PLANÍCIES ALUVIAIS
Muitas comunidades se organizaram em torno das planícies aluviais, áreas inundáveis adubadas naturalmente pelas cheias Fabrícia Massoni As áreas predominantemente planas, onde ocorre um forte acúmulo de sedimentos, sempre atraíram as sociedades humanas devido a sua fertilidade. Locus privilegiado de ocupação, esse tipo de terreno plano que se alonga a partir das margens de um rio é denominado planície aluvionar, aluvial ou planície de inundação.
Popularmente conhecidas como várzeas, essas planícies são áreas inundáveis, afetadas pelas cheias anuais e periódicas. Têm
forma alongada e são compostas por sedimentos finos (siltes e argilas) e matéria orgânica em abundância, que ficam em suspensão quando ocorre o extravasamento das águas e depois se depositam, formando camadas laminares de sedimentos.
Normalmente, as planícies aluvionares ocorrem no médio e baixo curso de um rio, onde o relevo, mais arrasado pela erosão, apresenta pequeno gradiente (declividade) topográfico. Nessas regiões a energia do rio diminui, permitindo que os sedimentos carregados em suspensão se depositem no fundo do canal. É um processo de assoreamento natural responsável pela redução da profundidade do rio e que facilita a ocorrência de transbordamentos.
A característica mais marcante das planícies aluvionares é o fato de essas áreas serem naturalmente suscetíveis a inundações. Em épocas de cheia, o canal fluvial extravasa e inunda a região da planície. Com o transbordamento, formam-se diques nas margens dos rios e depósitos de várzea que se espalham pela planície.
Quando ocorre uma inundação, além dos sedimentos, aságuas dos rios lançam enorme quantidade de nutrientes em suas planícies aluviais, o que torna o solo muito fértil para o plantio. É um processo de adubação natural do qual os antigos habitantes da planície do rio Nilo já se beneficiavam desde o século 5 a.C. O mesmo acontece em diversas planícies de rios brasileiros, onde é comum a presença de roças ou extensas plantações irrigadas.
As planícies aluvionares são áreas propícias à formação de depósitos de turfa – material orgânico natural, de coloração preta, derivado de restos de vegetais que crescem em áreas constantemente inundadas. Esse composto desperta grande interesse econômico, pois apresenta consagrado uso como fonte alternativa de energia. Além disso, cresce a utilização da turfa na agricultura, como insumo para produção de biofertilizantes.
As vegetações típicas dessas planícies são denominadas matas ciliares ou florestas galerias e se caracterizam por proteger o solo de processos erosivos que podem assorear os leitos dos rios. Além da ação estruturante das raízes que sustentam o solo, as folhas das copas das árvores exercem papel muito importante na proteção contra erosão, pois formam uma barreira física e retêm a maior parte das gotas de chuva, permitindo, assim, que a quantidade deágua que atinge o solo se infiltre, e não escoe superficialmente.
Enchentes urbanas
Em áreas urbanas é comum a ocupação das planícies aluvionares dos rios que cortam as cidades, o que invariavelmente expõe os moradores desses locais ao drama das inundações.
O problema é agravado pela impermeabilização do solo, causada pelo grande número de edificações e pela pavimentação da superfície do terreno.
Essas construções impedem a infiltração das águas das chuvas que alimentam os aqüíferos e proporcionam um grande escoamento superficial diretamente para os canais dos rios. Estes, por sua vez, não suportam o volume excessivo de água e transbordam com mais facilidade e freqüência que o normal.
Na cidade de São Paulo destacam-se as planícies dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí. Originalmente meândricas, elas foram intensamente remodeladas pela ação humana, graças a retificações dos canais e aterramento das várzeas. Na época das chuvas, mesmo quando o canal desses rios não atinge a sua vazão-limite, em regiões topograficamente mais baixas dessas planícies o sistema público de drenagem de águas pluviais não é totalmente eficiente, e o acúmulo de água provoca inundações.
(veja o quadro “Meandros”).
Além dos problemas das inundações, a ocupação das planícies aluviais por construções também é um fator crítico do ponto de vista da engenharia. Quando submetidos a cargas (peso das edificações), os solos argilosos que compõem essas áreas podem
comprimir-se e se deformar, ocorrendo um afundamento do terreno e originando os chamados recalques de solo. Conforme a magnitude e o tipo de recalque, pode-se comprometer estruturalmente uma edificação e até ocasionar o seu desabamento.
Nas obras em que são realizadas escavações no terreno, como construções de garagens subterrâneas com abertura de valas ou escavações de túneis, esses problemas são potencializados. Nesses casos, para aliviar a pressão da água no solo e tornar a obra mais segura, faz-se necessário o rebaixamento do nível do lençol freático por meio de poços que bombeiam aágua subterrânea. Quando essa prática é realizada em regiões de depósitos aluviais, a drenagem da água faz com que os grãos que compõem o solo percam sustentação e sofram acomodação, o que pode determinar recalques de grandes magnitudes e conseqüentes danos a edificações.
Em síntese, as planícies aluviais são áreas com características inerentes aos processos da dinâmica natural dos rios, cujos limites devem ser respeitados, e nas quais a ocupação humana deve fundamentar-se em conhecimento técnico-científico.
Fabrícia Massoni é geóloga formada pela Universidade Estadual
Paulista (Unesp – Rio Claro).
VALE PARAÍBA DO SUL
No Brasil, um exemplo interessante de planície aluvial é o vale do rio Paraíba do Sul, localizado nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Seguindo pela rodovia Presidente Dutra (BR-116) é possível observar um grande vale encaixado entre a serra da Mantiqueira, a noroeste, e a serra do Mar a sudeste. Após passar pela cidade de Jacareí (SP), o Paraíba do Sul cruza a estrada com suas águas calmas e seu curso cheio de curvas. Ele segue pelo vale acompanhando a estrada, ora distante, ora bem próximo, à espreita, como uma cobra prestes a dar o bote. E assim segue até desaguar no oceano Atlântico, no litoral norte do Rio de Janeiro.
O serpear desse rio se dá devido à ocorrência de meandros. Por isso, sua morfometria é dita meandrante. Ela se caracteriza por canais de alta sinuosidade, que delineiam curvas acentuadas, resultantes da migração lateral de sedimentos. Nas margens côncavas, ocorre uma erosão progressiva, e, nos leitos convexos dos meandros, sedimentação. Isso se deve ao tipo de fluxo em espiral e à topografia do terreno, com gradiente (declividade) extremamente baixo. O que mais impressiona na viagem por esse vale é a amplidão das terras que se estendem a partir das margens do rio até as serras que limitam a extensa região aplainada.
O vale do rio Paraíba do Sul tem origem tectônica associada ao desmantelamento do supercontinente Pangea, há aproximadamente 250 milhões de anos (limite entre as eras Paleozóica e Mesozóica), e à conseqüente separação dos continentes sul-americano e africano. O vale aberto, de formato alongado e com largura aproximada de 20 km, foi preenchido por sedimentos de antigos rios e lagos durante o período Terciário (65 milhões a 1,8 milhão de anos atrás), dando origem à bacia sedimentar de Taubaté e a outras bacias associadas, com orientação nordeste–sudoeste, como a bacia sedimentar de São Paulo. Atualmente o rio Paraíba do Sul tem seu curso médio instalado ao longo da bacia de Taubaté.
VALE PARAÍBA DO SUL
Embora pareça que os projetos de drenagem não tenham sido bem dimensionados e sejam os únicos responsáveis pelo problema, algumas áreas têm uma razão específica para se tornarem pontos de acúmulo da água das chuvas: trata-se de possíveis meandros abandonados. Ou seja, antigos trechos sinuosos de um curso de água que se desconectaram do canal principal do rio em decorrência da mudança constante de posição do canal ao longo da planície aluvial, graças ao processo continuado de erosão e deposição em suas margens. Esse processo leva ao acentuamento da curvatura do meandro, que acaba formando uma volta inteira (360º), sendo truncado em um ponto por onde passa a escoar a corrente fluvial. Barras de areia tamponam o meandro antigo abandonado, fechando-o como um lago em forma de U.
TIMES DE VÁRZEA
Não foi à toa que os primeiros times amadores de futebol do Brasil escolheram as planícies aluvionares dos rios para o esporte importado da Inglaterra por Charles Miller, em meados da década de 1890. Na cidade de São Paulo, os trabalhadores ingleses das estradas de ferro e as elites dos clubes aproveitavam o terreno extremamente plano das várzeas dos rios Pinheiros e Tietê e afluentes para a prática do esporte que se tornou o mais popular do País. Homens com bengalas e mulheres com vestidos longos e rendados acompanhados de sombrinhas se reuniam aos domingos para assistir aos jogos que aconteciam na baixada do Glicério, no Hipódromo da Mooca e nos campos próximos da São Paulo Railway, na Lapa. Daí a origem da expressão “time de várzea”.
Revista Discutindo Geografia
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