sexta-feira, 19 de julho de 2013

MOVIMENTOS MIGRATORIOS


Migrações pendulares


Populações se deslocam todos os dias
Ronaldo Decicino*As migrações em território brasileiro - ou seja, os deslocamentos populacionais - podem ocorrer de forma permanente ou temporária, e estão associadas, desde o tempo da colonização, a fatores econômicos. Por exemplo, quando terminou o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste e teve início o ciclo do ouro, em Minas Gerais, houve um grande deslocamento de pessoas e um intenso processo de urbanização no novo centro econômico do país.

Na verdade, qualquer região que receba investimentos produtivos, públicos ou privados, que aumentem a oferta deemprego, receberá também pessoas dispostas a preencherem os novos postos de trabalho.

Surgimento das metrópoles
Um outro exemplo pode ser encontrado no período que vai de meados da década de 1950 até o final dos anos 70, quando se acelerou o processo de industrialização nas grandes cidades e houve intensa concentração de terras no campo, nas mãos de poucos proprietários. Durante aqueles anos o Brasil sofreu um intenso êxodo rural, ou seja, a saída de pessoas do campo em direção às cidades.

Como essas cidades não receberam investimentos públicos em obras de infra-estrutura urbana - como habitação, saneamento básico, saúde, educação, transportes coletivos, lazer, etc. -, elas passaram a crescer desordenadamente, sobretudo ao redor dos bairros industriais, criando grandes bairros periféricos, bolsões de pobreza onde eram erguidas favelas e apareciam loteamentos clandestinos.

Esse processo levou ao surgimento das metrópoles - como, por exemplo, a Grande São Paulo: conjuntos de cidades interligadas, onde ocorre um deslocamento diário de pessoas entre os municípios.

Deslocamentos pendulares
Assim, o aparecimento desses conglomerados de cidades deu origem a um novo tipo de movimento migratório: um movimento diário, que podemos chamar de deslocamentos pendulares: pessoas que residem em um município e trabalham ou estudam em outro, deslocando-se diariamente.

Esses deslocamentos se ampliam e tornam-se mais complexos a cada dia, devido ao surgimento e à consolidação de novos pólos secundários de atração populacional. A incorporação de novas áreas residenciais, a busca por emprego ou serviços e a oferta de transportes mais eficientes em alguns pontos das metrópoles: todos esses elementos favorecem a consolidação desse fenômeno.

No Brasil, com base nos resultados do Censo de 2000, tínhamos 7,4 milhões de pessoas trabalhando ou estudando fora do município de residência.

Essas migrações diárias ou pendulares não se caracterizam, contudo, como verdadeiras migrações (no sentido clássico do termo), pois não são realizadas com o intuito de uma mudança definitiva.

Exemplos de migrações pendulares
1. Deslocamento de pessoas que deixam o interior nordestino nos períodos de seca para trabalhar no litoral, regressando ao local de origem após terminar o problema climático ou o trabalho sazonal.

2. Viagens de residentes em cidades-dormitório, realizadas por pessoas que moram em uma determinada cidade e trabalham em outra.

3. Deslocamentos de fins de semana e de férias, com objetivos de lazer e descanso. Esse fluxo é conhecido como commuting e é o principal fator de congestionamentos nas estradas que partem das grandes metrópoles em direção às praias ou às regiões campestres.

4. Deslocamentos de bóias-frias, ou seja, de trabalhadores que se deslocam, diariamente, de suas residências em direção às fazendas onde trabalham, e, à tarde, regressam às suas casas. Há também o chamado movimento sazonal, em que os bóias-frias podem atuar nas diferentes áreas do país, nas diversas épocas de colheita, transformando-se assim nos chamados trabalhadores volantes.

Como podemos ver, as migrações pendulares diferenciam-se do conceito puro de migração, pois não há, nesse fenômeno, uma mudança permanente. Mas são fluxos populacionais significativos em determinadas áreas e ocorrem sob diferentes formas, tornando-se cada vez mais comuns nas grandes cidades.
*Ronaldo Decicino é professor de geografia do ensino fundamental e médio da rede privada.
http://educacao.uol.com.br/

Qual a política migratória do Brasil?

Caso dos haitianos, embora pouco representativo da realidade migratória brasileira, serviu como laboratório das vicissitudes do “ser potência”. Para estar à altura da inserção internacional que pretende, o país deveria aprovar a “Convenção da ONU para a proteção dos trabalhadores migrantes e membros de suas famílias”
por Deisy Ventura , Paulo Illes
Um processo de imigração seletiva, que priorize a drenagem de cérebros, mas estabeleça limites para os estrangeiros que chegam fugindo da pobreza de seus países.”1 Tal proposta passou quase despercebida, no início de 2012, em meio às numerosas manchetes dedicadas à presença de haitianos no Norte do Brasil. Por meio da notícia na qual essa ideia irrompe, descobrimos que uma equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República estaria elaborando uma “política nacional de imigração” e que, na opinião do coordenador da súbita empreitada, é preciso saber escolher: “Como o Brasil é agora uma ilha de prosperidade no mundo, há muita gente de boa qualidade que quer vir. Mas a fila do visto é a mesma para todos. Não estamos olhando clinicamente”.

A notícia surpreende por muitas razões. A primeira delas é que o Brasil já possui uma proposta de “Política Nacional de Imigração e Proteção ao Trabalhador Migrante”,2 aprovada, em maio de 2010, pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg). Vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, mas composto de representantes de diferentes órgãos do governo federal – como os ministérios da Justiça, Saúde, Educação e Relações Exteriores –, o CNIg compreende também representantes das centrais sindicais e dos empregadores, além de observadores da sociedade civil e de organizações internacionais. Estudada e debatida em diversos âmbitos desde 2008, a proposta aprovada pelo CNIg foi submetida a consulta pública e encaminhada à Presidência da República para que entrasse em vigor sob a forma de decreto, até hoje pendente. Portanto, antes que outra proposta pudesse ser elaborada, seria imprescindível explicar por que a proposta do CNIg não serve ao Brasil, além de discutir publicamente quem a elaboraria.

A segunda surpresa é ouvir falar em “imigração seletiva” num país que, há muito, teria superado ideias como as de substituição da mão de obra escrava e embranquecimento da população, inspiradoras de políticas migratórias altamente seletivas em outros períodos de nossa história. Somos hoje também um país de emigração. Estima-se que cerca de 3 milhões de brasileiros residam atualmente no exterior, enquanto dados oficiais sinalizavam, até junho de 2011, a presença de em torno de 1,5 milhão de estrangeiros em situação regular no Brasil, a maior parte deles de origem portuguesa, boliviana, chinesa e paraguaia.3

Considerando que se trata de poucos milhares de haitianos em algumas cidades do Norte, fugitivos de uma catástrofe natural e humanitária retumbante – aliás, ocorrida num país diante do qual o Brasil assumiu especiais compromissos, inclusive o inédito protagonismo numa missão de paz (a polêmica Minustah, Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) – e arribados numa região cujas gigantescas obras carecem de mão de obra, só pode restar a impressão de que a grande notoriedade do caso serviu como um pretexto constrangedor, mas eficaz. A ocasião permitiu erodir a visão do migrante como ser humano em busca de uma vida melhor, titular de direitos e deveres, como aquela propugnada pelo CNIg. Parecíamos estar sob a ameaça de uma verdadeira “invasão haitiana”.

Ora, como escreveram o professor Omar Ribeiro Thomaz (IFCH-Unicamp) e Sebastião Nascimento (pesquisador da Flensburg-Universität, Alemanha), “o Brasil nunca foi e segue não sendo destino preferencial de uma migração cuja dinâmica o Itamaraty e outros ministérios insistem em ignorar. Há por volta de 3,5 milhões de haitianos espalhados por dezenas de países em três continentes, todos abrigando comunidades consideravelmente maiores e infinitamente mais bem acolhidas que no Brasil”.4

Contudo, uma desproporcional reação do governo federal destoou de nossa tradição de acolhimento. Assim, o mesmo país que, entre 2009 e 2011, graças à Lei n. 11.961, possibilitou a regularização migratória de mais de 40 mil estrangeiros, bramiu ameaças de deportação e estipulou magras cotas de entrada no país – e logo para haitianos, cujas razões de migrar são por demais conhecidas do Estado brasileiro. Medidas restritivas se fizeram acompanhar por mitos. Por exemplo, o de que dificultar a entrada de pessoas as protege dos “coiotes” (os falsários que organizam a passagem pelas fronteiras ou até promovem o tráfico de pessoas), quando é sabido que, quanto maior for a restrição, mais valorizado é o atravessador. Não é difícil intuir que, sob o prisma individual, o recurso a essa totalmente incerta, cara e perigosa viagem de milhares de quilômetros é sempre o último.

Demonização do estrangeiro pobre

De fato, a experiência europeia ensina que o tema das migrações é um campo minado de inverdades, justificadas por um espectro que vai do superficial interesse eleitoral até o mais profundo desafio da alteridade.5 Tema de primeiro plano da agenda política na maior parte do mundo desenvolvido, a migração fez-se bode expiatório da profunda crise econômica em curso e grande trunfo dos partidos de direita. Contrariando a maioria dos estudos realizados a respeito, diz-se que o estrangeiro rouba os empregos dos nacionais, abusa dos serviços do Estado e eleva os índices de criminalidade, o que faz dele uma ótima desculpa para os perenizados déficits públicos. Por fim, a pluralidade de cores e de expressões culturais gera grande mal-estar em sociedades nostálgicas, homogêneas, individualistas e pautadas pelo consumo. O resultado é a reversão brutal do direito humanista que se instalava paulatinamente após o trauma da Segunda Guerra Mundial. Em algumas grandes democracias ocidentais, tornou-se crime ajudar uma pessoa sem documentos – o que os franceses chamam de “delito de solidariedade”. Locais de espera pela regularização migratória transformam-se em “campos de retenção”, onde se amontoam desvalidos, apresentados como potenciais criminosos ou interesseiros abusadores das benesses do mundo rico.

Dito cordial, e construído por migrantes, tanto internos como externos, estará o Brasil imune à demonização do estrangeiro pobre que grassa alhures? Mais servil à desigualdade do que aberto à diferença, nosso país deve evitar o risco de impingir ao ser humano migrante uma discriminação a mais, além de todas as discriminações que aqui já existem. Depois da divulgação de denúncias de trabalho escravo envolvendo uma grande rede internacional de lojas de vestuário, passaram a pipocar notícias de crimes praticados por estrangeiros, por mais banais que fossem. Algumas delas transmitiam a curiosa ideia de que imigrantes latino-americanos tornavam o centro de São Paulo mais perigoso. A realidade, porém, demonstra o contrário: o migrante não quer problemas com a polícia. Se ele tem documentos, quer mantê-los; caso não os possua, ou estiver tentando obtê-los, é fundamental que passe despercebido. É por isso que a obsessão securitária não tem nexo quando se trata dos processos de concessão de autorização estatal para residência provisória ou permanente. Todo tráfico ilícito, em particular o de pessoas, precisa, sem lugar a dúvidas, ser investigado e combatido. No entanto, não há contradição entre uma boa política de segurança e uma política migratória pautada pelos direitos humanos, capaz de oferecer a perspectiva de integração social, sobretudo por meio do trabalho digno.

As evidências que acabamos de descrever infelizmente não reverteram uma verdadeira chaga do direito brasileiro. Ainda está em vigor o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 1980), triste herança do regime militar. Pior ainda: o Projeto de Lei apresentado pelo Ministério da Justiça em 2009 (n. 5655), que deveria modificá-lo, mantém em sua essência o paradigma da segurança nacional. Esse projeto repousa desde agosto de 2009 na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados. Seu texto introdutório ressalta que a migração deve ser tratada como um direito do homem e que a regularização migratória é o caminho viável para a inserção do imigrante na sociedade, além de reconhecer a contribuição dos migrantes para o desenvolvimento do país. Mas muitos de seus artigos mantêm procedimentos burocráticos e mecanismos de ejeção que contradizem suas primeiras palavras. Entre várias outras restrições, o projeto amplia de quatro para dez anos o prazo mínimo de residência permanente no país para que seja requerida a naturalização.

À altura da inserção internacional

Salta aos olhos que, se quiser deixar para trás o legado da ditadura militar, em lugar de um Estatuto do Estrangeiro, o Brasil precisa de uma Lei de Migrações, capaz de dar forma jurídica a uma política legítima. Ela deve ser acompanhada de emendas constitucionais que eliminem as restrições injustificadas dos direitos dos estrangeiros que figuram na Constituição Federal. A anacrônica negação de seus direitos políticos é uma delas. O Brasil vai ficando isolado num continente em que o direito ao voto dos migrantes já foi reconhecido por Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, México e Peru.

A propósito, para estar à altura da inserção internacional que hoje pretende, nosso país deveria aprovar e promover a “Convenção das Nações Unidas para a proteção de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias”, de 1990. A Convenção foi enviada ao Congresso Nacional em dezembro de 2010, e sua tramitação se dá separadamente à do já citado Projeto de Lei sobre o Estatuto do Estrangeiro, o que engendra um sério risco de futura inconsistência jurídica.

Em diapasão oposto, o Mercosul tem constituído um espaço fundamental para que um novo paradigma de política migratória seja construído na região. Entre outros, o “Acordo Mercosul sobre residência para nacionais dos Estados partes do Mercosul e do Mercosul, Bolívia e Chile”,6 ao qual recentemente aderiu também o Peru, tem beneficiado centenas de migrantes, podendo ser o germe de uma futura cidadania sul-americana.

No entanto, dotar-se de normas avançadas e descartar as contradições não seria suficiente para resolver os problemas que os estrangeiros aqui enfrentam em sua relação com o Estado. O Brasil não dispõe de um serviço de imigração. Para requererem a regularização de sua situação, os migrantes devem dirigir-se à Polícia Federal, cujos serviços são em grande parte terceirizados, desprovidos de formação e mal remunerados. É importante acrescentar que a polícia tende a uma interpretação restritiva das normas que beneficiam os migrantes. Ao buscar a regularização, o migrante, não raro, encontra um calvário, com a exigência de documentos que sabidamente ele não tem condições de apresentar. Num círculo vicioso, a constância da irregularidade gera mais precariedade.

Para além das deficiências de atendimento, é preciso entender também que as polícias ainda penam para superar o paradigma da segurança nacional, sucedido pelo ideário da “guerra ao terror”, altamente xenófobo, preconizado pelos Estados Unidos e seus parceiros após os atentados de 11 de setembro de 2001. Que alguns de nossos quadros fossem treinados pelos Estados Unidos na época da Guerra Fria, e em plena ditadura, podemos compreender. Mas em plena democracia, que o peculiar modo de ver o mundo norte-americano prevaleça em nossa maneira de perceber os estrangeiros, convertendo a diferença em ameaça, é algo que, como dever de cidadãos, precisamos impedir. Migrar é um direito humano. Qualquer um de nós já migrou ou pode migrar um dia. O verbo do estrangeiro é estar, não ser. No fundo, o estrangeiro não existe, ou somos nós mesmos, por vezes até em nossa pátria.

As inúmeras contradições que cercam o tema das migrações no Brasil justificam, então, a pergunta que intitula este artigo. Afinal, temos uma política migratória? Ou temos aqui, como em diversos outros campos, a ambiguidade que resulta da disputa entre os que pensam uma política de migrações respeitosa dos direitos humanos e outras vertentes que concebem o Estado a serviço das necessidades do mercado, ou de modelos de “segurança” que não são nossos? Em qualquer caso, se o preço do sucesso econômico for repetir aqui o que a Europa e os Estados Unidos têm feito em matéria de migrações, é preciso, enfim, perguntar para que e para quem vale a pena que sejamos “potência”.

Deisy VenturaProfessora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, IRI-USP

Paulo IllesCoordenador Executivo do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante, CDHIC

Ilustração: Alves
1 “Brasil quer facilitar vistos para profissionais estrangeiros”, O Globo, 15 jan. 2012. Disponível em: oglobo.globo.com/pais/brasil-quer-facilitar-vistos- p a r a - p r o f i s s i o n a i s - e s t r a n g e i r o s -3671799#ixzz1n9bwD7Md.
2 Disponível em: www.mte.gov.br/politicamigrante/default.asp.
3 Disponível em: portal.mj.gov.br.
4 “Fronteira social e fronteira de serviço”, O Estado de S. Paulo, 28 jan. 2012.
5 Uma boa lista encontra-se em Alejandro Grimson, “Doce equívocos sobre las migraciones” [Doze equívocos sobre as migrações], Revista Nueva Sociedad, n.233, maio-jun. 2011. Disponível em:
www.nuso.org/upload/articulos/3773_1.pdf.
6 Promulgado no Brasil pelos decretos n.6.964/2009 e n. 6.975/2009.
Le Monde Diplomatique

Uma nova vida longe de casa


Deslocamentos de pessoas sempre existiram. Hoje a razão principal é a busca de emprego
MILU LEITE
As razões que levam o homem a se deslocar e as implicações desses movimentos envolvem aspectos muito distintos, e a ciência se esforça por desvendá-los. Do ponto de vista antropológico, os estudos buscam esclarecer a origem das raças e aprofundar as descobertas de ossos e outros vestígios que indicam os primeiros passos do homem sobre a Terra. No que tange à geografia humana, os fluxos migratórios indicam regiões de maior ou menor interesse, seja por motivos econômicos, geográficos ou culturais, e revelam facetas inesperadas do comportamento humano. Na base de todos os deslocamentos, contudo, há fatores em comum: a coragem, a necessidade, a curiosidade e, por que não dizer, o desejo de liberdade. Falar de migração é, portanto, ter em conta essas distinções e similaridades, interpretando fluxos.

A história das nações se confunde com a dos movimentos de migração. Há 50 mil anos, o que levou o ser humano a atravessar oceanos e continentes provavelmente foi a busca da sobrevivência. No Ocidente, o fluxo migratório está na origem do ameríndio e se perpetua desde aquela época, fazendo hoje parte do cotidiano do mais simplório cidadão que opta por mudar de cidade.

De acordo com relatório divulgado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), atualmente há um migrante para cada 33 pessoas no mundo. Os números têm crescido nos últimos anos, em termos internacionais, saltando de 150 milhões de migrantes em 2000 para 214 milhões em 2011. Os países que apresentam maior número de estrangeiros são Qatar (87%), Emirados Árabes Unidos (70%), Jordânia (46%), Cingapura (41%) e Arábia Saudita (28%). As nações que abrigam menos estrangeiros são África do Sul (3,7%), Eslováquia (2,4%), Turquia (1,9%), Japão (1,7%), Nigéria (0,7%), Romênia (0,6%), Índia (0,4%) e Indonésia (0,1%).

Capital e trabalho

O Brasil, embora não seja mencionado no relatório como um caso expressivo, apresentou um aumento estrondoso de imigrantes entre dezembro de 2010 e junho de 2011. Segundo anúncio do Ministério da Justiça, a entrada de imigrantes no país cresceu cerca de 50% (de 960 mil aproximadamente para 1,5 milhão) no período.

As razões que levam as pessoas a trocar de país são várias, mas a busca por trabalho é ainda a maior responsável por essas mudanças. “A circulação de pessoas no espaço internacional, ainda que não seja uma regra, acompanha a lógica da circulação do capital”, afirma Gislene Aparecida dos Santos, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná. Segundo ela, no caso do Brasil, o que chama a atenção é que o número dos que deixam o país equivale ao de imigrantes. Neste último caso, o fluxo destina-se às capitais de estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, em função da demanda por certo tipo de trabalho qualificado (suprido em grande parte por mão de obra estrangeira), como também das necessidades dos setores produtivos que não requerem alta qualificação técnica e intelectual. É o caso dos segmentos de alimentação (lanchonetes), trabalho doméstico e costura. Registram-se assim dois tipos de imigrantes: os regulares, devidamente documentados, e os não regulares.

Os números do ministério, no entanto, são muito superiores aos do último censo demográfico (2010), que registra aproximadamente 500 mil imigrantes. A diferença tem explicação: os dados dos ministérios do Trabalho ou da Justiça levam em consideração os estrangeiros no país, mas não necessariamente com residência fixa. Assim, podem ser pessoas em curta permanência (de três meses), por um ano ou até mais, mas que não têm o Brasil como seu primeiro domicílio. Além disso, “como é recorrentemente comentado”, esclarece Gislene, “os migrantes irregulares (sem documentação) não informam aos órgãos censitários sua condição no país”.

As cidades mais procuradas estão no sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte). Em seguida, aparece o sul, que desde os anos 1990 tem apresentado um aumento na entrada de estrangeiros, segundo informa a professora. “Nessa região prevalecem os migrantes provindos dos vizinhos Argentina, Paraguai e Uruguai”, diz.

Uma forte característica dos fluxos migratórios atuais é a ligação com um conteúdo histórico, um fio condutor alimentado ao longo dos anos e cada vez mais facilitado pelo uso das redes sociais. Os bolivianos, por exemplo, vêm ao Brasil desde os anos 1960 e concentram-se na cidade de São Paulo (são 200 mil aproximadamente). Se antes eram em sua maioria profissionais liberais, hoje seu contingente maior é formado por pessoas com baixa qualificação ou com capacitação específica para trabalhar em pequenas fábricas domésticas pertencentes em grande parte a coreanos.

Gislene conta que o que distingue o fluxo migratório internacional contemporâneo é a possibilidade de manter vínculos com os lugares de origem. Ou seja, a ruptura espacial, que caracterizou os processos migratórios do começo do século 20, hoje é menos radical. Os migrantes, através dos meios de comunicação e das redes de conterrâneos, mantêm contato com a terra natal e articulam-se entre dois lugares. As remessas de dinheiro, de acordo com ela, também são indicadores da manutenção dos vínculos. “Essa experiência tem levado alguns pesquisadores a denominar o fluxo migratório internacional como transnacional”, revela.

Gislene fala com conhecimento de causa, pois desenvolve um projeto de pesquisa referente à migração estrangeira no estado do Paraná, a partir dos anos 1980. Estado com significativa contribuição da migração europeia, o Paraná apresenta desde os anos 1990 uma alteração quanto à nacionalidade dos estrangeiros que ali chegam: destacam-se atualmente os provindos da Bolívia e do Paraguai. Chamam a atenção os fluxos dirigidos para as cidades fronteiriças entre o Brasil e o Paraguai, especialmente Foz do Iguaçu, onde se concentra o maior número dos paraguaios no estado.

Da Europa

A tendência de crescimento do número de imigrantes no país, contudo, não é tão recente. Nos anos 1990 já era apontada por especialistas que indicavam a presença de representantes de várias nacionalidades, além dos sul-americanos. Em um artigo publicado no início de 2003 no “Jornal da Unicamp”, Rosana Baeninger, professora no Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo), também da Unicamp, já mostrava o incremento de mão de obra estrangeira especializada. Àquela época, o Ministério do Trabalho registrava a entrada, por tempo determinado, de especialistas, gerentes e administradores oriundos dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França. Seis anos depois, em novo artigo, Rosana alertava para um fenômeno interessante: “O deslocamento da mão de obra tornou-se muito mais rápido para acompanhar a mobilidade do capital em esfera global”, implicando a pulverização da produção e consequente barateamento de custos.

Se no início do século 21 o Brasil já era um porto acolhedor para muitos estrangeiros, sua crescente visibilidade em âmbito mundial o coloca agora como grande promessa para muitos povos. O país é falado, ou melhor, é bem falado. O resultado é que, em consequência da crise em algumas nações da Comunidade Europeia, somam-se agora aos imigrantes de outrora levas de espanhóis e portugueses.

A imigração foi um forte componente na formação da nação brasileira, o que facilita o recebimento de estrangeiros no país, embora, do ponto de vista jurídico, a Lei de Imigração esteja ultrapassada. E como a legislação poderia melhorar as condições de vida dessas pessoas e facilitar sua permanência no Brasil? O primeiro obstáculo é a burocracia. Há uma série de exigências e ordenamentos diversos, que se aliam ao despreparo dos agentes da Polícia Federal para lidar com o assunto. “O migrante leva muito tempo para regularizar sua situação. Há acordos migratórios para os países do Mercosul que facilitam o trânsito, mas são pouco divulgados. Para o migrante mais empobrecido a falta de informação pública gera custos econômicos e sociais enormes”, avalia Gislene.

Em 2009, o ex-presidente Lula deu um passo importante para reduzir a papelada, ao assinar uma lei que anistiava estrangeiros residentes que regularizassem sua situação. Com a situação legalizada, o migrante passa a ter os mesmos direitos e deveres dos brasileiros, à exceção daqueles privativos de quem nasceu no país, como o exercício do voto. Também fica garantida a liberdade de circulação no território nacional, acesso a trabalho remunerado, à educação, à saúde pública e à Justiça. Antes de Lula, em 1998, 39 mil estrangeiros em situação irregular já haviam sido anistiados. Essas, porém, foram medidas paliativas e, segundo Gislene, a legislação precisa de alterações profundas.

No exterior

O fluxo migratório, entretanto, tem mão dupla. Não é só o estrangeiro que chega, o brasileiro também atravessa a fronteira. O censo de 2010 contabilizou pela primeira vez o número e a situação dos brasileiros no exterior. O levantamento estima que haja 491,6 mil brasileiros residindo em 193 países, sendo 264,7 mil mulheres (53,8%) e 226,7 mil homens (46,1%). Na maioria, são relativamente jovens, entre 20 e 34 anos de idade (60%), e esses fluxos se dirigiram para os Estados Unidos (23,8%), Portugal (13,4%), Espanha (9,4%), Japão (7,4%), Itália (7%) e Inglaterra (6,2%). Esses seis países receberam, portanto, aproximadamente 70% dos emigrantes brasileiros, que, ainda de acordo com o censo, saíram do país em busca de trabalho. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a principal origem desses fluxos foi o sudeste (49%), sendo 21,6% de São Paulo, 16,8% de Minas Gerais e 7,1% do Rio de Janeiro.

A intensa mobilidade não é privilégio dos fluxos internacionais. Os resultados do último censo revelam que, em 2010, 37,3% da população brasileira morava fora do município onde nasceu, enquanto 14,5% tinham mudado também de estado. Os dados não são muito diferentes dos do ano 2000 e mostram que os movimentos ocorreram em distâncias relativamente pequenas. De acordo com as estatísticas do IBGE, a região centro-oeste tem a maior proporção de não naturais do município em que vivem (51,9%) e do próprio estado (32,9%). No nordeste, a tendência é inversa: a região apresenta os menores percentuais de não naturais do município (29,4%) e não naturais dos estado (7%), o que confirma sua baixa capacidade de atração populacional, segundo análise dos pesquisadores do instituto.

O estado de Rondônia conta com a maior proporção (58,6%) de migrantes nascidos em cidade diferente daquela em que moram, seguido de Mato Grosso (57,4%). O menor percentual está no Amazonas (25,4%), onde as características geográficas dificultam deslocamentos. Rondônia, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, é uma região de urbanização irregular e recente, iniciada nas décadas de 1960 com a exploração de cassiterita, entre outros minérios, e que se intensificou com os incentivos fiscais a empreendimentos privados no setor agropecuário e madeireiro. Mato Grosso, cuja população é de cerca de 3 milhões de habitantes, recebeu milhares de pessoas por causa de outro minério, o ouro, o que explica de certa forma o predomínio na população de pessoas adultas, com aumento do número de idosos e o declínio de jovens. Em ambos os casos, foi a busca de riqueza que influenciou a ocupação das regiões, com consequências que ainda hoje determinam seu perfil econômico e social.

Há estudos que indicam, entretanto, que as correntes migratórias no país estão perdendo intensidade. Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Grupo Transversal de Estudos do Território e Mobilidade Espacial da População (Gemob/IBGE), relativa ao período de 2004 a 2009, avaliou que o volume da migração inter-regional envolveu 2 milhões de pessoas. E, no intervalo de 1995 a 2000, as estatísticas mostram que esse número era maior: 3,3 milhões.

A região sudeste, antes um centro de boas promessas aos brasileiros que buscam trabalho e vida cultural intensa, já não tem o mesmo poder de atração: apresentou saldo negativo de migrantes tanto em 2004 quanto em 2009. O nordeste, por sua vez, de acordo com o estudo, continua perdendo população, mas em escala menor que no passado.

Outro aspecto relevante é o incremento do retorno às regiões de origem. Os estados que mais pessoas receberam de volta em 2009 foram Rio Grande do Sul (23,98% dos que migraram), Paraná (23,44%), Minas Gerais (21,62%), Sergipe (21,52%), Pernambuco (23,61%), Paraíba (20,95%) e Rio Grande do Norte (21,14%).

Na região norte, os fluxos de retorno no Amazonas, Roraima e Pará demonstram uma tendência ao declínio, o que não ocorre nos estados do Piauí, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba. Na região sul, Santa Catarina ainda se comportou como uma região de pequena absorção e, na região centro-oeste, a mudança mais significativa ocorreu em Goiás, que passou a receber um grande contingente de migrantes de vários estados. Vale lembrar que, embora esses índices não contabilizem as estatísticas do censo de 2010, possibilitam uma análise dos fluxos de modo a apontar tendências num futuro próximo. De acordo com o último levantamento, as cidades que mais têm crescido são as que possuem menos de 500 mil habitantes, comprovando a influência da migração sobre elas.
Revista Problemas Brasileiros

Migração Ambiental - Um aspecto positivo

Encarada geralmente como um problema, a migração provocada por fatores ambientais pode trazer oportunidades de desenvolvimento e de adaptação às mudanças climáticas.

Célio Yano

Enchentes no Paquistão em outubro deste ano tornaram difícil o acesso a algumas comunidades do país e deixaram milhares de famílias desabrigadas. A ONU estima que existam cerca de 210 milhões de migrantes internacionais. (foto: S. Phelps/ UNHCR)
A migração de populações provocada por desastres ambientais cresce a cada ano e torna-se cada vez mais um desafio para governos e organizações internacionais. Forçadas a deixar suas moradias, pessoas afetadas por secas, cheias de rios ou o aumento do nível do mar, por exemplo, acabam tendo de mudar de bairro, cidade ou até de país.

Mas esse tipo de fenômeno não é necessariamente ruim, defende um grupo de pesquisadores do Reino Unido, que publicou recentemente um estudo sobre os prováveis movimentos de migração dos próximos 50 anos.

O ponto central deles é que, se por um lado os deslocamentos populacionais são um desafio para os países afetados, por outro, trazem oportunidades de desenvolvimento e de adaptação às mudanças climáticas.

“É importante que os governos se preparem para todos os efeitos”, diz o geógrafo Richard Black, coordenador da Escola de Estudos Globais da Universidade de Sussex, no Reino Unido. Black sustenta a ideia em um artigo assinado com os colegas Stephen R. G. Bennett, Sandy M. Thomas e John R. Beddington em edição recente da revista Nature.

Segundo eles, planos de ação internacionais podem permitir a países tirar vantagem, por exemplo, de comunidades migrantes para regiões com déficit demográfico ou com escassez de mão-de-obra, o que traria benefícios tanto para estados quanto para as pessoas em deslocamento.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que existam aproximadamente 210 milhões de migrantes internacionais e cerca de 740 milhões de migrantes internos (que se deslocam dentro de seus próprios países).

Menino paquistanês em frente a uma das tendas da Agência da ONU para Refugiados montadas para vítimas das enchentes na província de Sindh, no Paquistão. Pesquisadores defendem criação de políticas que garantam o bem-estar e os direitos de migrantes climáticos. (foto: S. Phelps/ UNHCR)Black explica que não é possível distinguir precisamente migrantes climáticos de outros grupos de migrantes, já que em geral os deslocamentos, sejam eles permanentes, temporários, sazonais ou circulares, são multicausais.

Migração de poucos indivíduos
Fatores econômicos, políticos, sociais ou demográficos também influenciam na decisão por mudar de terras. “Mas desastres ambientais mudam os termos em que os movimentos de migração ocorrem”, garante.

Ele acredita que é essencial compreender os fatores que tornam uma comunidade mais ou menos vulnerável para que sejam incentivados movimentos de migração pensados a partir das mudanças climáticas.

A migração de apenas alguns indivíduos pode ajudar uma comunidade a se manter viável se dinheiro e bens forem enviados ao grupoOs pesquisadores britânicos sustentam, por exemplo, que não é necessário que populações inteiras abandonem suas casas após desastres ambientais. “A migração de apenas alguns indivíduos pode ajudar uma comunidade a se manter viável em longo prazo se dinheiro e bens forem enviados ao grupo”, diz Black.

Para isso, é necessário que governos assegurem que as remessas de dinheiro sejam feitas de volta às famílias dos migrantes de forma eficiente e a baixo custo. Na África, onde a maioria dos migrantes internacionais permanece dentro de sua sub-região, esse tipo de remessa quadruplicou para cerca de 40 bilhões de dólares entre 1990 e 2010.

Desafio para governos
Migrações em geral, sejam as provocadas por fatores climáticos ou não, podem afetar vários aspectos sociais de uma comunidade, alterando o crescimento das cidades com a formação de bolsões de pobreza e gerando tensões e conflitos entre culturas diferentes.

Esse tipo de consequência pode ser um desafio para os governos, que devem se ver pressionados a investir no desenvolvimento de serviços públicos em áreas que não receberiam atenção em outro caso.

Políticas que buscam impedir a migração podem agravar as tragédias às populações de áreas de riscoPara Black, políticas que buscam impedir a migração podem agravar as tragédias às populações de áreas de risco. “Concluímos que o custo de agir agora, em termos de empobrecimento e possíveis emergências humanitárias, é muito menor do que o custo futuro caso não tomemos nenhuma ação.”

Um artigo publicado em edição recente da revista Science propõe medidas para um melhor planejamento de migrações climáticas. A principal recomendação do texto, assinado por 12 pesquisadores, é a criação de um aparato legal internacional que dê suporte ao reassentamento das populações afetadas pelas mudanças climáticas e que garanta o bem-estar e os direitos desses migrantes. 22/11/2011

Célio Yano
Revista Ciência Hoje

São Paulo não é mais aquele


Aquecimento da economia e aumento de renda no nordeste alteram fluxo migratório
CELIA DEMARCHI

Arte PB
O Terminal Rodoviário Tietê é um dos principais pontos de saída e chegada de passageiros que viajam de São Paulo para o nordeste e vice-versa. Em suas plataformas, porém, há atualmente mais nordestinos embarcando de volta às suas pequenas cidades natais – que os ônibus, e não os aviões, alcançam – do que desembarcando para recomeçar a vida na megalópole, algo inimaginável há apenas poucos anos.
Esse movimento inverso se deve ao recente aquecimento da economia do nordeste, estimulada por ações do governo federal: as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o aumento do salário mínimo – que cresceu 44,5% em termos reais entre 2003 e 2010 – e a implementação de iniciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Nacional (Pronaf) e o Bolsa Família, que distribuiu R$ 13,1 bilhões a 12,7 milhões de famílias em todo o país nos últimos sete anos.
Ainda assim, os efeitos dessas ações não se refletem de modo expressivo na diferença entre o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do nordeste – que desde a década de 1970 cresce um pouco mais que o do Brasil – e o nacional, já que a economia brasileira como um todo também deslanchou.
É consenso, porém, que as políticas públicas deram impulso à economia do nordeste. Os programas sociais representam de 4% a 5% da renda dos nordestinos – que são 28% da população do país –, enquanto equivalem a cerca de 1% da do brasileiro, explica o economista Raul Silveira Neto, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Dos trabalhadores nordestinos, além disso, quase metade recebe salário mínimo, assim como grande parte dos aposentados e pensionistas.
O aumento da renda atraiu para a região empresas fabris, do varejo e da construção civil, que criaram mais empregos e ampliaram a renda, propiciando a chegada de novos investimentos. “Passamos 50 anos em busca de melhorias, tentando atrair indústrias, mas a situação só começou a mudar com o aumento da renda”, diz Silveira Neto.
Um dos setores em evidência no país, a construção civil está abrindo mais vagas de emprego no nordeste do que nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro juntos. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), no período de 12 meses até setembro de 2010 foram criados na região 35,6% dos postos de trabalho que o setor abriu no país. O nordeste teve saldo positivo de 116,1 mil vagas, contabilizadas as admissões e as demissões, enquanto no Brasil esse total foi de 331,6 mil. Em São Paulo, os postos de trabalho remanescentes na construção civil somaram 55,9 mil e no Rio de Janeiro, 15,8 mil, no mesmo período.
O aquecimento do setor decorre das obras do PAC, de infraestrutura e de habitação, a maior parte relacionada ao programa Minha Casa, Minha Vida, e ainda de empreendimentos grandiosos em andamento, como a transposição do rio São Francisco e a construção da Ferrovia Transnordestina, que, juntas, devem consumir cerca de R$ 10 bilhões. Sozinho, o primeiro dos dois projetos deverá empregar 12 mil trabalhadores no pico da obra. Já a Transnordestina ocupará em torno de 7 mil em igual estágio.
Simultaneamente, a Petrobras constrói no nordeste duas refinarias e promete erguer uma terceira, em Bacabeira, no Maranhão. Nos três projetos, a companhia deverá investir cerca de R$ 90 bilhões ao longo dos próximos anos. A menor delas, localizada em Guamaré (RN), empregará mil pessoas, direta e indiretamente, durante as obras. A outra, denominada Abreu e Lima, situada em Ipojuca (PE), já ocupa alguns milhares de trabalhadores, cujo número deverá chegar a cerca de 20 mil no pico das obras, que pode ser alcançado até o fim deste ano. A construção da refinaria de Bacabeira ainda não começou, mas segundo a Petrobras dará emprego direto, indireto e por efeito renda (em decorrência do aumento do poder de consumo local) a 132 mil trabalhadores. Quando estiver em operação, a refinaria empregará 1,5 mil pessoas.
Os grandes grupos industriais também estão levando fábricas para a região. A multinacional Bunge, por exemplo, inaugurou em 2010 um moinho de trigo na área do Complexo Portuário de Suape, em Pernambuco, no qual investiu R$ 165 milhões, e que além de empregar 220 trabalhadores criou outros mil empregos indiretos, segundo a companhia. A Sadia investiu R$ 300 milhões na construção de uma unidade em Vitória de Santo Antão (PE), inaugurada em 2009, abrindo 1,5 mil postos de trabalho diretos e outros 4 mil indiretos. E a Perdigão instalou, no município de Bom Conselho (PE), com investimento de R$ 380 milhões, uma fábrica de lácteos, que gerou 3,8 mil vagas, entre empregos diretos e indiretos.
Em ambiente tão promissor, com a renda em ascensão, inúmeras empresas do varejo, pequenas e grandes, também começaram a apostar no nordeste. A região atraiu, por exemplo, as quatro maiores redes varejistas do Brasil. Em 2010, três delas – Walmart, Pão de Açúcar e Carrefour – anunciaram que priorizariam o nordeste em seus planos de investimento. O Walmart sozinho, que foi o primeiro grupo a apostar na região, ao comprar a rede Bom Preço há sete anos, prometeu investir nos estados nordestinos, até 2012, metade de todo o seu orçamento de R$ 2,2 bilhões. E as Casas Bahia, que em 2010 inauguraram dez lojas na região, anunciaram que abrirão mais seis em 2011, das dez previstas para todo o país.
Assim, percentualmente o varejo criou na maior parte dos estados nordestinos mais postos de trabalho nos 12 meses até setembro de 2010 do que no Brasil todo, que, de acordo com dados do Caged, registrou aumento de 6,7% em relação ao período anterior. Exceto na Bahia e em Alagoas, cujos índices ficaram abaixo, e em Sergipe, que obteve o mesmo desempenho, nos demais estados os índices de aumento superaram 7%. No Ceará, o varejo criou 10,11% mais postos de trabalho naquele período, na Paraíba, 9,11%, e no Piauí, 9,7%.
Retorno à origem
É nesse ambiente que a migração vem diminuindo, e uma fartura de dados demonstra isso. Com base em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o economista Fábio Romão Silveira, da LCA Consultores, concluiu que a migração do nordeste para o sudeste caiu a cerca de metade nos últimos anos. Entre 1992 e 2002, o nordeste perdeu o equivalente a 1,5% de sua população por ano para o sudeste. Entre 2002 e 2007, porém, o índice baixou para 0,98% e chegou a 0,85% em 2008 e 2009, em média.
Outra pesquisa, esta coordenada pelo economista Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), condiz com esses resultados: o número de pessoas, de todo o Brasil, que chegaram ao sudeste nos anos de 2001 a 2004 é menor que o daquelas que deixaram a região. Nesse período, o resultado da migração ficou negativo em 215 mil pessoas. Nos últimos quatro anos da década anterior, o saldo foi positivo, ficando próximo de meio milhão de migrantes.
São Paulo pode ter sido o estado que mais perdeu habitantes para outras regiões nos últimos anos. Tomando como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a professora Liedje Siqueira, do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), calcula que das 862 mil pessoas que se instalaram no nordeste entre os anos 2002 e 2007, 47,5% (mais de 410 mil) estavam retornando à cidade natal. Dessas, a maior parte, 61%, havia partido de São Paulo, que perdeu mais população para outros estados do que ganhou naquele período: o saldo migratório paulista ficou negativo em 135 mil pessoas.
A queda da migração também se relaciona ao fato de o sudeste não ser mais a terra de oportunidades que já foi para o nordestino. A região continua detendo de longe a maior participação no PIB nacional (cerca de 56%), mas vem se expandindo em ritmo “haitiano”, de acordo com Pochmann: no período de 1990 a 2005, Rio de Janeiro e São Paulo cresceram menos de 2% ao ano, enquanto estados como Amazonas e Mato Grosso alcançaram taxas de 7% a 8% e a média nacional ficou em 2,4%.
No estudo já citado Pochmann diz que o sudeste, principalmente São Paulo, passou por um movimento forte de expulsão de mão de obra, em especial a desempregada, constituída, em sua maioria, por nordestinos que acabaram retornando à cidade de origem ou se dirigindo aos estados que mais crescem, sobretudo Amazonas e Mato Grosso.
Quanto ao nordeste, apesar do atual crescimento econômico, está bem longe de se tornar uma região desenvolvida. Atrai investimentos, mas de setores de baixa tecnologia, que não dependem de mão de obra qualificada e empregam trabalhadores com pouca escolaridade, como lembra Silveira Neto, da UFPE, citando a indústria têxtil e de confecção, de calçados e de alimentos, além do varejo: “Acho que essas políticas públicas melhoraram o bem-estar da população, mas não são capazes de mudar a realidade do nordeste. Não haverá solução sem aumento expressivo da escolaridade e da oferta de ensino técnico de qualidade”.
As empresas que se instalam na região em geral investem pesado em capacitação para contornar essa dificuldade, às vezes ainda antes de contratar os trabalhadores. É o caso da Petrobras, que treinará os candidatos aos postos de trabalho nas obras da refinaria de Bacabeira para habilitá-los a fazer a prova de seleção, segundo José Renato Ferreira de Almeida, coordenador executivo do Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), do governo federal. João Menezes, gerente geral de Recursos Humanos da Vale, diz que a procura por mão de obra especializada está aumentando demais, e a base no nordeste é muito restrita: “Se não fizermos capacitação, teremos problemas muito sérios”.
Segundo o economista Biágio de Oliveira Mendes Júnior, gerente de produtos e serviços do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a região ainda precisa de volume muito mais expressivo de investimento em máquinas. Ele vê no nordeste atual o Brasil dos anos 1960 e 70, do milagre econômico e da concentração de renda. Em sua opinião, as vagas mais qualificadas já são distribuídas entre trabalhadores de fora da região e da classe média nordestina. “É provável que a desigualdade de renda tenda a aumentar”, diz, lembrando que hoje Pernambuco é “a bola da vez” em concentração de investimentos no nordeste.
Distribuição
De acordo com dados do IBGE citados no estudo “Nordeste: Necessidades de Investimentos e Convergência do PIB per Capita”, de autoria de Mendes Júnior, o PIB per capita do nordeste equivalia, em 2007, a menos de metade do PIB nacional – R$ 6.769 e R$ 14.328, respectivamente. No trabalho o economista procura estimar o volume anual de investimento necessário para o PIB do nordeste crescer de um a dois pontos percentuais acima do PIB nacional em 2010 e 2011, e ainda o volume requerido para promover a convergência das rendas per capita dessa região e do país. Os cálculos consideram um cenário com políticas econômica e fiscal eficientes e balanço de pagamentos equilibrado, e levam em conta as previsões do Banco Central (BC) para o crescimento do PIB nacional nos dois anos considerados, além de tendências de participação dos investimentos no PIB nordestino.
Mendes Júnior lembra, porém, que hoje não se sabe quanto é investido a cada ano no nordeste, porque esses dados não são contabilizados. Ele informa que, sozinho, o BNB aplicou aproximadamente R$ 20 bilhões na região em 2010. O valor equivale a 33% dos R$ 61,5 bilhões que seria desejável que o nordeste tivesse recebido em investimentos em 2010, para que seu PIB crescesse dois pontos percentuais acima do PIB brasileiro. “O nível de investimento tem de ser alto ou ficaremos falando em desigualdade regional durante muito tempo ainda”, diz o economista.
Enquanto esse almejado volume de recursos não chega, os nordestinos que retornam para casa podem não estar conseguindo melhorar de vida. Os salários do sudeste, por exemplo, continuam sendo bem mais altos que os do nordeste. Mesmo após a média salarial ter aumentado 28,8% na região entre 2004 e 2009, passando de R$ 570 para R$ 734, ainda equivale a 58,5% da verificada no sudeste (R$ 1.255), de acordo com dados da Pnad.
Mesmo assim, os salários de São Paulo também são baixos, em especial para os trabalhadores com pouca qualificação – que por isso começam a buscar outros rumos. Na opinião do baiano Gevanildo Pereira dos Santos, “São Paulo já foi bom para ganhar dinheiro”. No começo de novembro de 2010, ele embarcou num ônibus que o levaria de volta a sua cidade natal, Crisópolis. Aos 35 anos, Santos trabalhou como frentista durante a maior parte dos 15 anos que viveu na capital paulista, e não sabe bem o que fará na Bahia. Seu último salário era de R$ 912. Por que voltou? “Estou cansado. Se der certo fico por lá, talvez consiga alguma coisa em Salvador.”
O também baiano Antonio Almeida, de 25 anos, que há quatro mora na capital paulista, se queixa do salário de R$ 900 a R$ 1.000 que recebe hoje, dependendo das horas extras, como porteiro de um prédio no bairro do Morumbi. Ele quer voltar para sua cidade, Santo Estêvão, e já poderia estar lá, pois recebeu uma proposta para exercer a mesma função com salário um pouco melhor em agosto de 2010, quando foi visitar a família. Para não perder a indenização trabalhista teve, porém, de recusá-la. “O que aborrece aqui é o salário. Achava que ia melhorar de vida mais depressa. Agora na Bahia está muito melhor”.
Já o pedreiro pernambucano José Marcos da Silva Batista, de Garanhuns, cidade natal também do ex-presidente Lula, não se queixa do salário, de R$ 1.100 mais horas extras, que ganhava no último emprego, em uma construtora, onde trabalhou por dez meses no ano passado. Sem emprego porque a obra acabou, ele embarcou em novembro de volta para Garanhuns, pela terceira vez, onde tem mulher e quatro filhos, mas diz que ainda volta para a metrópole: “A firma me chama quando precisar”.

Histórias de sucesso
É grande o número de nordestinos com histórias duras, mas também é apreciável a quantidade daqueles que conquistam sucesso no sudeste. É o caso do baiano de Vitória da Conquista Renato Fernandes, de 27 anos, que há seis vive na cidade de São Paulo. Ele se mudou para trabalhar com um conterrâneo como frentista em um posto de gasolina do bairro do Butantã. Porém, como costuma “olhar para os lados”, como diz, percebeu que o posto tinha uma área pronta para funcionar como lava rápido. Propôs um acordo ao dono e começou a lavar carros, enquanto se mantinha como frentista. Quando a demanda aumentou, Fernandes contratou auxiliares. Hoje tem quatro funcionários, que o ajudam a atender a cerca de 40 clientes por dia, com um faturamento de R$ 12 mil brutos ao mês, dos quais embolsa, líquidos, de R$ 3 mil a R$ 4 mil. “Já me estabeleci. Não volto para a Bahia, a não ser a passeio”, diz.
O maranhense Luís Carlos Ribeiro, de 43 anos, também não pensa em sair de São Paulo, onde viveu por 16 anos, até dezembro de 2009, quando voltou à sua cidade, Pinheiro, para desembarcar novamente na megalópole seis meses depois: “Adoro São Paulo. Tem de tudo aqui, e o salário é melhor”, diz. No seu caso, de fato, os vencimentos são muito maiores: ele afirma que um encarregado de carpintaria na construção civil, sua profissão, recebe de R$ 4 mil até cerca de R$ 7 mil em São Paulo, enquanto no Maranhão ganha em torno de R$ 2 mil. “Mas também tem bastante emprego por lá”, ressalva.
Revista Problemas Brasileiros


Lição de samurais

Eles vieram para trabalhar nos cafezais, mas seus filhos e netos marcaram presença na ciência brasileira

EVANILDO DA SILVEIRA


Arte PB

As primeiras 165 famílias de imigrantes japoneses, compostas de 781 pessoas, desembarcaram do navio Kasato-Maru, no porto de Santos, no dia 18 de junho de 1908. Em 1941, eles já eram 188.986 no Brasil. Todos traziam na bagagem o sonho de ganhar dinheiro nos cafezais de São Paulo e retornar a sua pátria, mas a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) forçou a uma mudança de planos. Sem alternativa, passaram a se integrar à sociedade brasileira, decisão que incluía encaminhar os filhos e netos para os estudos. Vieram para trabalhar na lavoura, mas aos poucos foram para a cidade a fim de estudar. Hoje, o resultado pode ser visto na contribuição constante que vêm dando ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, principalmente em áreas como agricultura, saúde e medicina, física e engenharia.

O professor titular do Centro de História da Ciência da Universidade de São Paulo (USP), Shozo Motoyama, ele próprio um nissei (filho de imigrante japonês), lembra que apesar do desinteresse em relação às escolas superiores no período inicial, os imigrantes davam muita importância à educação, ensinando a língua japonesa e matemática elementar. “Todo agrupamento possuía uma escola”, explica ele.

Uns poucos, porém, foram mais longe e deram início, justamente nesse período em que a maioria de seus compatriotas estava presa à lavoura, a pesquisas científicas em solo brasileiro. É o que conta a professora titular da Escola de Enfermagem da USP Ana Maria Kazue Miyadahira, coordenadora do projeto Encontros e Memórias: a Inserção Nikkei na USP e na Sociedade Brasileira, que resultou num livro publicado em 2008 para marcar o centenário da imigração japonesa no Brasil. “Muita gente duvida quando se afirma que os imigrados ocuparam-se das ciências exatas e naturais já na década de 1930, antes mesmo do surgimento da USP”, diz.

Um exemplo citado por ela é o Instituto Kurihara de Ciência Natural Brasileira, fundado em 1931, em Mirandópolis, pelo lavrador Shihishi Kamiya e um grupo de amadores. Chamado por seus criadores de “o menor observatório astronômico do mundo”, o instituto realizou pesquisas com relativa importância nas áreas de astronomia, meteorologia, zoologia, botânica, arqueologia, antropologia e história. “Kamiya e seus amigos transformaram um velho galinheiro em observatório astronômico e enviavam dados de seus estudos para o Observatório de Kwazan, no Japão, e para o Observatório Nacional, no Brasil”, revela Ana Maria.

Números do sucesso

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do quadro de professores e de alunos da USP, a mais importante universidade do país, demonstram o sucesso do esforço de integração e o papel dos nikkeis (imigrantes japoneses e seus descendentes) na ciência brasileira. De acordo com o censo de 2000, o último realizado, 28,9% dos membros da raça amarela, na qual se incluem os nikkeis, concluíram o ensino superior, contra 10% dos brancos, 2,4% dos pardos, 2,2% dos índios e 2,1% dos negros. Na USP, o desempenho deles também chama a atenção. Embora não representem mais que 3% da população do estado de São Paulo, perfazem cerca de 15% dos alunos e de 4% a 5% dos professores. Nas áreas de saúde e medicina, os estudantes chegam a nada menos que 25%.

Uma das maiores contribuições tecnológicas dos imigrantes nipônicos até a 2ª Guerra Mundial deu-se sem dúvida na agricultura. Com o apoio do governo do país de origem, pode-se dizer que eles revolucionaram a produção agrícola brasileira. “Isso ocorreu sobretudo com a introdução de culturas que inexistiam no Brasil”, explica Alfredo Homma, do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Pará. “A lista é imensa. Na Amazônia, por exemplo, eles introduziram juta, pimenta-do-reino, mamão-havaí, melão, além de frutas como mangostão, rambutã e maracujá.”

Em outras regiões, os nikkeis foram os pioneiros no cultivo de plantas como abacaxi sem espinho e caqui. São contribuições muito significativas, pois na primeira metade do século passado os produtos agrícolas cultivados no Brasil não passavam de 20. Além disso, eles foram responsáveis pela introdução de tecnologia e do melhoramento genético de plantas, bem como de novas técnicas de cultivo, comercialização, difusão e importação.

Também foram pioneiros na sericultura, a criação do bicho-da-seda, que começou a partir de 1938, quando surgiu a Sociedade Colonizadora do Brasil (Bratac), que impulsionou essa atividade. A modernização da avicultura nacional se deve igualmente aos imigrantes, que, entre outros avanços, introduziram a comercialização de ovos, antes produzidos nos quintais brasileiros apenas para consumo familiar.

A cultura do associativismo foi outra contribuição que desembocou na introdução de novas tecnologias pelos nikkeis. Isso começou em 1927, com a criação da Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia, mais tarde Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), cujas atividades se mantiveram até 1994. Seus técnicos realizaram pesquisas e importaram conhecimentos que resultaram no uso de práticas desconhecidas até então no Brasil, como a correção do solo por meio do uso de adubos químicos e orgânicos, o que teve como consequência o aumento da qualidade e da produtividade agrícola. Deve-se a eles ainda a plantação de hortaliças em estufas, a criação de novas variedades e o uso de enxertos para aprimoramento de plantas.

Atendimento exclusivo

Na área médica, a contribuição dos nikkeis também não foi pequena. Nos primeiros anos, por causa das dificuldades com a língua, eles não conseguiam se comunicar satisfatoriamente nas comunidades onde viviam, o que dificultava o atendimento médico. Para sanar o problema, o Japão assinou um convênio com o governo brasileiro para que doutores daquele país pudessem vir para cá para atender as colônias. Eram os chamados haken-i, que só podiam tratar dos imigrantes japoneses. O Brasil, porém, também acabou se beneficiando, pois foram eles os primeiros a detectar e tratar o tracoma e verminoses como o amarelão, além de iniciar pesquisas para o controle da malária e a difusão de conhecimentos sobre a leishmaniose e a tuberculose.

A carência de médicos nas colônias japonesas levou a outro resultado positivo. Sentindo-se desamparados, muitos dos imigrantes se esforçaram para que pelo menos um de seus filhos se formasse nessa profissão. Assim, a partir de 1939, muitos nisseis começaram a cursar medicina na USP – tendência que perdura até hoje e que se expandiu para outras universidades do país. Cerca de 20% dos estudantes que ingressam em algumas das melhores faculdades de medicina do país são descendentes de japoneses.

Na área de física, acontecimentos trágicos que abalaram os japoneses aqui residentes logo depois do fim da guerra resultaram numa fértil colaboração entre pesquisadores japoneses e brasileiros que dura até hoje. Na época, a colônia se dividiu em dois grupos. De um lado estavam os katigumi, que acreditavam na vitória do Japão no conflito e eram maioria. Do outro, os makegumi, cerca de 20% da colônia, que sabiam da capitulação e eram considerados derrotistas. Entre os katigumi, alguns fanáticos fundaram a organização terrorista Shindo Remmei, que assassinou 23 makegumi e feriu centenas de outros.

Para controlar a situação e convencer os katigumi de que o Japão havia de fato perdido a guerra, dirigentes e intelectuais da colônia convidaram, em 1952, personalidades japonesas famosas a vir ao Brasil dar seu testemunho. Para custear a viagem dessas pessoas arrecadaram entre os imigrantes cerca de 1 milhão de ienes. Um dos convidados foi o físico Hideki Yukawa, o primeiro japonês a receber o Prêmio Nobel, em 1949. Como ele não pôde vir, conta Shozo Motoyama, o dinheiro arrecadado para a viagem foi enviado para financiar pesquisas na área de física nuclear, em que ele atuava no Japão.

Muitos anos depois, em 1958, quando se comemorava o cinquentenário da imigração japonesa, Yukawa e outro grande físico, Mituo Taketani, em visita ao Brasil, fizeram questão de agradecer a ajuda recebida anos antes. Mais: propuseram ao respeitado cientista brasileiro César Lattes a colaboração entre físicos teóricos e experimentais de ambos os países. Surgia assim, quatro anos mais tarde, o projeto Colaboração Brasil-Japão de Raios Cósmicos, conhecida pela sigla CBJ, que persiste até hoje.

O dinheiro enviado ao Japão renderia mais uma contribuição à ciência brasileira: no mesmo ano de 1958, o professor Taketani aceitou o convite para dirigir o Instituto de Física Teórica (IFT) de São Paulo, hoje incorporado à Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Seu trabalho no IFT mereceu os maiores elogios, a ponto de a prestigiosa revista de física ‘Nuovo Cimento’ [da Sociedade Italiana de Física] escrever que ele operou um verdadeiro milagre no instituto, colocando-o na fronteira da investigação”, revela Motoyama.

Além dessas áreas, em várias outras há descendentes de imigrantes japoneses que se destacam por sua contribuição à ciência brasileira. Num capítulo do livro Encontros e Memórias, intitulado “Os nikkeis na USP – Introdução Histórica”, Motoyama cita alguns, entre os quais Célio Taniguchi, engenheiro naval que chegou a diretor da Escola Politécnica da USP. Ele se dedicou ao estudo dos problemas relacionados à tecnologia de construção naval e de sistemas oceânicos, incluindo análise estrutural de plataformas de exploração de petróleo. “O professor Seizi Oga, por sua vez, tornou-se grande referência no campo da farmacologia aplicada, com muitos artigos e livros publicados”, diz Motoyama. “Seu livro Fundamentos de Toxicologia é um dos clássicos brasileiros da área.” Oga também foi diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

Saúde animal

Em geociências, um dos destaques é Jorge Kazuo Yamamoto, que começou no Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) desenvolvendo a aplicação de computadores em geologia e mineração, linha de pesquisa que levou para a USP depois de 11 anos. Em medicina veterinária, Motoyama cita Massao Iwasaki, especialista em radiologia, que trabalha com tecnologia de ponta, utilizando aparelhos de ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética no estudo de doenças de cães. Entre as mulheres, uma das citadas é Mitika Kuribayashi Hagiwara, que também atua na área de veterinária. “Ela realizou muitos trabalhos sobre leptospirose canina, patogenia e clínica de retroviroses felinas e sobre clínica e epidemiologia de doenças de cães. Tudo isso dando aulas ininterruptamente por mais de 30 anos”, conta Motoyama.

A exigência das famílias em relação ao desempenho dos filhos nos estudos às vezes beirava o exagero. Um exemplo é o de Alfredo Homma, da Embrapa do Pará. Ele e seus irmãos sempre se destacaram na escola. “Tirar notas altas era motivo de honra, e as baixas, de surras”, lembra. “Tanto que passei em primeiro lugar no vestibular de agronomia da Universidade Federal de Viçosa, sem fazer cursinho, pois simplesmente não tínhamos condições de pagar um”. Sua irmã passou em primeiro lugar em medicina na Universidade Federal do Maranhão e o irmão caçula em primeiro lugar em metalurgia, na Universidade Federal de Ouro Preto.

Assim como Homma, praticamente todos os nikkeis têm uma história sobre a importância que seus pais davam à educação e aos valores culturais de seus antepassados. “Eu me lembro de minha mãe dizendo: ‘Somos pobres, mas descendemos de samurais, então somos ricos em valores como dignidade, honestidade’”, conta Ana Maria Miyadahira. “Aprendi com ela que a maior riqueza não é material, mas do espírito – uma coisa que também tento passar a meus filhos.”

Revista Problemas Brasileiros

O trabalho precário dos migrantes no Líbano


planície de Bekaa
AGRICULTURA
O trabalho precário dos migrantes no Líbano

Na planície de Bekaa, estendem-se belos campos aos quais se tem acesso por vias margeadas de armazéns frigoríficos e instalações de empacotamento. Mas, em contraponto ao cenário do progresso, existem formas de miséria onde trabalhadores são as principais figuras das paisagens arcaicas que os campos modernos exibem


por Lucile Garçon , Rami Zurayk


Todas as manhãs, logo que o Sol desponta atrás da cordilheira Antilíbano, as sirenes dão o sinal para início do trabalho nos acampamentos provisórios da planície de Bekaa. Homens, mulheres e crianças deixam suas barracas para subir nas pick-ups. Carregam um saco de pão, queijo e batatas cozidas. Vestem várias camadas de roupa sob a longa túnica surrada e colocam o keffiyeh na cabeça. A indumentária é a tradicional dos fellahs e beduínos, mas apesar de também viverem da terra, trata-se de um novo tipo de trabalhadores nômades.

A planície aluvial de Bekaa, entre o monte Líbano e o Antilíbano, produz essencialmente frutas e legumes numa área que chega a 40% do território do país. Sem uma política agrícola definida pelo Estado, mais preocupado em desenvolver o setor de exportações, principalmente para a Jordânia e os países do Golfo, boa parte dessa área foi dominada pelas hortas. Essas culturas, contudo, não obedecem mais ao ritmo das estações: os tomates crescem em estufas, tanto no verão quanto no inverno. E desde os anos 1980 a chegada da primavera provoca a eclosão das tendas citadas no início do texto. Feitas de sacos de juta costurados ou lonas de plástico recuperadas de painéis publicitários, elas abrigam os sírios que há décadas atravessam o Antilíbano para viver na região. Mas, se no início eles levavam seus rebanhos para pastar ali, a transumância não determina mais os movimentos da população: é a necessidade de dinheiro, em um sistema econômico profundamente monetarizado e inserido na concorrência internacional, que dita as regras.

Mão de obra

A lógica das “vantagens comparativas”, que tem incitado a indústria têxtil europeia e estadunidense a exportar para a Ásia suas fábricas, leva alguns agricultores a importar mão de obra de países pobres em capital, mas ricos em braços. Entre a Síria e o Líbano as regras do comércio internacional funcionam sem obstáculos: a proximidade e extraordinária permeabilidade da fronteira facilitam muito o deslocamento1 de trabalhadores mal remunerados. Para um sírio, o salário de um operário agrícola no Líbano parece extraordinário. Em Bekaa, o valor mínimo pago pela jornada de trabalho vale quatro vezes mais do que é pago em Raqqa.2 Os sírios chegam com a família e se agrupam em acampamentos de centenas de pessoas. Alguns ficam ali poucos meses, enquanto outros ficam anos – o tempo necessário para acumular a soma que permita construir uma casa, criar uma empresa, comprar terras agrícolas ou garantir as necessidades familiares.

Esses sírios são contratados como operários sem qualificação. E como no setor agroalimentar os trabalhos variam segundo os dias, as tarefas acabam sendo muito parecidas: quer se trate de uvas, azeitonas ou pepinos, todos se curvam para colhê-los. Os gestos não variam mais que na fábrica: descarregar o caminhão, armazenar, embalar em caixas, e carregar o caminhão. Tanto na primavera quanto no outono eles colocam as mesmas luvas de borracha para arrancar as ervilhas ou limpar as cebolas, e usam um keffiyeh para se proteger dos pesticidas e do sol. Naifa, operária de 52 anos, lamenta a monotonia dos dias em que ninguém se interessa de fato pelo trabalho: “Existem tantas canções, especialmente para as colheitas, mas raramente vejo alguém as entoando agora”. As músicas divulgadas pela televisão e gravadas nos celulares suplantaram o repertório tradicional.

Em novembro, na planície de Bekaa, a colheita de batatas não deve atrasar. A partir do momento que um agricultor solicita mão de obra para seus três hectares, o chawish coloca 70 pessoas no reboque da pick-up. Para a maioria dos sírios, os chawish são os intermediários inevitáveis do mercado de trabalho, já que as colheitas exigem uma mobilização grande e muito rápida. Não há necessidade de papéis para tornar-se referência nessa ocupação, um veículo e um telefone celular contendo os contatos de proprietários bastam. O chawish garante aos operários trabalho e moradia; e aos empregadores uma rentabilidade interessante, responsabilizando-se sobre eventuais custos com acidentes e implantando um bom ritmo de trabalho. Abou Tamer, chawish há cerca de 15 anos, garante máxima eficiência graças a uma estrita repartição de tarefas. Às mulheres, a colheita propriamente dita: elas seguem pelos sulcos traçados pelos tratores enchendo de batatas seus vestidos que ficam dobrados, formando uma espécie de bolsa. Aos homens, o controle: vigiam para que elas não percam nem um minuto, nem um legume. O mesmo para as crianças: as meninas colocam os produtos em sacos plásticos, e os meninos passam pelas fileiras com agulha e linha na cintura, fechando as embalagens com alguns pontos de costura.

Alguns empregadores que recrutam sem recorrer a um chawish contam com o trabalho por empreitada para melhorar a produtividade. Quando se trata de amêndoas, por exemplo, eles pagam por caixa. No setor de empacotamento ou nos armazéns frigoríficos, cujos produtos serão exportados para a Jordânia e para o Golfo, os operários são remunerados segundo o volume de mercadorias carregadas nos caminhões. Para Ali Fayyad Tarchichi, famoso comerciante de batatas de Bekaa, uma tonelada vale US$ 1. Para o tabaco, o salário é calculado em colares de folhas secas. Após horas dedicadas a descascar as plantas, os operários levam as folhas em caixas, colocam-nas em fila e as deixam secar em casa. Depois, terminada a refeição, esperam a vinda do patrão. Os ganhos raramente excedem as 8 mil libras libanesas (LL), cerca de R$ 16, para jornadas de dez horas, com apenas uma pausa para almoço, de meia hora, não remunerada. Os agricultores de Bekaa não só pagam menos que em outros lugares – 10 mil LL por pessoa, contra uma média de 25 mil LL no sul do Líbano –, como também dão dinheiro aos chawish, e estes recebem uma comissão de 1.500 a 2 mil LL sobre cada salário. Alguns operários não recebem nada, eles se responsabilizam por uma dívida individual ou familiar contraída junto ao chawish. Desse modo, Raed e seus parentes pagaram, com alguns meses de trabalho, a operação de sua mãe, realizada no ano passado em Damasco: 1,5 milhão de libras sírias (R$ 55 mil) por uma hérnia de disco. Esperando pagar as somas emprestadas, e uma vez esgotadas as reservas trazidas da Síria, esses operários vivem do crédito dos comerciantes locais.

Quando, por volta das 15h ou 16h, a jornada do warsheh (como são denominadas as equipes de trabalho) chega ao fim, os rapazes fecham os últimos sacos e as mulheres são autorizadas a catar as batatas pequenas, estragadas ou cortadas pelos tratores. Assim que retornam do campo, colocam-nas para cozinhar em um fogo feito com restos de plástico, aceso com velhos sapatos e garrafinhas de iogurte vazias encontradas à beira da estrada. Em seguida, fervem água – se tiver – para tomar banho e lavar a roupa. Os habitantes pagam uma taxa anual aos warshehs para cobrir os gastos com o aluguel do terreno, óleo para o gerador elétrico e fornecimento de água.

Condições de vida

As barracas têm apenas duas peças sem janela, isoladas do solo por esteiras de nylon, com uma superfície que dificilmente atinge 20m2. No exterior, velhos tapetes dissimulam os sanitários – uma estreita cabine e um vaso mudam de lugar, alojados em um novo buraco quando o antigo transborda. Cadáveres de animais são, por vezes, deixados vários dias entre as barracas, que ficam próximas do lixo a céu aberto. À precariedade do alojamento se acrescenta uma superpopulação propícia a deixar o clima ainda mais tenso. As famílias, já numerosas, vão crescendo ao ritmo dos recém-chegados, e cerca de 20 pessoas coabitam uma mesma barraca – em outras palavras, literalmente não há espaço para qualquer intimidade. Nada está de acordo com as normas mínimas fixadas pelas Nações Unidas3: as condições de vida se revelam deploráveis, mesmo que as improvisações melhorem o cotidiano aqui e ali.

Havra, que vive em Nahri desde 1984, apresenta o acampamento como um pequeno paraíso: “Não falta nada aqui”. Duas lojas importam da Síria os produtos básicos com preços baixos. “Somos pobres, mas criamos cabras, galinhas e, terminadas as colheitas, com o consentimento dos agricultores, podemos deixar os carneiros pastarem ou colher cogumelos nos campos. Usamos um vidro retrovisor quebrado para pentear-nos e comemos numa embalagem de fertilizante virada do avesso, mas vocês conhecem muitas pessoas que bebem um café com leite de cabra de manhã?”

A visita a um acampamento inclui, inevitavelmente, conhecer aquele cujo pé foi cortado por um trator, ou aquela que teve o ombro arrancado por um triturador. Outro grande risco: a exposição, sem proteção adequada, a produtos químicos tóxicos, que provocam doenças de pele ou problemas respiratórios. A postura desconfortável imposta pela colheita também causa problemas musculoesqueléticos, em particular entre as mulheres, pois elas ficam com mais frequência curvadas, agachadas ou ajoelhadas. Muitas sofrem de dores nas costas e nos joelhos, ou de tendinites nas mãos devido aos gestos repetitivos. Além disso, não existem feriados: se o período do Ramadã ainda permite alguma flexibilidade, o calendário agrícola moderno ignora os dias de festa.

Alguns homens pensam em partir, para Beirute ou Chipre, para serem empregados na construção ou em outro setor; todos os outros alimentam a ambição de deixar o campo para se tornarem eles próprios chawish ou comerciantes. Há dois anos, Ali paga um aluguel suplementar para armazenar batatas negociadas a baixo preço durante a colheita. Com dois associados, ele comercializa as batatas pequenas sob forma de sementes quando os preços estão em alta, e envia as mulheres para venderem as maiores na beira da estrada. Apesar dos resultados negativos até agora, Ali não perdeu as esperanças de que logo os negócios melhorarão.

Diferenças

O grau de industrialização da planície de Bekaa parece irrisório em relação ao de outras regiões agrícolas do mundo. O mesmo vale para seu nível de produtividade, comparado ao rendimento, por exemplo, da Andaluzia, na Espanha, onde 3 milhões de toneladas de frutas e legumes saem todo ano das estufas instaladas em 32 mil hectares por empresas multinacionais, contra apenas um milhão de toneladas para 123 mil hectares de superfície agrícola útil em Bekaa. A situação desses trabalhadores tampouco é invejável: além de sofrerem as mesmas formas de violência que os empregados romenos na Grécia, os uigures nos campos de algodão da China ou os africanos na Itália, eles ainda são vítimas de um ódio exacerbado devido a um contexto geopolítico sensível. Apesar do discurso racista das pessoas que não querem empregá-los por temerem que “eles mudem a cara do Líbano”, os sírios são aceitos porque “não são caros”. A isto se acrescenta uma hostilidade particular. Desde a retirada das tropas de Damasco em 2005, os sírios são alvo de seguidos atentados no Líbano; o último foi cometido contra um ônibus de viajantes em Deir el-Ahmar, em dezembro de 2009.

Lucile Garçon é engenheira, pesquisadora em desenvolvimento sustentável e agricultura

Rami Zurayk é professor e decano associado da Faculdade de Agricultura e de Ciência Alimentar da Universidade Americana de Beirute (AUB).

1 Emmanuel Terray, “O trabalho dos estrangeiros em situação irregular ou o deslocamento no local”, em Etienne Balibar, Monique Chemillier, Jacqueline Costa-Lascoux e Emmanuel Terray (dir.), Sem documentos: o arcaísmo fatal, La Découverte, Paris, 1999, p. 9-34.


2 Muitos trabalhadores rurais vêm desta comunidade situada no vale do Eufrates. Na Síria, o salário é, em média, de 75 libras sírias, ou seja, menos dois euros por dia que o salário médio de um operário não qualificado em qualquer outro setor.


3 Segundo o Alto Comissariado da ONU para os refugiados, estes devem dispor de 30 m2 em torno do local de moradia e 3,5 m2 por pessoa; uma latrina para 20 pessoas, e pontos de abastecimento em água potável a, no máximo, 150 metros de suas casas.

Le Monde Diplomatique Brasil

Norte e Centro-Oeste, novos pólos de migração

O Sudeste já não é a maravilha de outrora. Eventos ocorridos nas últimas décadas, como estagnação econômica, descentralização do setor industrial, urbanização em outros estados e expansão de novas fronteiras agrícolas fizeram com que o estado de São Paulo e seus vizinhos perdessem a soberania no que se refere a desenvolvimento regional. Atualmente, Goiás e Mato Grosso, no Centro-Oeste, assim como Amazonas, no Norte, apresentam níveis atraentes de crescimento econômico e, com isso, elevaram seu poder de atração de migrantes, principalmente nordestinos, que partem para essas regiões em busca de melhores empregos e condições de vida. Enquanto isso, no Sudeste o movimento é inverso: mais pessoas têm saído de seus estados, tendência que deve permanecer nos próximos anos.

Os últimos 25 anos foram de semi-estagnação econômica o que se refletiu fortemente no Sudeste, que reduziu seus índices de desenvolvimento econômico do país nos últimos tempos para a casa de 2% ao ano, assinala o professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcio Pochmann. O mesmo ocorreu com os indicadores de produção e emprego. A baixa expansão da atividade econômica expulsou a mão-de-obra excedente. "Em sua maioria, são nordestinos que voltaram às suas cidades de origem ou se dirigiram aos estados que mais crescem atualmente, sobretudo Amazonas e Mato Grosso – 7 a 8% ao ano, índices semelhantes ao chinês", constata Pochmann.

A alta taxa de crescimento econômico desses estados se deve a muitos fatores. Um dos principais é a expansão das fronteiras agrícolas, tanto da soja para exportação, quanto da pecuária e do extrativismo mineral. Muitos alagoanos, piauienses e maranhenses que no passado vieram trabalhar no cultivo de café paulista e paranaense, agora estão nas lavouras e na indústria agropecuária do Centro-Oeste. No entanto, Pochmann ressalta que a indústria dessas regiões produz artigos de "baixo valor agregado e de pouco conteúdo tecnológico, derivados do extrativismo mineral e normalmente vinculados à produção de alimentos ou à pecuária. Os empregos são de salário-mínimo".

DESCENTRALIZAÇÃO
A partir de 1980, muitas indústrias transferiram suas fábricas do Sudeste (concentradas principalmente em São Paulo) para outros estados. Segundo Juciano Martins Rodrigues, em pesquisa para o Observatório das Metrópoles, esse movimento deveu-se ao investimento em infra-estrutura de transporte, energia e comunicação em outros centros urbanos do país, assim como à ação estatal de incentivos fiscais regionais que possibilitou ganhos maiores às empresas nos novos estados.

A massa de desempregados com o fechamento de empresas, principalmente de São Paulo, começou a migrar para esses novos pólos industriais. No primeiro momento, a migração se restringiu ao eixo Sul-Sudeste, depois se estendeu a outros estados como Goiás e Mato Grosso.

Pochmann ressalta que o padrão migratório de hoje difere do registrado na década de 1970, quando a predominância era de imigrantes com baixa escolaridade, saído da zona rural, que disputavam vagas de trabalho não qualificado. "Agora, o que se observa é uma migração urbana, de cidade para cidade, e não mais do campo para a cidade".

PASÁRGADA DO PASSADO

O processo brasileiro de migração interna se intensificou a partir de 1930 quando muitos países europeus criaram barreiras à emigração de habitantes para a América Latina. Naquela época, São Paulo vivia um período de forte crescimento industrial e extensa agricultura cafeeira que tornava o contingente de trabalhadores da região insuficiente para manter o ritmo acelerado de crescimento. Sem poder contar com os europeus que ocuparam o espaço dos negros escravos na lavoura, a saída do governo paulista foi iniciar uma campanha para atrair migrantes internos. Logo, nordestinos e mineiros do norte de Minas Gerais formaram fluxos migratórios constantes para São Paulo e Rio de Janeiro, então capital do país, que também passava por um processo de industrialização.

Até 1970, a região metropolitana de São Paulo foi a "Pasárgada" brasileira: ali se instalaram as principais indústrias, com os melhores empregos. Com a crise de 1980 e ciclo de expansão econômica do país detido, ocorre uma re-estruturação do mercado de trabalho e o mapa migratório brasileiro começa a apontar para novas direções

MIGRAÇÃO DE RETORNO
É preciso ressaltar, porém, que apesar dos acontecimentos atuais o Sudeste ainda é a região que mais recebe imigrantes em números absolutos (a que mais envia emigrantes também, em um fluxo de mão dupla). É o que afirma a pesquisadora do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo) da Unicamp, Rosana Baenninger, destacando, porém, que o perfil dessa migração mudou bastante. O que mais atrai imigrantes à região metropolitana de São Paulo hoje são os laços sociais estabelecidos. Muitos, principalmente da Bahia e do Ceará, estabelecem-se em São Paulo com a ajuda de parentes que moram na região. São, em geral, jovens que permanecem no Sudeste por alguns anos para fazer seu "pé-de-meia" e depois voltam à terra natal. Com a experiência adquirida no Sudeste, vários conseguem empregos em turismo e serviços em seus estados.

Já no Sul do país, diz Rosana, há um retorno de paranaenses que até pouco tempo estavam no Sudeste, assim como muitas pessoas migram para a região metropolitana de Curitiba e para o litoral catarinense. Alguns sulistas aproveitaram o processo recente de urbanização de regiões metropolitanas do Distrito Federal e de Goiás (pós 1988) para migrarem para esses estados que são atualmente o "Eldorado brasileiro".

Luiz Paulo Juttel

Revista Ciência e Cultura


Uma longa viagem


Octavio Ianni
Texto completo publicado na Revista Tempo Social
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702004000100009&lng=pt&nrm=iso
Professor-emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

O migrante pode ser visto como aquele que foge e busca, é tangido e extravia-se, ambiciona e frustra-se, resigna-se e realiza-se. São muitos os que se perdem na viagem, ficam pelo caminho, regressam e retornam. Parecem tangidos por uma força desconhecida, simultaneamente histórica e telúrica.

O migrante pode ser um e muitos, famílias e grupos, coletividades e povos. São viandantes de uma vasta e errática diáspora que se espalha pelas nações e continentes, com suas vozes e línguas, cores e coloridos, atividades e padecimentos, frustrações e alegrias. Podem realizar-se na primeira ou na última geração; ou malograr em todas. Estão metidos em situações e acontecimentos, guerras e convulsões sociais, lutas políticas e revoluções, carências e esperanças. Podem ser vistos como uma multidão em movimento, ao acaso de situações e acontecimentos, como que tocados pelos ventos.

O século XX tem sido um século de migrações, pelos quatro cantos do mundo, em todas as direções. São desempregados, desabrigados, refugiados, perseguidos, desamparados. São indivíduos e familiares, grupos e coletividades. São muitos, milhares, milhões. Movem-se em todas as direções, atravessando territórios e fronteiras, nações e continentes, culturas e tradições. São migrantes, emigrantes, imigrantes, retirantes, errantes. Parecem tangidos por algo imponderável e invisível, escondido nas condições de vida e de trabalho, no meio de guerras e revoluções, nos desastres ecológicos e nas epidemias, mesclando carências e esperanças.

Um dos aspectos mais notáveis das migrações em curso no século XX expressa o modo pelo qual se desenvolve a nova divisão transnacional do trabalho e da produção. Em sua grande maioria, os migrantes são ou transformam-se em trabalhadores em busca de emprego. Exercem as mais diversas atividades, em geral as menos qualificadas social e economicamente, conforme este ou aquele contexto social; situam-se como los de abajo, os "humilhados e ofendidos", membros das "classes perigosas", ameaça aos que já estão empregados e mais ainda aos já desempregados.

Esse é realmente um aspecto importante de boa parte dos movimentos migratórios em curso no século XX: são trabalhadores desempregados ou empregados em condições extremamente adversas, buscando outras e melhores colocações. Partem sozinhos, com seus familiares ou em grupos. Seguem estradas e viagens inauguradas por outros, ou abrem novas estradas. Deslocam-se para as mais diversas direções, a procura de lugares próximos, distantes, longínquos. Sempre em busca de emprego, isto é, sempre empenhados em vender sua força de trabalho, para comer, beber, vestir-se, abrigar-se, proteger a saúde, estudar, conquistar direitos políticos, civis e sociais; como indivíduos e famílias, coletividades e povos.

A decisão de partir, na esperança de poder realizar um projeto próprio de existência, seja nos confins da própria nação ou região, seja além do oceano, implica evidentemente processos de mobilidade geográfica, cultural, econômica, social e profissional que, no encontro e no desencontro de populações, assumem uma importância fundamental; sobretudo em sociedades caracterizadas por complexas e irresistíveis dinâmicas de intercâmbio, internacionalização e globalização, tais como se podem considerar as sociedades contemporâneas (Lazzari, 2000, p. 17).

Note-se que grande parte da vida do migrante se desenvolve na cidade, muitas vezes em grandes centros urbanos. Muitos saem do campo e de pequenas localidades, desde longínquos países, e dirigem-se para as cidades que parecem prósperas, promissoras. Aí encontram dificuldades e perspectivas, emprego e desemprego, pauperismo e lumpenização, êxito e emancipação. Alguns conseguem ascender socialmente, realizam-se, chegam a sentir-se vitoriosos. Outros, muitos, a grande maioria, dissolve-se no meio da multidão solitária.

A cidade torna-se o lugar privilegiado da contradição e do embrutecimento, na pobreza e na miséria sem esperança; da estabilidade precária e da persistente imobilidade social, quando não de um ulterior descenso ao inferno da miséria (Idem, p. 33).

Simultaneamente, nesse emaranhado de situações e acontecimentos, de par em par com as migrações e as errâncias, desenvolve-se um novo ciclo de racialização do mundo, envolvendo as formas de sociabilidade, as condições de vida e de trabalho, os jogos das forças sociais; tudo isso concretizado na fábrica e no escritório, sindicato e partido, escola e igreja. Essa é uma implicação sempre presente e ativa nos processos migratórios: criam-se e explicitam-se tensões étnicas, lingüísticas e religiosas. A xenofobia, o etnicismo, o racismo e o fundamentalismo emergem ou ressurgem em situações sociais nas quais o migrante aparece como "diferente", "estrangeiro", "exótico", "outro". Simultaneamente à acomodação, à integração e à participação em curso nos locais de trabalho e de convívio social, emergem e ressurgem tensões e conflitos. Uma parte do "neo-nazismo" de que se fala em diversas nações pode ser visto como "produto" da racialização em curso no fim do século XX e início do XXI. Permeando a luta pelo emprego, o crescimento do desemprego conjuntural e estrutural, a busca de residência, escola, saúde e outras condições básicas de vida, emergem e ressurgem idiossincrasias raciais de todos os tipos; são xenofobias, etnicismos, racismos e fundamentalismos que se exacerbam, nascem ou renascem em várias das sociedades do "primeiro, ex-segundo e terceiro mundos". Em pouco tempo as nações que haviam lutado contra o nazifascismo descobrem e redescobrem que também contêm intolerâncias e fundamentalismos desse mesmo cunho.

Cabe reconhecer, no entanto, que a multidão de migrantes que se espalha pelo mundo envolve um vasto processo de transculturação. São muitas as culturas que se encontram, acomodam, sofrem tensões, negam e recriam. Recriam-se geralmente em outros e novos termos. São intercâmbios de valores e instituições, formas de sociabilidade e ideais, línguas e religiões; além de mestiçagens ou hibridações. Assim se multiplicam as formas e as práticas culturais, as histórias e as tradições, as alteridades e as diversidades. Assim se multiplicam as pluralidades socioculturais, compreendendo as práticas e as criações de indivíduos e coletividades. Encontram-se, cruzam-se, reafirmam-se e transformam-se as muitas "identidades", de tal maneira que o ocidentalismo e o orientalismo, assim como o indigenismo e o africanismo, mudam de figura, redefinindo-se em outros termos, em diferentes significações.

Na complexa teia das suas relações sociais, os transmigrantes organizam e criam múltiplas e fluidas identidades, buscadas simultaneamente em sua sociedade de origem e nas adotivas. Enquanto alguns migrantes identificam-se mais com uma sociedade do que com outra, a maioria parece desenvolver várias identidades, relacionando-se simultaneamente com mais de uma nação. Ao manter muitas e diferentes identidades raciais, nacionais e étnicas, os transmigrantes tornam-se aptos a expressar as suas resistências às situações econômicas e políticas globais que os envolvem, bem como para se ajustarem às condições de vida marcadas pela vulnerabilidade e a insegurança. Estes migrantes expressam essa resistência em pequenos gestos, em práticas cotidianas, que habitualmente não desafiam ou nem mesmo reconhecem as premissas básicas dos sistemas que os envolvem e ditam as condições da sua existência. Como os transmigrantes vivem simultaneamente em diversas sociedades, suas ações e crenças contribuem para a contínua e múltipla diferenciação. A crioulização [...] não é somente o produto de uma acentuada distribuição mundial de sistemas [de referência], mas também o produto dessa dinâmica envolvida na migração e na diferenciação [...]. Na economia globalizada desenvolvida ao longo das últimas décadas, há uma convicção de que nenhum lugar é verdadeiramente seguro, embora o indivíduo tenha acesso a muitos lugares. Uma forma de os migrantes manterem suas opções abertas é transladarem-se continuamente, de uma posição econômica e social conquistada em um ambiente político para outra posição política, social e econômica em outro ambiente (Schiller et al., 1992, pp. 11-12).

No contexto das migrações transnacionais, tanto se desenvolvem as intolerâncias como as acomodações, o neo-nazismo ou o nazifascismo como a transculturação, as identidades e as alteridades, os fundamentalismos e os cosmopolitismos. Esse também o contexto em que se desenvolve o debate sobre o multiculturalismo. Em pouco tempo, nas últimas décadas do século XX, são muitos os que se engajam em controvérsias, práticas e elaborações teóricas sobre o multiculturalismo. É como se o étnico, o racial e o gênero, sem esquecer gerações, logo se revelassem categorias fundamentais da organização e da dinâmica da sociedade, em âmbito nacional e mundial. São categorias com as quais se passa a descrever e a explicar grande parte da realidade social. O debate sobre multiculturalismo, envolvendo etnicismo e sexismo, logo se torna não só relevante, mas predominante. Em larga medida, o que está em causa é a liberação, a conquista de identidades individuais e coletivas, a afirmação de alteridades e diversidades. No limite, está em causa o indivíduo, a individuação, o individualismo, tomados como condição e afirmação de cidadania. Pouco ou nada se diz da história e da dinâmica da sociedade, do jogo das forças sociais, das hierarquias e contradições de classes, da "fábrica" de intolerâncias e autoritarismos.

Todo migrante define-se pela viagem, como refugiado, retirante, indocumentado, legal, clandestino, esperado, expulso, radicado, errante. Ainda que esteja localizado, enraizado ou integrado, ainda guarda em si algo do viajante, de quem está em trânsito, literal ou metaforicamente. Mesmo aquele que nunca saiu do seu lugar, que está enraizado por gerações, mesmo esse, no contraponto com o migrante recente ou antigo, sente-se desafiado pela viagem do outro. Esse é um estado de espírito que perpassa a percepção e a atividade, o modo de ser e a subjetividade de uns e de outros. Aquele que vai e aquele que fica, o que chegou e o que estava, todos sentem-se em viagem, real ou imaginária, literal ou metafórica, presente ou pretérita; vagando no futuro (cf. Ianni, 1972).

É nesse clima que o migrante desenvolve várias e muitas possibilidades de agir, pensar e sentir, ser e devir. Desenvolve perspectivas plurais, múltiplas, polifônicas. Pensa-se em movimento, sente-se em diferentes situações, padece distintas injunções, defronta-se com diversas e prementes carências. Simultaneamente, percebe o singular e o plural, a vivência e a perspectiva, o ser e o devir.

Nesse sentido é que o migrante tende a desenvolver uma percepção de "si" e do "outro", do "nós" e dos "outros", que pode ser uma percepção diversificada, plural, múltipla. A condição de migrante é, simultaneamente, a de quem está aqui e lá, em duas ou mais situações, perspectivas, modos de ser. Pode desenvolver certa eqüidistância, visualizar criticamente a sociedade adotiva e a originária, colocar-se em condição de "marginal". É desafiado a pensar-se e a sentir-se no contraponto do "eu" e do "outro", "nós" e "eles", nativo e estrangeiro, como em um jogo complexo de espelhos reflexos. Daí a possibilidade de uma autoconsciência sui generis, na qual se combinam o singular e o plural, a identidade e a alteridade, a integração e o antagonismo, a acomodação e a transformação (cf. Stonequist, 1948).

São diversos os grupos étnicos que se definem pela condição essencial de migrante. Povoam muitos lugares no mapa do mundo. Como o "árabe" em países da Europa, da África, da Ásia e das Américas; ou o "oriental", seja ele japonês, coreano, chinês, hindu ou outro, em países da Europa, da África e das Américas; ou o "negro", originário da vasta e longa diáspora provocada pela escravatura moderna, vivendo por gerações sucessivas em países das Américas. A despeito da abolição do regime de trabalho escravo, da sucessão de gerações, das mestiçagens de todos os tipos, de algumas conquistas sociais, os negros das Américas continuam a definir-se como indivíduos e coletividades em viagem, tangidos desde longe, em busca de raízes. Daí a autoconsciência plural, capaz de apreender a perspectiva múltipla, emaranhada.

Esta é a lição dessa história: na sociedade mundial, assim como na sociedade nacional, o migrante continua a ser tangido por situações e acontecimentos, como que fustigado pelos ventos. Pode ser apenas um, solitário, retirante, perseguido, ambicioso, viandante; mas podem ser muitos, milhares, milhões, afetados por desastres ecológicos e epidemias, guerras e revoluções, xenofobias e etnicismos, racismos e fundamentalismos, em busca de trabalho, refúgio, raízes, paz. Continuam a percorrer territórios e fronteiras, continentes, ilhas e arquipélagos, levando pelos caminhos as marcas dos próprios passos, desenhando no mapa do mundo os sinais de suas errâncias.

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