sábado, 27 de julho de 2013

REGIÕES POLARES

Gelo da Groenlândia e de parte da Antártida derreteu há 400 mil anos
Novo estudo aponta que isso teria ocorrido em uma época quente, quando o nível das águas locais subiu entre seis e 13 metros

Efe
O gelo da Groenlândia e do oeste da Antártida derreteu totalmente há 400 mil anos, em uma época quente na qual o nível das águas subiu entre seis e 13 metros, segundo um estudo publicado na revista "Nature".
AP
Durante o estudo, analistas estudaram todo o relevo litorâneo destes arquipélagos
A pesquisa analisou o gelo destas regiões e permitiu a obtenção de muita informação sobre as últimas centenas de milhares de anos, graças à paleoclimatologia, ciência que ganhou importância nos últimos anos uma vez que suas descobertas permitem calcular melhor o impacto da mudança climática na superfície terrestre.

Até agora se imaginava que o nível das águas tinha subido mais de 20 metros, mas o último estudo concluiu que foram entre seis e 13, segundo a análise a cargo de uma equipe de geólogos da Universidade de Colúmbia, em Nova York.

Segundo os cientistas, até agora se estimava que no Pleistoceno, época na qual se produziram quatro glaciações intercaladas com períodos mais quentes, o nível das águas nas ilhas Bahamas e Bermudas aumentou mais de 20 metros em comparação com o atual, devido a uma alta das temperaturas.

No entanto, os analistas estudaram o relevo litorâneo destes arquipélagos e concluíram que o crescimento das águas há 400 mil anos foi menor do que se pensava.

Na Antártida, onde em algumas áreas a massa de gelo alcança os cinco quilômetros de espessura sobre sua superfície rochosa, as geleiras se estendem além dos limites do continente e formam extensas camadas sobre as grandes baías do Oceano Antártico.

O aumento, segundo os cálculos de Maureen Raymo, paleoclimatóloga da Universidade de Colúmbia e autora principal do artigo, deve ter oscilado entre seis e 13 metros e aconteceu em grande parte porque as camadas de gelo da Groenlândia e da costa oeste da Antártida se "colapsaram", ou seja, derreteram totalmente.

Por outro lado, as camadas de gelo do leste do continente resistiram melhor ao aumento das temperaturas, já que nesta região a massa de gelo é maior e se comportou de forma mais estável frente às variações do clima ao longo da história.

Esta diferença entre regiões se deve ao fato de na Groenlândia e na costa oeste da Antártida "o clima não ser tão frio como ao leste e serem áreas mais próximas a um oceano de águas cálidas", explicou Maureen à Agência Efe.

Segundo a especialista americana, estes novos cálculos permitirão prever de forma mais precisa como a mudança climática atual afetará o nível das águas nos próximos anos.

Neste sentido, Maureen indicou que, embora suas estimativas sejam menores que as mantidas até agora, "um aumento do nível do mar entre seis e 13 metros na atualidade seria desastroso para nossa sociedade".

No presente, as camadas de gelo da Groenlândia e do oeste da Antártida são também as duas que derretem a maior velocidade, segundo diferentes medições realizadas por satélite, ressaltou Maurenn.

No entanto, como aconteceu no Pleistoceno, a camada do leste da Antártida volta a resistir melhor ao aumento global da temperatura terrestre, apesar dos geólogos continuarem preocupados com a perda de gelo ocorrida em suas regiões litorâneas nos últimos anos.
Jornal O Estadão
Hidrate-se com um iceberg
Empresário sugere usar os gigantes de gelo para acabar com a seca extrema em alguns locais do mundo
David Demer, NOAA / NMFS / SWFSC / PEAML
Recentemente, o empresário Georges Mougin virou notícia ao propor um plano de transporte de icebergs como fonte de água doce para regiões atingidas por secas.

Uma equipe de engenheiros de software da empresa Dassault Systèmes criou uma simulação de computador para Mougin. De acordo com os resultados, um rebocador pode transportar um iceberg de sete milhões de toneladas, envolto em uma saia de isolamento, de Newfoundland, no Canadá, para as Ilhas Canárias ─ que atualmente utilizam dessalinização para lidar com suas periódicas faltas de água ─ por cerca de US$ 9,8 milhões. A viagem de 5.500 km, durante a qual o iceberg perderia cerca de 38% de sua massa, demoraria de quatro a cinco meses.

Embora a simulação de computador mostre como seria possível transportar um iceberg sem ele derreter totalmente, o plano de Mougin não é a solução financeiramente mais acessível para aliviar a seca em áreas como o Texas ou Somália. A simulação produz 4,3 milhões toneladas de iceberg a um custo de quase US$ 10 milhões, o que corresponde a cerca de 23% de centavo de dólar por litro. Pode parecer um custo relativamente baixo, mas não em comparação com o método comum de dessanilização da água do mar, que rende um litro de água doce para 9% de centavo.

A água do mar dessalinizada custa menos da metade em relação à água derretida do iceberg. Um método em desenvolvimento abaixa o custo de um litro de água potável para até 4,6% de centavo de dólar.

A simulação não parece estimar a pegada de carbono de uma viagem de 5.500 km feita por um rebocador movido a óleo diesel. A dessalinização da água pode ser feita mais perto da área seca, exigindo menos transporte.

No entanto, se a seca do Texas ficar em situação muito crítica, a sugestão de Mougin pode ser plausível para um generoso milionário do petróleo. Talvez o filantropo pudesse trazer um pouco de gelo para alguma festa, como Faisal fez em 1977. Na conferência, ele tinha um mini-iceberg enviado do Alasca a Ames por avião, helicóptero e caminhão. Por um preço de US$ 5.000, um símbolo de majestade da natureza foi quebrado e levado para flutuar em cima de bebidas frescas no Iowa.
Scientific American Brasil

Ferro de icebergs da Antártida pode reduzir aquecimento global



Gerald TraufetterPesquisa recente mostra que o derretimento dos icebergs no oceano ao redor da Antártida pode na verdade desacelerar o aquecimento global. As partículas de ferro que eles contêm alimentam as algas que absorvem o CO2. Poderia o cultivo artificial de algas nas águas frígidas ajudar a combater a mudança climática?

A pesca era fria e sem vida, sem nenhum peixe se debatendo na rede. Quando foi colocada no convés do HMS Endurance no Atlântico Sul, além da costa da Antártida, o único som foi um rangido abafado.

Então os pesquisadores polares pegaram marretas e começaram a trabalhar na pesca, um bloco de gelo medindo mais de 10 metros de comprimento. Eles lascaram o gelo até chegarem profundamente em seu interior, onde fizeram uma descoberta empolgante.

Sob um microscópio eletrônico, minúsculas partículas de ferro se tornaram visíveis. "Essas partículas medem apenas uma fração de milímetro", explicou o líder da equipe, Rob Raiswell, "mas elas têm grande importância para o clima global".

Um geoquímico da Universidade de Leeds, Raiswell partiu com navio quebra-gelo britânico Endurance visando investigar uma hipótese que há muito circula entre os pesquisadores polares. A idéia é de que os icebergs transportam minúsculas partículas de ferro dentro de sua massa congelada. À medida que os grandes pedaços de gelo derretem lentamente, eles liberam essas partículas no Oceano Sul. Lá, segundo a conjectura, esses compostos de ferro têm um efeito incrível, fertilizando as águas ao redor da Antártida.

Afundando o CO2 no fundo do oceano
O oceano que cerca o continente gelado é cheio de nutrientes como o nitrogênio. O único elemento que falta para estimular a formação de plânctons é o ferro. Até agora, o vento era a única fonte comprovada de ferro no Oceano Sul, soprando o óxido de ferro muito necessário e outros óxidos metálicos dos desertos dos continentes do Hemisfério Sul. Mas as quantidades transportadas por este método são minúsculas.

"Esta é a primeira vez que conseguimos comprovar a presença dos elementos em icebergs", explicou Raiswell. Com sua descoberta além da costa da Península Antártica, os cientistas revelaram um mecanismo poderoso que opera sob as ondas há milhões de anos: os icebergs fertilizam o oceano ao redor do Pólo Sul com partículas microscópicas contendo ferro. As algas podem florescer, e por sua vez elas absorvem o dióxido de carbono do efeito estufa da atmosfera da Terra via fotossíntese. Algumas das algas então afundam para o solo do oceano.

"Isso ajuda a desacelerar o aquecimento global", disse Raiswell. O pesquisador calculou a quantidade aproximada de CO2 eliminado por meio deste processo. Os icebergs, ele calcula, despejam atualmente 120 mil toneladas de ferro no Oceano Sul, fazendo com que 2,6 bilhões de toneladas de CO2 sejam removidos da atmosfera. A quantidade imensa corresponde aos gases do efeito estufa emitidos pelas chaminés das usinas elétricas, chaminés domésticas e escapamentos dos automóveis na Índia e Japão somados.

"A própria Terra parece querer nos salvar", prosseguiu Raiswell. Ele vê este processo de autocura como tendo potencial "significativo", apesar de "ser insuficiente" para deter o aquecimento global.

Fazendo as algas florescerem

Segundo os cálculos de Raiswell, o efeito aumentará nas próximas décadas, à medida que mais e mais gelo se desprender das camadas de gelo por causa da elevação das temperaturas. Isto está acontecendo especialmente ao longo da Península Antártica, que está vendo um rápido aumento das temperaturas de 2,5º C nos últimos 50 anos. Para cada ponto percentual de aumento na quantidade de gelo que se desprende, um adicional de 26 milhões de toneladas de CO2 é removido da atmosfera.

Enquanto isso, o gelo está se deslocando para fora do interior do continente antártico mais rápido do que nunca, se arrastando pelo leito rochoso e recolhendo óxidos de ferro como a schwertmanita. O ferro desses minérios então permite que as algas do oceano floresçam em maior quantidade.

Mesmo assim, esta fertilização natural de ferro não se aproxima da exploração do potencial pleno do Oceano Sul, rico em nutrientes mas pobre em ferro, de seqüestrar CO2. A área deficiente em ferro cobre 50 milhões de quilômetros quadrados. Se toda esta área fosse fertilizada artificialmente como vários milhões de toneladas de óxido de ferro, o oceano poderia remover 3,5 gigatoneladas de dióxido de carbono da atmosfera. Isso representa um oitavo das emissões anuais produzidas pela queima de petróleo, gás e carvão.

Entre os cientistas e ambientalistas, há muito está em desenvolvimento um plano para fertilizar o oceano ao redor da Antártida com sulfato de ferro, usando grandes navios-tanque. O plano é controverso, já que os ambientalistas temem que tamanha geoengenharia poderia causar um desequilíbrio do ecossistema. A oceanógrafa americana Mary Silver até mesmo previu a proliferação em grande escala de algas venenosas. Por este motivo, a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, em maio de 2008, pediu a moratória desses planos, pelo menos até que maiores resultados científicos estejam disponíveis.

Um novo projeto agora busca preencher esta lacuna de conhecimento. O navio quebra-gelo de pesquisa alemão, Polarstern, partirá da Cidade do Cabo para a Antártida no início de janeiro. O líder do projeto é Victor Smetacek, do Instituto Alfred Wegener para Pesquisa Polar e Marinha (AWI). Uma equipe indiana-alemã de 49 pessoas o acompanhará.

Manipulação do planeta
O plano é criar um florescimento artificial de plâncton ao norte da ilha de Geórgia do Sul usando várias toneladas de sulfato de ferro. "Será o maior florescimento produzido até hoje", disse Smetacek. Tão grande, de fato, que será possível vê-lo do espaço com satélites especiais, e atrairá grandes quantidades de krills do sul.

Smetacek planeja fazer um grande esforço metrológico para investigar quanta alga de fato afunda para o fundo do oceano. Para isso, ele se concentrará em uma espécie particular de alga que cresce ao longo da costa. Os esporos desta espécie são revestidos por uma concha de dióxido de silício e também incorporam o dióxido de carbono em suas partes orgânicas internas. Quando os esporos afundam na água, mesmo os peixes dificilmente conseguem digeri-los. "Logo, o gás do efeito estufa certamente permanecerá fora da atmosfera da Terra por várias centenas de anos", explicou Smetacek.

Ele também sugeriu a criação de uma autoridade nas Nações Unidas para supervisionar futuros projetos de fertilização com ferro realizados para salvar o clima. O pesquisador não quer deixar este assunto nas mãos da iniciativa privada, permitindo que empresas simplesmente comprem sua isenção de outras obrigações relacionadas ao clima com um navio-tanque cheio de sulfato de ferro. "A questão é complexa demais para não ser supervisionada por cientistas", ele disse.

Para os críticos que chamam isto de uma manipulação excessiva do funcionamento natural do planeta, Smetacek responde: "As objeções deles desaparecerão quando nossa impotência diante da mudança climática ficar aparente".

DER SPIEGEL

Gelo Inquieto

Água líquida abundante descoberta sob os maiores mantos de gelo do mundo pode intensificar o efeito desestabilizador do aquecimento global. Mesmo sem se dissolver, enormes volumes de gelo podem mergulhar no mar e elevar seu nível de forma catastrófica
por Robin E. Bell
SEBASTIAN COPELAND, www.antarcticabook.com
ENORMES PLATAFORMAS FLUTUANTES ao largo da península Antártica marcam o fim de um grande deslizamento de gelo. O movimento começa com nevascas no interior do continente. A neve se compacta formando gelo e lentamente se desloca para as bordas do continente, de onde mergulha no oceano. À medida que as mudanças climáticas aceleram o colapso de plataformas, também estimulam esse movimento rumo ao mar

Enquanto nosso laboratório aéreo de pesquisa, o P-3, sobrevoava a superfície gelada do mar de Weddell, eu estava grudada ao chão. Deitada de bruços observava atentamente através da vigia inferior focas, pingüins e icebergs se aproximando e se afastando do campo de visão. De uma altura de 150 metros tudo parecia reduzido, exceto as enormes plataformas de gelo – aparentemente intermináveis, flutuando no oceano Austral que envolve todo o continente antártico.

Em meados dos anos 80 todos os nossos vôos eram de reconhecimento: dispúnhamos de 12 horas no ar, desde a saída da base, no sul do Chile. Esse tempo era mais que suficiente para discutir com os pilotos eventuais pousos forçados nas plataformas de gelo. Não era conversa fiada. Mais de uma vez perdemos um de nossos quatro motores, e em 1987 uma rachadura imensa foi vista durante muito tempo ao longo da borda da plataforma de gelo Larsen B, fora da península Antártica – deixando claro que, no caso de um pouso de emergência, o contato com o solo não seria suave.

A rachadura também nos fez pensar: estaria o oceano abaixo dessas plataformas de gelo suficientemente aquecido para permitir que elas se rompessem, mesmo que tivessem permanecido estáveis por mais de 10 mil anos?


BRIAN MARANAN PINEDA

BASTA ACRESCENTAR ÁGUA: Não precisa derreter. O nível de água no copo da esquerda sobe quando se adiciona gelo (centro). Quando o gelo derrete, o nível da água permanece o mesmo (direita). O nível global dos oceanos sobe da mesma forma quando o gelo desliza do solo e flutua no mar

Quase uma década depois, Ted Scambos, meu colega do National Snow and Ice Data Center, em Boulder, Colorado, começou a notar uma mudança nas imagens do satélite meteorológico nos mesmos mantos de gelo que eu havia observado do P-3. Manchas escuras, como pintas na pele, surgiam na monótona brancura de gelo. Imagens coloridas posteriores mostraram que as pintas escuras eram áreas de um azulescuro brilhante. As mudanças climáticas globais estavam aquecendo a península Antártica mais rapidamente que em qualquer outro lugar na Terra, e em partes da superfície de gelo da Larsen B estavam se formando lagos azuis devido ao derretimento do gelo. Os glaciólogos Gordon de Q. Robin, recentemente falecido, e Hans Weertman, da Northwestern University, haviam sugerido, várias décadas antes, que a água da superfície provocaria o colapso de plataformas de gelo. Scambos percebeu que a água represada poderia realmente fazer isso. Esculpindo seu caminho pela plataforma de gelo até o oceano abaixo, provocaria o colapso de toda a plataforma. Mas, até aquele momento, nada havia ocorrido.

Nada, até o começo do verão antártico de 2001-2002. Em novembro de 2001 Scambos recebeu uma mensagem de Pedro Skvarca, glaciólogo do Instituto Antártico Argentino, em Buenos Aires, que estava tentando realizar um trabalho de campo na Larsen B. Havia água por todos os lados. Formavam-se rachaduras profundas. Skvarca reclamava que era impossível se deslocar pela superfície. No fi m de fevereiro de 2002, os lagos começaram a desaparecer. A água estava de fato escavando seu caminho através do manto de gelo, e os lagos haviam secado. Mas pela metade de março imagens surpreendentes de satélite mostraram que mais de 3.300 km2 da Larsen B, um bloco equivalente a quase três vezes a área do Rio de Janeiro, haviam se fragmentado. Nada mais restou dele, senão uma multidão de blocos de gelo. Nosso local de pouso de emergência, estável durante milhares de anos, havia desaparecido. Em 20 de março, imagens impressionantes do colapso da plataforma de gelo, feitas por Scambos, apareceram na capa do
New York Times.

JAMES BALOG Aurora Photos

NO MANTO DE GELO DA GROENLÂNDIA
 a grande quantidade de água na superfície, decorrente do derretimento de gelo pelo ar aquecido, é retratada de forma dramática nas duas fotos. No verão a superfície de gelo fica salpicada por lagos, como o que aparece acima, com centenas de metros de extensão, e fraturado com inúmeras fendas. Uma torrente de água escoa para dentro de um moulin, orifício profundo no gelo (abaixo), e escava seu caminho até o fundo do manto, onde ajuda a acelerar o fluxo do gelo. As plataformas de gelo flutuante da Antártida também estão acumulando água na superfície.

Repentinamente, a possibilidade de que o aquecimento global pudesse provocar mudanças rápidas no gelo polar tornou-se realidade. Em agosto seguinte, como um reforço a essa possibilidade, a extensão de gelo oceânico antártico atingiu uma baixa histórica, e no verão o derretimento do manto de gelo da Groenlândia superou tudo que já se tinha observado. Na Groenlândia, as águas liberadas pelo gelo derretido também fluíam pelas rachaduras e abriam buracos no gelo, conhecidos como moulins (moinhos, em francês) – e depois provavelmente, se precipitavam até a base do manto de gelo, levando com elas o calor do verão. Lá, em vez de se misturar com a água do mar, como aconteceu no colapso da plataforma glacial Larsen B, a água provavelmente se misturou com lama, formando uma massa pastosa que foi suavizando o caminho pelo leito de pedras, “engraxando” ou lubrificando a fronteira entre gelo e rocha. Por alguma razão, o manto de gelo gigante da Groenlândia estava sendo acelerado através da sua ancoragem rochosa em direção ao mar.

Mais recentemente, como parte das investigações programadas para o Ano Polar Internacional (IPY), também rastreamos os meandros de um sistema de “encanamento” de água na base dos grandes mantos glaciais da Antártida. Embora provavelmente boa parte da água líquida que provoca o deslizamento do manto de gelo na Antártida não provenha da superfície, ela produz o mesmo efeito lubrificante. E lá também parte das camadas de gelo sofre um deslizamento acelerado e colapsos constantes.

Por que esses processos são tão perturbadores e por que é importante compreendê-los? Um terço da população mundial vive abaixo ou até 90 metros acima do nível do mar e a maioria das grandes cidades do planeta situa-se próximo ao mar. Para cada 615 km3 de gelo que se rompem das geleiras e caem no mar, o nível global das águas sobe cerca de 1,6 mm. Isso pode não parecer muito, mas considere o volume de gelo concentrado hoje nos três maiores mantos de gelo do planeta. Se o gelo do oeste antártico desaparecesse, o nível do mar subiria quase 5,7 metros; o gelo do manto da Groenlândia acrescentaria a esse valor 7,2 metros e o manto leste da Antártida poderia acrescentar outros 51 metros ao nível dos oceanos do planeta: mais de 64 metros, ao todo. (A título de comparação, a Estátua da Liberdade, dos pés à ponta da tocha, mede cerca de 45 metros de altura.) A água líquida desempenha um papel crucial nos movimentos internos e nos fluxos dos mantos de gelo em direção ao mar. Saber como a água líquida se forma, por onde escoa e como as mudanças climáticas globais podem intensificar seus efeitos no gelo polar do planeta são questões de enorme importância para prever – e preparar-se para – as conseqüências do aquecimento global sobre o nível dos oceanos.

Estrondos no GeloHá muito tempo os glaciólogos têm conhecimento de que os mantos de gelo estão se movendo, mas supunham que essas mudanças eram graduais. No cenário ideal um manto de gelo acumula neve – formada basicamente pela evaporação da água do mar – no seu centro e devolve ao mar à sua volta uma massa aproximadamente igual, pelo derretimento e formação de icebergs. Na Antártida, por exemplo, cerca de 90% do gelo que atinge o mar é transportado por verdadeiras correntes de gelo, gigantescas esteiras rolantes com a espessura do manto das vizinhanças (entre 1 km e 2 km) e perto de 100 km de largura, e se estendem “correnteza acima” por mais de 800 km do mar. As correntes de gelo se deslocam em solavancos, em um movimento de deslocamento/estacionamento, produzindo fendas nas laterais à medida que avançam. Próximo das margens do manto de gelo as correntes se deslocam tipicamente a uma velocidade entre 195 e mil metros por ano enquanto o gelo das redondezas mal se mexe.

Mas os mantos reais não estão permanentemente estáticos no planeta. Estudos de núcleos de gelo, por exemplo, sugerem que o manto de gelo da Groenlândia em um passado remoto foi menor que hoje, particularmente durante o período interglacial mais recente, há 120 mil anos, quando as temperaturas globais eram amenas. Em 2007, Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, liderou um grupo internacional em busca de evidências de ecossistemas ancestrais, preservados no DNA, na base do manto glacial. As descobertas revelaram que a Groenlândia foi coberta por coníferas há pouco mais de 400 mil anos, onde viviam invertebrados como besouros e borboletas. Em resumo, o aumento das temperaturas globais provocará uma retração da Groenlândia.

Nos últimos cinco anos os pesquisadores desenvolveram duas idéias sobre os processos que poderiam provocar a aceleração de fluxos de gelo. A primeira é que uma corrente de gelo pode ser rapidamente acelerada se sua base encontrar lama, água líquida ou até lagos profundos que lubrifiquem continuamente o seu percurso. A segunda é que se plataformas de gelo a caminho do mar (flutuando no oceano Austral em torno da Antártida) ou línguas de gelo (plataformas de gelo longas e estreitas presas a uma geleira de descarga, comuns na Groenlândia) se romperem, sua massa não conseguirá mais deter o fluxo das correntes de gelo. As geleiras que alimentam a plataforma glacial Larsen B, por exemplo, se aceleraram dramaticamente depois que o manto de gelo colapsou em 2002. Assim, “desimpedidas”, as correntes de gelo e as geleiras provavelmente aceleraram sua migração em direção ao mar, para aumentar seu volume global.

Há muito tempo os glaciólogos reconheceram um terceiro tipo de mecanismo que acelera o fluxo das camadas de gelo. Assim como as geleiras se aceleraram quando a Larsen B colapsou, uma plataforma de gelo se acelera se as correntes aquecidas do oceano tornarem mais fina a plataforma sobre a qual o manto de gelo desliza. Na região do marde Amundsen, no oeste antártico, a superfície do manto de gelo está afundando cerca de 1,5 metro por ano e a aceleração do manto aumentou cerca de 10%. Esses dois efeitos provavelmente se devem ao afinamento da plataforma de gelo.

“Engraxando as Derrapagens”O colapso da plataforma glacial Larsen B e a associação igualmente alarmante entre a repentina drenagem de água da superfície na Groenlândia e os fluxos acelerados nos mantos de gelo me inspiraram e a vários colegas a concentrar esforços no estudo do papel que a água líquida exerce sobre os mantos de gelo. Estamos propensos a acreditar que a água líquida que tem mantido o ritmo do movimento do gelo rumo ao mar e as nevascas no interior ajudaram a manter o equilíbrio dinâmico dos mantos de gelo em alguns casos durante milhões de anos. Nas correntes de gelo do oeste antártico, por exemplo, a água lubrificante se torna líquida na base do manto de gelo devido ao calor proveniente do atrito entre o gelo em movimento e o leito rochoso abaixo dele. No leste antártico a água se liquefaz na base do manto de gelo basicamente devido ao calor da crosta continental inferior. Nessa região, o gelo é tão espesso que passa a funcionar como uma manta isolante, capturando o calor geotérmico. Toda essa água subglacial representa um enorme potencial para a instabilidade dos movimentos de gelo. Os glaciólogos não imaginavam que eventos como o colapso da Larsen B pudessem ser responsáveis mais prováveis pela aceleração das taxas de fluxo das correntes de gelo.

A idéia de que a base do manto de gelo poderia derreter surgiu em 1955, quando Gordon Robin sugeriu que o calor geotérmico é capaz de produzir quantidades significativas de água subglacial, desde que o manto de gelo acima seja suficientemente espesso para isolar a base de sua superfície fria. Mas essa idéia não foi confirmada até os anos 70, e posteriormente o foi de forma alarmante. Nessa época o radar de penetração no gelo já estava desenvolvido o suficiente para permitir “ver” através do manto até a superfície subjacente abaixo. Robin formou um grupo de pesquisadores para coletar dados utilizando o radar a bordo de uma aeronave que voava em um vai-e-vem sobre o continente antártico. A maior parte do tempo o sinal de retorno do radar captado por um osciloscópio a bordo era irregular, como seria de esperar para sinais ecoando em montanhas e vales cobertos por grossas camadas de gelo. Em alguns pontos, no entanto, era como se alguém tivesse desenhado uma linha reta na tela do osciloscópio. O sinal do radar estava sendo refletido por uma superfície semelhante a um espelho. Robin concluiu que essa superfície deveria ser água sob o manto de gelo. Os dados de radar mostraram que parte dos “espelhos” subglaciais persistiam por mais de 30 km, mas ele não tinha idéia de sua verdadeira escala ou profundidade.

Uma vez mais, Robin teve de esperar quase duas décadas por uma nova tecnologia. Nos anos 90, a Agência Espacial Européia completou o primeiro mapeamento de grande escala da superfície de gelo. Olhando para a imagem, somos imediatamente surpreendidos por uma região plana no centro do manto de gelo. Cerca de 3 km acima da água, Vostok, a estação russa na Antártida, observa uma superfície de gelo que delineia os contornos planos de um lago. As dimensões do lago Vostok aparecem claramente agora: são 19.500 km2.

Encanamento Subglacial
A descoberta de lagos subglaciais mudou radicalmente a forma como os pesquisadores vêem a água sob o gelo. Mais de 150 lagos subglaciais foram localizados na Antártida até agora. O volume combinado desses lagos é de aproximadamente 30% da água de todos os lagos da superfície do planeta. Meus estudos sobre o lago Vostok, no leste da Antártida, em 2001, revelaram um sistema bastante estável. Nos últimos 50 mil anos houve um lento intercâmbio da água do lago com o manto de gelo abaixo, através de fusões e congelamentos sucessivos. Naturalmente, num passado mais remoto, as coisas podem não ter sido tão tranqüilas: evidências geológicas mostram que lagos subglaciais podem se esgotar repentinamente, em um único estertor, liberando quantidades enormes de água sob a superfície de gelo ou diretamente para o oceano. Vales imensos, com mais de 240 metros de profundidade circundam completamente o continente antártico como cicatrizes de inundações gigantescas.

Mas acreditava-se que Vostok e outros lagos subglaciais eram museus naturais, isolados do resto do mundo há milhões de anos. Em 1997 o primeiro indício de que essas inundações subglaciais ainda ocorrem surgiu no oeste da Antártida. A superfície do manto de gelo cedeu mais de 50 cm em três semanas. A única explicação plausível era que a água de um lago subglacial estava sendo drenada, o que fazia a superfície de gelo. Nesse mesmo ano um grupo liderado por Duncan J. Wingham, da University College London, também mediu, durante todo o ano, as elevações sobre a maior parte do gelo leste da Antártida. Em determinada área, o gelo tinha cedido cerca de 3 metros em 16 meses, enquanto a cerca de 300 km montanha abaixo duas áreas tinham se elevado aproximadamente 1 metro. Uma vez mais a explicação era óbvia: um rio subglacial tinha retirado a água de um lago e sua correnteza havia preenchido dois lagos mais abaixo.

Há pouco mais de um ano Helen A. Fricker, do Scripps Institution of Oceanography, em La Jolla, Califórnia, estava analisando medidas precisas de elevações da superfície feitas pelo satélite ICESat. Pouco antes de Fricker se ausentar durante um fim de semana, um dos perfi s do manto de gelo divergiu radicalmente. Uma região ao longo da borda de uma das maiores correntes de gelo do oeste da Antártida havia colapsado uma queda de quase 10 metros em 24 meses. Ao voltar do fim de semana Fricker examinou a superfície de gelo em torno do novo lago, o lago Engelhardt – e percebeu imediatamente que esse era mais um de uma série de lagos subglaciais em cascata. Grandes quantidades de água escoando através do sistema de encanamentos, sob as maiores correntes de gelo, podem se tornar mais um agente de mudanças rápidas no fluxo de uma corrente de gelo.

Efeito Lago
Mais ou menos na mesma época, com a suspeita de que lagos subglaciais poderiam afetar a estabilidade do manto de gelo, percebi que novas imagens de satélites facilitaram a localização desses lagos. Além disso, os modelos de mantos de gelo previam mais um conjunto de grandes lagos que ainda estava por ser descoberto e eu alimentava a expectativa de encontrá-los. Assim, com a ajuda de novas imagens e de dados de laser do ICESat, meus colegas e eu descobrimos quatro novos lagos subglaciais, três deles maiores que todos os outros juntos, exceto o Vostok.

Comparando com rios subglaciais e lagos colapsantes, “meus” quatro novos lagos eram pouco atraentes. Todos os novos resultados empolgantes no meu campo se concentravam nos movimentos rápidos do gelo polar e no potencial aumento que os mantos de gelo poderiam causar no nível do mar. Mesmo assim os lagos continuaram me desafiando. Eles estavam longe do centro do manto de gelo, onde ocorre a maioria dos lagos. Fendas e rachaduras se formavam ao longo das bordas de um lago; eu podia ver os campos de fendas nas imagens de satélite.

Fendas, como já mencionei, se formam quando uma corrente de gelo avança rapidamente sobre o manto de gelo. Olhando para as imagens eu podia ver linhas de fluxo na superfície de gelo que ligavam a região das fendas a uma corrente de gelo rápida conhecida como Recovery. A interferometria por satélite mostrou que essa corrente se acelerava a partir dos lagos. Antes de o manto de gelo atravessar os lagos, sua velocidade não chegava a 3 metros por ano. Do outro lado dos lagos, a camada de gelo se deslocava à velocidade de cerca de 20 a 30 metros por ano. Por isso os lagos pareciam estar provocando uma corrente de gelo na superfície do manto. Essas descobertas permitiram, pela primeira vez, que lagos subglaciais fossem diretamente relacionados à aceleração dos fluxos de gelo na superfície.

Ainda não estamos certos do porquê dessa relação. Talvez houvesse um escoamento lento dos lagos em suas bacias, fornecendo assim a água necessária para lubrificar a base do manto de gelo. Ou a água do lago poderia aquecer a base do manto à medida que atravessa o lago, facilitando a aceleração do gelo do lado mais afastado do lago.

Ano Polar InternacionalA idéia que tínhamos do papel da água nos mantos de gelo e dos lagos subglaciais mudou radicalmente nos últimos dois anos. Mas essa nova compreensão ainda está longe de ser completa. Uma das maiores metas do Ano Polar Internacional (IPY, em inglês) é avaliar o status dos mantos de gelo polares e determinar como poderão ser alterados em um futuro próximo. O relatório recente apresentado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) enfatizou que o grande ponto de interrogação na previsão dos efeitos do aquecimento global está na incerteza sobre o futuro do gelo dos mantos polares. Nenhum dos modelos climáticos utilizados até hoje leva em conta aspectos tão importantes como as correntes de gelo e nenhum deles incorporou um representação exata do fundo de um manto de gelo.

Somente por essas razões se pode dizer que a predição de mudanças futuras no nível do mar, a partir dos modelos climáticos atuais, subestima significativamente a futura contribuição dos mantos de gelo para a elevação do nível dos oceanos. No entanto, a atualização dos modelos através da quantificação dos movimentos do gelo ainda vai exigir grandes esforços de pesquisas futuras.

A coisa é simples. Se os glaciólogos não souberem o que está se passando no fundo dos mantos de gelo, não poderão prever como esses mantos se comportarão com o passar do tempo. E as questões-chave para essas previsões são: onde exatamente se encontra a água subglacial? Como ela se movimenta? Como afeta o deslocamento dos mantos de gelo?

O IPY oferece uma excelente oportunidade de respostas. Com mobilização de grupos científicos internacionais e a logística adequada, os pesquisadores poderão programar uma nova geração de radares aéreos para mapear a água subglacial. Novos instrumentos de gravidade serão adaptados para avaliar o volume de água dos lagos subglaciais. Medidas precisas da elevação da superfície do gelo permitirão monitorar o movimento da água. Sismógrafos instalados recentemente estarão atentos aos terremotos glaciais.

Na Groenlândia os glaciólogos vão instalar instrumentos para medir o movimento do manto de gelo através das maiores geleiras de descarga. O Center for the Remote Sensing of Ice Sheets, em Lawrence, no Kansas, vai fornecer um veículo aéreo não-tripulado para mapear sistematicamente a água na base do manto de gelo. No leste da Antártida, meu grupo vai colocar no ar o Twin Otter (Lontras Gêmeas) – um avião bimotor a hélice – que voará sobre os lagos Recovery e as montanhas Gamburtsev para descobrir por que os lagos se formam e como deslocam as correntes de gelo. Simultaneamente, um grupo formado por americanos e noruegueses, incluindo Ted Scambos, deverá cruzar os lagos Recovery, medir a velocidade do manto de gelo e o gradiente de temperatura ao longo do topo. Um grupo russo vai procurar obter amostras do lago Vostok; um grupo italiano se encarregará de estudar o lago Concórdia, no leste da Antártida; e um grupo britânico fará o levantamento de um lago nas montanhas Ellsworth no oeste da Antártida.

Todos esses esforços – em condições que continuam adversas para o trabalho humano – refletem o consenso e a urgência da comunidade científica internacional. Entender as mudanças que ocorrem nos mantos de gelo e como a água comanda essa dinâmica é crucial para o futuro de nossa sociedade.

CONCEITOS-CHAVE
- Os mantos de gelo ancorados no solo da Groenlândia e da Antártida contêm água suficiente para levar mais de 60 metros o nível global do mar.

- Sob os mantos de gelo, existe um complexo “sistema de encanamentos” formado por rios, lagos e água líquida. Essa água “lubrifica” o fluxo de vastas correntes de gelo que seguem rumo ao oceano.

- Durante milênios a descarga de gelo no mar tem sido contrabalançada por nevascas. Mas, com ar aquecido, ou a água lubrificando ainda mais, o fluxo remove as barreiras naturais, enormes quantidade de gelo abandonadas na direção do mar.

- Modelos que calculam potenciais elevações do nível dos oceanos devido às mudanças climáticas têm ignorado os efeitos de água subglacial e das enormes correntes de gelo na massa de gelo que é atirada ao mar.
– Os editores

[O DESAFIO] As Maiores Plataformas de Gelo do Mundo
MAPPING SPECIALISTS


Três plataformas de gelo, uma que cobre a maior parte da Groenlândia e duas que se estendem sobre a Antártida (separadas pelas montanhas Transantárticas), detêm 99% do gelo que elevaria o nível dos oceanos se o aquecimento global as derretesse ou se ficassem flutuando (o restante 1% está retido em geleiras montanhosas). O manto de gelo da Groenlândia situa-se quase que totalmente sobre um leito de rochas; aproximadamente metade flui para o oceano na forma de gelo derretido e metade como gelo glacial. Na Antártida, a maior parte do gelo atirado no oceano provém de regiões onde gelo sólido se desloca rapidamente, chamadas correntes de gelo.

- Pesquisadores descobriram, sob o gelo antártico, uma extensa rede de lagos e rios; o mapa ao lado mostra as posições “subglaciais” de várias dessas formações. Os lagos Recovery (inserção abaixo à direita), quatro lagos subglaciais descobertos pela autora e denominados A, B, C e D, são os primeiros lagos de que se tem notícia que contribuíram para o desencadeamento de uma corrente de gelo de deslocamento rápido. A corrente de gelo Recovery desliza por cerca de 800 km até a plataforma de gelo Filchner.

[AS CONSEQÜÊNCIAS] Inundações pelos Mantos de Gelo
MAPPING SPECIALISTS


Se os atuais mantos de gelo desaparecessem o aumento do nível do mar resultante afetaria o litoral do mundo todo; o efeito na costa da Flórida é mostrado na ilustração. Na verdade, se as mudanças climáticas derreterem o manto de gelo, partes dos outros mantos também desaparecerão e os efeitos sobre o nível do mar serão ainda maiores que o descrito aqui.

Imagem 01 - O manto de gelo oeste da Antártida contém gelo suficiente para elevar o nível global do mar cerca de 5,7 metros. O litoral e o sul da Flórida seriam completamente inundados.

Imagem 02 - O manto de gelo da Groenlândia produziria aumento do nível global do mar equivalente a 7,2 metros. A inundação da Flórida seria semelhante ao caso do oeste antártico.

Imagem 03 - O manto de gelo leste da Antártida poderia elevar o nível global do mar cerca de 51 metros. Praticamente todo o estado da Flórida ficaria debaixo d’água.

O COLAPSO DA LARSEN B
NASA/GODDARD SPACE FLIGHT CENTER SCIENTIFIC VISUALIZATION STUDIO

Imagens de satélite registram o súbito colapso de uma plataforma de gelo com área equivalente a três vezes a área do Rio de Janeiro para fora da península Antártica, conhecida como Larsen B. As pequenas regiões escuras na superfície do gelo, na imagem de cima (abaixo), são lagos de gelo derretido que se formaram devido ao ar excepcionalmente mais quente; a região azul-clara, na imagem de baixo, é formada por fragmentos do segmento original da plataforma de gelo.

[MOVIMENTO DO GELO 101] Tranqüilidade em uma Terra Gelada
KEVIN HAND

O diagrama esquemático mostra como o manto de gelo se desloca em direção ao mar, por um declive sobre o leito de pedra que o sustenta, enquanto nevascas produzidas pela água do mar que evapora preenchem parte da massa de gelo na sua superfície. A maior parte do gelo proveniente do interior do continente é transportada para o mar por meio de correntes de gelo (esteiras rolantes de gelo) que se desprendem do manto das redondezas, deslocando-se relativamente rápido; o manto de gelo também se desloca na direção do mar, mas mais lentamente. Quando o gelo em movimento sai da “linha de desgaste”, o gelo flutuante, chamado de plataforma de gelo, desloca uma massa de água igual ao seu próprio peso, elevando assim o nível do mar. Ao longo de vários milênios passados esses processos não elevaram o nível do mar ou reduziram os mantos de gelo porque a evaporação da água do mar e as nevascas no interior do continente contrabalançavam essas perdas.

[EQUILÍBRIO PERTURBADO] Nem Tão Tranqüilo, Nem Muito Gelado
KEVIN HAND

Redes de água líquida recentemente descobertas abaixo de mantos de gelo podem tornar o gelo muito mais instável que supunham os pesquisadores – e muito mais sensível aos efeitos do aquecimento global.

A água localizada sob o gelo, independentemente do processo que a levou até lá, pode lubrificar as superfícies de contato entre o leito rochoso e a parte de inferior de um manto glacial. Na Groenlândia ●a o clima mais ameno do Ártico faz o gelo derreter e a água produzida na superfície escoar pelas fendas, ou moulins, e ser levada, juntamente com o calor solar, para a base do manto. A drenagem tem sido intimamente relacionada à aceleração de massas de gelo em direção ao mar. Na Antártida, a drenagem da água da superfície não produz praticamente nenhum efeito nos movimentos do manto de gelo. A água produzida pelo derretimento do gelo das camadas inferiores, decorrente do calor geotérmico ●b, ou atrito ●c, fica aprisionada devido ao isolamento térmico produzido pela espessura do próprio gelo. A água também flui através de um vasto sistema de rios e lagos subglaciais comunicantes ●d. Na Antártida, a água da base dos mantos de gelo fica praticamente isolada dos efeitos diretos de curta duração do aquecimento global, mas sua função lubrificante torna os mantos sensíveis a qualquer perturbação que possa remover obstáculos ao seu fluxo, como um reforço das plataformas de gelo.

Socorro! Estou Perdendo as Escoras!
Gelos deslizantes, particularmente no oeste da Antártida, provavelmente se deslocariam rapidamente para o mar sob o efeito da gravidade se não fosse o efeito de escora das plataformas de gelo flutuantes que circundam o continente ●1 . O ar e a água do oceano relativamente mais quentes dos últimos anos tornaram as plataformas de gelo mais finas e, no caso da Larsen B, acabaram por rompê-la ●2 . Sem as escoras, uma corrente de gelo em movimento não será mais ser impedida de se lançar ao mar para provocar elevação de seu nível ●3

ANO POLAR INTERNACIONAL
Divulgação

Quando a plataforma de gelo Larsen B colapsou, em março de 2002, cientistas polares perceberam que seus programas de ação sobre o aquecimento global teriam de ser medidos em meses e anos, e não em décadas. O trabalho começou imediatamente com a organização do quarto ano polar Internacional (IPY, em inglês), que se estenderá até março de 2009. Mais de 50 mil cientistas de mais de 60 nações uniram seus esforços para melhor entender os ambientes polares. Aqui estão alguns dos antecedentes mais importantes do IPY:

1872-1874 Expedição austrohúngara ao pólo norte, tendo Karl Weyprecht como um de seus comandantes

1882-1883 O sonho de Weyprecht de coordenar uma cooperação internacional para o estudo dos pólos se realiza com o primeiro Ano Polar Internacional

1911 A expedição de Roald Amundsen é a primeira a chegar ao pólo sul

1912 A expedição de Robert Falcon Scott atinge o Pólo Sul algumas semanas depois de Amundsen; o grupo de Scott perece na viagem de retorno

1914-1916 A Expedição Transantártica, de Ernest Shackleton, fica presa no gelo e acaba resgatada de forma comovente

1932-1933 Segundo IPY

1957-1958 Ano Geofísico Internacional e terceiro IPY

2002 Colapso da plataforma de gelo Larsen B

2007-2009 Quarto IPY


Glaciology: lubricating lakes. Jack Kohler, em Nature, vol. 445, págs. 830 831, 22 de fevereiro de 2007.

Large subglacial lakes in east Antarctica at the onset of fastflowing ice streams. Robin E. Bell, Michael Studinger, Christopher A. Shuman, Mark A. Fahnestock e Ian Joughin, em Nature, vol. 445, págs. 904-907, 22 de fevereiro de 2007.

An active subglacial water system in west Antarctica mapped from space.
Helen Amanda Fricker, Ted Scambos, Robert Bindschadler e Laurie Padman, em Science, vol. 315, págs. 1544-1548, 16 de março de 2007.

Ice sheets. Charles R. Bentley, Robert H. Thomas e Isabella Velicogna . Sessão 6A, em Global Outlook for Ice and Snow, págs. 99-114; Programa Ambiental das Nações Unidas, 2007. Disponível em www.unep.org/geo/geo_ice

Robin E. Bell é diretora do programa Advance do Instituto da Terra, da Columbia University. É também pesquisadora sênior do Observatório da Terra Lamont-Doherty da mesma universidade, onde dirige um amplo programa de investigação na Antártida. Bell estuda o mecanismo do colapso de plataformas de gelo, assim como os ambientes frígidos situados abaixo do manto de gelo antártico. Liderou sete expedições à Antártida. É presidente do comitê de pesquisa polar da National Academies e foi vice-presidente do grupo internacional de planejamento do Ano Polar Internacional.

Scientific American Brasil

GROELÂNDIA

Foto de Nik Cobbing

Un iceberg revela un atisbo del pueblo de Narsaq, al sur de la isla. Provenientes de un glaciar cercano estos témpanos de hielo pasan durante todo el año frente a las costas de este asentamiento.
National Geographic Society - Espanhol

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