveis pelas informações do melhor uso do vale fluvial. O regime pluvial que age mais imediatamente não é uniforme sobre a bacia, pois existem os períodos de chuva e de estio. Entender se há uma perturbação no clima, via desmatamento e/ou emissão de gases e particulados, entre outros.
Geomorfologia-Geologia: lagos artificiais com quilômetros de extensão fazem agressão maior ao meio ambiente. A fonte do material para a construção de barragens também deve ser pensada, de onde conseguir areia, pedra, madeira em quantidades gigantescas? A capacidade do reservatório, além do que a bacia de acumulação não pode ter falhas geológicas. Outro fator que pode alterar a capacidade do reservatório é a sedimentação no seu leito pelo material carreado pelo fluxo do rio, oriundo de margens desmatadas sujeitas à erosividade/erodibilidade.
Hidrografia: o sistema hidrográfico deve ser compreendido em seu espaço total como relevo, bacia hidrográfica, solo, subsolo, fauna, flora e composição social. Isso para obter o máximo de informações da área afetada, partindo do item principal, a bacia hidrográfica como vetor de uma intervenção social. As variações climáticas, que ocorrem em algum ponto da bacia hidrográfica são fatos influenciadores do quadro de aproveitamento ou não de suprimento de massa de água para produção de energia e controle do nível do reservatório.
Situação Geoeconômica: a infraestrutura essencial para a criação ou expansão de energia elétrica é, para o espaço total da obra, uma importante matriz de transformações em quase todas as escalas sociais. Isto deverá ser pensado no sentido de se justificar, dentro do quadro de responsabilidade ética e social, a necessidade ou não de fazer o empreendimento. Aí se incluem o espaço total da obra e os custos para a sociedade nacional frente ao capital mundializado, pois a energia produzida irá para as grandes empresas/indústrias mundializadas, sejam nacionais ou não.
Mercado: uma usina hidrelétrica é uma fábrica de energia, portanto, um empreendimento industrial, e por isso não pode, para o bem da sociedade democrática, se descuidar da agressividade dos mercados financeiros. É necessário pensar na lucratividade que justifique e repare os danos ambientais (sociais e naturais) e o gasto efetivado; faz-se necessária uma maior e efetiva distribuição da energia elétrica para todos, sem distinção de classe social ou meio rural ou urbano e com condições compatíveis de uso/pagamento para cada classe.
Porto Velho (RO) - Vista aérea da BR-364, rodovia que terá cerca de 20 quilômeros inundados se forem construídas as usinas de Santo Antônio e Jirau, segundo o Ibama. Ao fundo, o rio Madeira, para o qual estão projetadas as hidrelétricas
No aspecto geográfico, não há nenhuma grande obra que provoque grandes alterações no meio natural e social como as barragens de grande escala, principalmente em ambiente tropical. O lago artificial torna-se um elemento novo na paisagem, e isso tem reflexo na estrutura social e econômica.
Os Capitais: o investimento de capital para a escolha do projeto definitivo é feito com base na fisiografia, e não pelo capital, embora seja este que escolha dentro do quadro fisiográfico o sítio mais bem adequado ao seu retorno valorizado e ampliado do lucro. O estudo da viabilidade e retorno social e econômico da usina deve ser verificado ao máximo de rendimento pela produção total, pela capacidade plena de geração de energia.
Impactos das Hidroelétricas: durante a construção da barragem, a paisagem afetada pela obra modifica-se. Tirar-se terra e rochas de um ponto e esse ponto provedor de matéria-prima deve ser pensado no conjunto da obra, para colocá-las em outro lugar; o rio é retirado de seu leito original, por um desvio e as ensecadeiras são construídas, uma enchente não prevista pode arruinar tudo; os acidentes de trabalho devem ser evitados ao máximo. Com a barragem, todo o espaço total preexistente é alterado, os agroecossis agroecossistemas são submersos, roças, pastos, casas, florestas; nasce uma nova paisagem aquática, há outra estratificação térmica fluvial (hipolímnio, metalímnio e mesolímnio).
Espaços Herdados da Natureza: a um comprometimento nos geossistemas, a vida silvestre em seus diversos habitats é alterada pelo lago artificial e a fauna ictiológica fica comprometida, principalmente em sua diversidade de espécies. Muitos peixes morrem pelas águas anóxicas e há uma perda incomensurável de biodiversidade e de propriedades fitoquímicas e de etnoconhecimento, que devem ser encaradas como estratégia para o desenvolvimento da produção de conhecimento em prol da sociedade nacional.
Alterações Territoriais: uma usina hidrelétrica ou hidrocentral, desde o seu processo de planejamento e construção até seu funcionamento, é uma das obras que um determinado grupo dominante impõe a outras classes sociais, apropriando-se da natureza e transformando-a. Para os grupos sociais mais fracos na articulação/implementação da usina a situação dificilmente permanece a mesma, geralmente piora, pois até recriarem os seus modos de vida, a situação econômica, as relações sociais, entre outras, podem levar décadas.
Revista Geografia
Nenhum comentário:
Postar um comentário