quarta-feira, 17 de julho de 2013

BRASIL

Tesouro de areia



O litoral é o nosso cartão de visita, o nosso principal atrativo turístico. Mas tem sido usado como uma latrina.
por Tatiana Bonumá

Praias de areia branca e fofa, dunas, falésias, baías cercadas pela Mata Atlântica, recifes de corais, águas transparentes e uma fabulosa variedade de peixes, crustáceos e animais exóticos como o peixe-boi. Tudo isso espalhado ao longo de 7,4 mil quilômetros. Para um país gigantesco como o Brasil, e com a maior parte do seu território em zona tropical, ter à disposição tantos quilômetros de praias bonitas e de águas mornas deveria ser encarado como uma bênção. Afinal, o turismo é uma das atividades que mais cresce no mundo e boa parte das pessoas que viajam saem de países frios, como Estados Unidos, Canadá e os da Europa, à procura de um lugarzinho ao sol. Temos tudo para ser um gigante do turismo de praia. No entanto, nosso desempenho no setor é nanico. O Brasil recebe, por ano, entre três a quatro milhões de turistas estrangeiros, enquanto apenas a cidade de Paris recebe 62 milhões. E a principal queixa dos turistas que visitam nossas cidades litorâneas é a sujeira, superando inclusive a violência.
Os especialistas estimam que pelo menos 30% dos ecossistemas costeiros tenham graves danos ambientais – principalmente no trecho entre os Estados de Espírito Santo e Rio Grande do Sul, onde a urbanização e a industrialização foram mais intensas. O litoral brasileiro abriga 393 cidades onde vivem 37 milhões de pessoas. Além disso, fica no litoral a maior parte das indústrias brasileiras. Mais de 80% dos portos foram instalalados ilegalmente em áreas de manguezais. Indústrias químicas ocuparam regiões de restingas e dunas foram varridas para dar espaço a loteamentos. Muitos desses setores escolheram instalar-se no litoral para poder jogar no mar seus dejetos tóxicos sem precisar gastar com tratamento. Ou seja: nosso mar foi encarado como uma latrina pública.
“Por causa das agressões, algumas partes do litoral brasileiro são mais pobres em biodiversidade que muitos desertos”, afirma Luiz Roberto Tommasi, diretor presidente da Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (Fundespa). O quadro é grave, mas não irreversível. Muitos desses problemas têm solução se forem combatidos agora – e já há muita gente empenhada nisso. O principal instrumento de mudança é o programa de Gerenciamento Costeiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, que pretende discutir com todos os interessados na costa brasileira as melhores maneiras de ocupá-la, de gerar riqueza e desenvolvimento sem precisar destruí-la.

Saneamento já
A principal causa da poluição do mar é falta de saneamento básico. Dados da Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (Abema), apontam que 80% dos esgotos do país não recebem nenhum tipo de tratamento – e isso vale para o litoral. Só a cidade de Fortaleza, um dos principais destinos turísticos do Nordeste, lança ao mar, diariamente, 1 milhão de toneladas de esgoto. A culpa é dos governos e das administrações públicas, que, quase sempre, preferem investir em grandes obras, que aparecem e dão votos, do que em tubulações e estações de tratamento, que ficam escondidas. Esse descaso dos governos com o esgoto doméstico deu margem para que muitas indústrias se sentissem livres para fazer o mesmo com seus dejetos.
É preciso mudar urgentemente de postura. A ampliação da rede coletora e de tratamento de esgotos, tanto domésticos quanto industriais, é a primeira medida para diminuir a poluição do mar. Outra iniciativa seria diminuir o valor das taxas de coleta de esgoto cobradas das indústrias. A taxa é cobrada pelo volume de esgoto produzido. Como uma indústria produz muito mais esgoto que uma residência, o mais lógico seria ela ter um desconto na taxa por metro cúbico. Isso estimularia os empresários a instalar redes coletoras e de tratamento – obedecendo às leis existentes – em vez de jogar clandestinamente nos córregos, que deságuam no mar. Uma fiscalização mais rígida ajudaria muito. Hoje, as penalidades impostas pela lei às indústrias que não tratam o próprio esgoto são altas, mas isso não as intimida em função do reduzido número de fiscais que executam o controle.
A reciclagem do esgoto também deve ser incentivada. O governo do Ceará, por exemplo, estuda um programa capaz de resolver o problema da poluição do mar e ainda garantir o abastecimento de água em Fortaleza nos períodos de seca. A idéia é criar canais de captação tanto dos esgotos quanto da chuva. Depois de tratada, ela vai poder ser reutilizada para fins não-potáveis. Outro bom exemplo de respeito ao mar acontece em Vitória, no Espírito Santo. As unidades de tratamento de esgoto do município substituíram o cloro por luz ultravioleta que, quando concentrada, é capaz de fulminar bactérias. “O cloro é um elemento muito usado para desinfetar o esgoto, mas quando chega ao mar em grandes quantidades prejudica a vida marinha”, explica o engenheiro especialista em saneamento básico Antonio Lívio Abraços Jorge.
Os portos e os navios de carga que circulam pelo nosso litoral também precisam mudar de atitude. O programa de Gerenciamento Costeiro prevê uma série de medidas para evitar que as zonas portuárias sejam sempre retratos da degradação do ambiente marinho. Além dos corriqueiros derramamentos de óleo dos petroleiros, muitos navios lançam ao mar seus dejetos cloacais sem qualquer tratamento. Outro problema grave é a promiscuidade oceânica provocada pela “água de lastro” dos navios transatlânticos. Essa é a água com a qual os navios enchem seus compartimentos quando estão sem carga comercial. Retirada do mar, ela dá estabilidade à embarcação. O problema é que um navio que circula o mundo transporta, com a “água de lastro”, peixes e plantas exóticos ao nosso litoral, que acabam provocando graves desequilíbrios ecológicos.
A sociedade também pode fazer muito. Os condomínios do litoral, por exemplo, precisam ser convertidos à causa ecológica. Por muito tempo eles foram grandes inimigos de nossas praias porque invadiam regiões de mata nativa, destruíam morros e passavam a lançar esgoto in natura diretamente na praia. Hoje, muitos desses loteamentos implantaram pequenas estações de tratamento comunitárias para o esgoto que produzem. Além disso, empresas instaladas à beira-mar, que, no passado, fizeram essa opção para poder se livrar dos dejetos sem precisar dar satisfação a ninguém, hoje não só passaram a tratar o próprio esgoto, como recolhem também o produzido nos bairros pobres ao redor para tratá-los. O certo é que ninguém mais quer ser o vilão quando uma praia fica imprópria para o banho. Especialmente quando o sujeito tem uma casa lá. Porque aí, além de vilão, posa de burro.

Turismo planejado
turismo pode fazer parte do problema ou da solução para as praias brasileiras – tudo depende de como é praticado. Infelizmente, ele tem sido um problema a mais. Exemplos de modelos errados de exploração do turismo não faltam: destinos famosos como Camboriú, em Santa Catarina, Guarujá, em São Paulo, Porto Seguro, na Bahia, e Copacabana, bairro do Rio de Janeiro. Nesses lugares houve um crescimento desordenado do turismo sem que houvesse infra-estrutura correspondente. Quem visita esses lugares na alta temporada sabe o suplício que é comprar um simples pão na padaria. A água potável falta nas torneiras e a água do mar se transforma num caldo grosso e escuro provocado pela enorme quantidade de dejetos produzidos por milhares de turistas.
Enquanto o tratamento do esgoto e a fiscalização melhoram a situação nas regiões já urbanizadas, é importante não deixar o processo de degradação acontecer nas áreas conservadas. Nesses lugares, o ecoturismo tem sido apontado como a melhor opção. “Precisamos identificar as regiões com potencial turístico e prepará-las para um turismo ecológico”, afirma Guilherme Wendel de Magalhães, coordenador do Projeto Pólos de Ecoturismo, da Embratur. Engana-se quem acha que o ecoturismo é coisa de sonhadores porque exige muitos investimentos e não dá retorno. A Costa Rica, um país 167 vezes menor que o nosso, fez a opção pelo ecoturismo há dez anos e hoje recebe mais turistas que o Brasil – eles chegam para aproveitar praias limpas em meio a florestas conservadas.
Um bom exemplo de como o turismo ecológico pode salvar nossas praias e gerar riquezas está na ilha de Porto Belo, em Santa Catarina. A ilha estava prestes a se tornar uma vítima do turismo de massa. Depois de cinco anos da implantação de um programa da desenvolvimento sustentável baseado no ecoturismo, teve sua biodiversidade aumentada, suas trilhas preservadas e uma melhora na qualidade de vida dos moradores. Para repetir essa experiência em outras partes do litoral, o governo federal criou o Projeto Orla, com a coordenação das prefeituras e com um comitê formado também por moradores para fiscalizar o andamento do projeto. A idéia é boa porque transfere parte da responsabilidade de preservar as praias também para as populações locais – e ninguém cuida melhor da natureza do que quem vive nela e a conhece bem.

Ordem na casa
O litoral brasileiro precisa ser pensado no todo. O mar, afinal, não é um quintal com cerca. O esgoto lançado por uma cidade pode poluir a praia de outra. Um vazamento de óleo pode fazer estragos por dezenas de quilômetros. Por isso, todos que estiverem usando os recursos do litoral precisam falar a mesma língua. “Nosso maior desafio é harmonizar os vários setores que se estabeleceram ao longo do nosso litoral e criar uma política que contemple as esferas municipal, estadual e federal”, afirma Oneida Freitas, coordenadora do Programa de Gerenciamento Costeiro, que pretende apontar o que pode ou não pode ser feito com as nossas praias.
Ou seja: nosso litoral vai ser zoneado. Haverá áreas destinadas ao turismo, outras à atividade portuária, outras à conservação por meio de parques e reservas. Tem tanta coisa e tanta gente envolvida que o zoneamento precisa ser feito por uma equipe multidisciplinar que leve em consideração todos os aspectos envolvidos. Quando as zonas forem delimitadas, entrarão em ação os chamados Colegiados Costeiros, que reúnem vários segmentos da sociedade local (ONGs, universidades, sociedade civil, associação de pescadores, veranistas e poderes públicos) para discutir os problemas e tomar decisões com força de lei. Perfeito demais para dar certo? Não. No Ceará, a ONG Aquassis funciona assim, gerenciando a costa cearense com recursos federais. E tem conseguido ótimos resultados.

Atrás do prejuízo
Nas regiões onde o estrago está feito, cabe ao programa de gerenciamento costeiro levantar o tamanho do prejuízo ambiental e propor soluções. E os problemas são muitos. Nessas áreas, é fundamental contar com a ajuda da sociedade. Hoje, o Brasil tem uma lei ambiental de primeiro mundo, mas não consegue colocá-la em prática porque faltam recursos para contratar fiscais, desapropriar áreas de interesse ecológico e desenvolver projetos de preservação. Daí a importância das entidades ambientalistas e do patrocínio de empresas privadas. O Projeto Tamar, patrocinado pela Petrobrás, é um bom exemplo de como a sociedade pode contribuir. Coordenado por uma ONG, já salvou mais de 2 milhões de tartarugas marinhas. No passado, os ovos desses animais eram caçados pelos moradores do sul da Bahia como alimento, o que estava ameaçando a espécie. O Tamar contratou os próprios caçadores de ovos como monitores para proteger os ninhos.
Há outros projetos similares em andamento, provando que já existem muitos brasileiros dispostos a mudar a história das praias e dos mares do país.

Isto Está Dando Certo
O mar retribui a gentileza
As praias de Santos, no litoral de São Paulo, já foram a imagem da degradação. Hoje exibem ótimos índices de balneabilidade e atraem milhares de turistas
No início da década de 80, a orla da cidade de Santos, no litoral paulista, era a imagem da degradação: água imprópria para o banho praticamente o ano todo; esgoto correndo para o mar a céu aberto; e bandos de urubus caminhando nas areias, em vez de banhistas. O resultado é que a cidade, que já fora um importante destino de balneário principalmente para os vizinhos paulistanos, deixou de receber turistas e entrou em decadência. O comércio deixou de vender, os prédios da orla foram abandonados e perderam valor, os empregos diminuíram e a arrecadação do município também.
Para reerguer a economia da cidade, os governos municipal e estadual uniram forças com o objetivo de recuperar suas praias. E começaram por onde deviam: estendendo e melhorando a rede de saneamento básico. Em parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), ampliaram a rede de coleta, criaram unidades de tratamento de esgoto e emissários submarinos que despejam a água tratada longe da costa.
Também foram instaladas comportas nos canais, para evitar que a água de enxurrada fosse lançada no mar sem tratamento. Em 1992, 95% das casas e estabelecimentos estavam conectados à rede de esgoto – um recorde absoluto no país. O segundo passo foi educar as pessoas para que não jogassem lixo na areia, com campanhas na mídia e distribuição de sacos de coleta aos banhistas.
O resto ficou com a natural capacidade de regeneração da natureza. Em pouco tempo, as praias passaram a mostrar índices favoráveis de balneabilidade em 80% do ano. Para se ter uma idéia, em lugares turísticos famosos onde as praias não receberam o mesmo cuidado, como Copacabana, no Rio de Janeiro, e Porto Seguro, na Bahia, a balneabilidade hoje é bem menor.
Com as praias limpas, o turismo voltou a ser uma atividade econômica importante. Só na última temporada, Santos faturou 8 milhões de reais com os turistas hospedados na cidade. Os ganhos sociais indiretos são ainda mais importantes: mais empregos, melhoria na qualidade de vida dos moradores e aumento na renda média das famílias.
Como uma boa ação puxa outra, não foi difícil para a prefeitura de Santos conseguir, logo em seguida, dinheiro para revitalizar as áreas próximas da orla, onde havia velhos armazéns da época do café, do início do século. O governo estadual injetou outros 10 milhões de reais para restaurar o centro histórico, recuperar praças, melhorar a coleta delixo, intensificar o policiamento e atrair novos empreendimentos. Hoje, Santos orgulha-se de ter entrado para o Guinness, o livro dos recordes, por ter o maior jardim de praia do planeta.
A nova cara da cidade atraiu empreendimentos privados: Santos ganhou mais um shopping e quatro grandes redes de hotéis já anunciaram que vão se instalar no município. Afinal, estando a apenas 70 quilômetros de São Paulo e oferecendo praias limpas, boa infra-estrutura, museus e prédios históricos, a cidade de Santos tem tudo para se tornar um excelente destino também para convenções e turismo de negócios.
Ações por um litoral limpo e conservado
Com 7,4 mil quilômetros de linha contínua, o litoral brasileiro é difícil de ser gerenciado e fiscalizado. Pesquisas acadêmicas e projetos de ambientalistas, com patrocínio da iniciativa privada, têm ajudado o governo a criar um plano de gerenciamento costeiro

As praias são do povo
Em 1988, pela primeira vez uma lei definia o conceito de praia como um bem de uso comum do povo, restringindo construções permanentes e atividade mineradora, por exemplo. Assim nascia o Plano de Gerenciamento Costeiro. Passados 13 anos da sua criação, a maior parte dos problemas ambientais do litoral continua sem solução.

1. Peixe-boi
Restam apenas 400 indivíduos desse mamífero marinho. O projeto, patrocinado pela Petrobrás, quer evitar sua extinção

2. Tartaruga marinha
O Projeto Tamar preserva as tartarugas marinhas com a colaboração dos pescadores e o patrocínio da Petrobrás

3. Recifes costeiros
Atua principalmente no Nordeste, protegendo as formações de recifes da sua destruição por barcos, poluição e pesca predatória

4. Baleia jubarte
Protege e pesquisa as baleias que se reproduzem no arquipélago de Abrolhos

5. Caranguejos
Cooperação entre Ibama, Universidade Federal do Paraná e Petrobrás para repovoar os manguezais com caranguejos

6. Peixes de plataforma
Estuda espécies de peixes que vivem na região das plataformas marinhas de petróleo

7. Marambaia
Instala estruturas artificiais no mar para atrair peixes e outros animais marinhos, implementando a pesca artesanal na região

8. Água de lastro
Pretende evitar a introdução de espécies exóticas que viajam nas “águas de lastro” que estabilizam os navios

9. Projeto costão
Atua na baía de Angra dos Reis para incentivar a pesca artesanal, o turismo e a educação ambiental

10. Baleia franca
Fiscaliza para evitar a caça a essa espécie de baleia e promove o turismo ecológico na regiãoEntrevista
"Somos apenas passageiros neste planeta azul"
Poucos brasileiros conhecem tão bem nosso litoral quanto Marcus Polette. Atualmente pesquisador do curso de Oceanografia do Laboratório de Planejamento da Paisagem Costeira da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, Marcus é geógrafo e oceanógrafo, com doutoramento em Ecologia e Recursos Naturais. Para ele, a melhoria da qualidade ambiental de nossas praias passa por uma política pública que os administradores já deveriam conhecer há muitos anos: o gerenciamento costeiro, uma versão litorânea do que os ambientalistas de terra seca chamam de desenvolvimento sustentado.

Os noticiários estão sempre falando de manchas de óleo, mortandade de peixes, poluição, algas tóxicas. A situação das nossas praias é tão ruim assim?
Há muitas praias em situação ruim. A intensa urbanização da costa nas últimas décadas fez estragos enormes, que se refletem na qualidade da água e da paisagem. Mas tão ou mais sérios são os problemas, pouco explorados pela imprensa, como a redução da biodiversidade, a queda na produtividade de nossos estuários e a perda de valores e tradições das comunidades mais antigas da costa.

Por que chegamos a esse ponto?
Porque entre as décadas de 60 e 80 faltou uma política pública séria para a ocupação e o desenvolvimento da costa. O amadorismo, a ingenuidade e o oportunismo sempre provocam danos ambientais sérios. Para piorar, a especulação imobiliária foi responsável pela perda de importantes valores culturais e ecológicos nas nossas praias devido à falta total de planejamento.

Dá para reverter essa situação ao ponto que, um dia, nossos filhos possam tomar um banho de mar como nossos avôs tomaram?
Em alguns lugares é possível, mas isso exige vontade política, investimentos e técnicos capacitados para chegar às decisões acertadas. Não temos mais tempo para fazer “experiências” nem podemos nos dar ao luxo de cometer novos enganos em se tratando de recursos naturais renováveis e não-renováveis tão importantes quanto os que estão em jogo.

E os governos estão fazendo sua parte?
Algo tem sido realizado, mas ainda é muito pouco. Basta ver que, a cada verão, é maior o número de praias com índices de balneabilidade fora dos padrões de qualidade. Por incrível que possa parecer, poucos municípios costeiros priorizam a implantação de redes de saneamento. Isso é um absurdo porque a falta de saneamento prejudica as praias, o turismo, o desenvolvimento econômico e a saúde pública. Muitos sequer têm secretarias de Meio Ambiente. Na verdade, há realidades muito distintas no litoral, o que torna a questão mais complexa. Há desde metrópoles como o Rio de Janeiro até pequenos municípios com menos de 5 000 habitantes e costumes rurais. Cada lugar tem problemas diferentes e exige medidas adequadas à sua realidade. Existem algumas boas iniciativas, tomadas pelo governo federal, por algumas prefeituras, universidades e organizações não-governamentais, que deveriam servir de padrão ou mesmo serem copiadas para garantirmos que o nosso litoral seja um ambiente saudável e bem conservado.

Então, os brasileiros em geral precisam mudar a maneira como se relacionam com a praia e o mar?
Sim, temos que olhar a praia sobretudo com respeito. Ela é um espaço naturalmente democrático, onde você encontra todos os tipos de pessoas. É um espaço para o lazer, para a convivência e para apreciar a beleza da paisagem. O mar é muito antigo, enquanto nós estamos neste planeta azul por apenas algumas dezenas de anos. Nós somos um elo entre o passado e o futuro e é nosso dever transmitir esse importante ambiente para as próximas gerações, garantindo a elas a mesma qualidade que nós desfrutamos.
Revista Superinteressante

Em defesa da eleição dos analfabetos

Eles não podem ser proibidos de ter mandato político porque o Estado falhou em educá-los. Há outros e mais sérios analfabetismos políticos a serem combatidos

Daisy Moreira Cunha
Aceitar o voto dos analfabetos e recusar sua elegibilidade significa dar lhes meia cidadania. Votar e não poder ser votado é ter a metade do direito político cassado. Ou seja, não é possível impedir a eleição de alguém porque o Estado falhou em educá-lo. O fato de um parlamentar, no Congresso ou nas câmaras de vereadores, não saber ler e escrever é problema de uma nação que se deseja desenvolvida. E, se a educação básica é direito de todos, a legislação não pode impedir a eleição dos analfabetos.

Todos os dias muitos fatos políticos nos mostram que não somos salvos do analfabetismo político pelo domínio da leitura e da escrita. Depois dos anos 60, Paulo Freire, pedagogo brasileiro de renome internacional, já mostrava que iletrismo não é sinônimo de (in)cultura política, aquela que importa para a construção do bem comum.

Analfabetismos são muitos: aquele dos tecnocratas da cultura da gestão eficiente que "azeitam" a máquina, mas deixam professores em greves infinitas e desgastantes; aquele que ainda permite a corrupção; e o que elege políticos cujos slogans são "Ser bom de serviço" e "Rouba, mas faz". Ou mesmo "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, não sei. Mas vote em mim que eu te conto" e "Pior que tá não fica". O autor das últimas frases tornou-se o deputado federal mais votado na última eleição e acabou acusado pelo Ministério Público de não saber ler e escrever. Fosse ele de fato analfabeto, deveria ser garantido o seu direito de se eleger, ainda que seu mote de campanha prestasse um desserviço à política. Mas tudo isso nos impõe interrogar: que política é essa dos tempos de marketing e do voto obrigatório? Cabe ao Congresso rediscutir a inelegibilidade de quem não sabe ler e escrever.

Hoje, a Proposta de Emenda Constitucional número 27/2010 espera a indicação de um relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A PEC que autoriza a eleição dos analfabetos ainda está longe de ir para a votação em plenário. Os argumentos da Assembleia Nacional Constituinte para manter a negação desse direito, há 23 anos, parecem ultrapassados quando somos surpreendidos com o noticiário de que um deputado (entre tantos outros maus exemplos) foi condenado por trocar votos por laqueadura de trompas. Não saberia ler quem vendeu e quem comprou os votos?

Segundo o Censo 2010 do IBGE, há 13,9 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais analfabetos. Isso significa 9,63% da população. Em pleno século 21, é um número mais do que absurdo.

A imprensa, que noticiou a polêmica em torno do deputado Tiririca e levou à ação do Ministério Público, não tem contribuído para aprofundar os debates cruciais da política nacional. E o Congresso, enquanto adia a discussão do tema, muito menos. Falta aos parlamentares, junto com a sociedade, combater os verdadeiros problemas da política brasileira.

* Daisy Cunha Pós-Doutora em Educação de Adultos pelo Conservatoire National des Arts et Métieurs (CNAM-Paris); doutora em Filosofia pela Université de Provence-França, professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG.
Revista Superinteressante

Qual a política migratória do Brasil?

Caso dos haitianos, embora pouco representativo da realidade migratória brasileira, serviu como laboratório das vicissitudes do “ser potência”. Para estar à altura da inserção internacional que pretende, o país deveria aprovar a “Convenção da ONU para a proteção dos trabalhadores migrantes e membros de suas famílias”
por Deisy Ventura , Paulo Illes
Um processo de imigração seletiva, que priorize a drenagem de cérebros, mas estabeleça limites para os estrangeiros que chegam fugindo da pobreza de seus países.”1 Tal proposta passou quase despercebida, no início de 2012, em meio às numerosas manchetes dedicadas à presença de haitianos no Norte do Brasil. Por meio da notícia na qual essa ideia irrompe, descobrimos que uma equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República estaria elaborando uma “política nacional de imigração” e que, na opinião do coordenador da súbita empreitada, é preciso saber escolher: “Como o Brasil é agora uma ilha de prosperidade no mundo, há muita gente de boa qualidade que quer vir. Mas a fila do visto é a mesma para todos. Não estamos olhando clinicamente”.

A notícia surpreende por muitas razões. A primeira delas é que o Brasil já possui uma proposta de “Política Nacional de Imigração e Proteção ao Trabalhador Migrante”,2 aprovada, em maio de 2010, pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg). Vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, mas composto de representantes de diferentes órgãos do governo federal – como os ministérios da Justiça, Saúde, Educação e Relações Exteriores –, o CNIg compreende também representantes das centrais sindicais e dos empregadores, além de observadores da sociedade civil e de organizações internacionais. Estudada e debatida em diversos âmbitos desde 2008, a proposta aprovada pelo CNIg foi submetida a consulta pública e encaminhada à Presidência da República para que entrasse em vigor sob a forma de decreto, até hoje pendente. Portanto, antes que outra proposta pudesse ser elaborada, seria imprescindível explicar por que a proposta do CNIg não serve ao Brasil, além de discutir publicamente quem a elaboraria.

A segunda surpresa é ouvir falar em “imigração seletiva” num país que, há muito, teria superado ideias como as de substituição da mão de obra escrava e embranquecimento da população, inspiradoras de políticas migratórias altamente seletivas em outros períodos de nossa história. Somos hoje também um país de emigração. Estima-se que cerca de 3 milhões de brasileiros residam atualmente no exterior, enquanto dados oficiais sinalizavam, até junho de 2011, a presença de em torno de 1,5 milhão de estrangeiros em situação regular no Brasil, a maior parte deles de origem portuguesa, boliviana, chinesa e paraguaia.3

Considerando que se trata de poucos milhares de haitianos em algumas cidades do Norte, fugitivos de uma catástrofe natural e humanitária retumbante – aliás, ocorrida num país diante do qual o Brasil assumiu especiais compromissos, inclusive o inédito protagonismo numa missão de paz (a polêmica Minustah, Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) – e arribados numa região cujas gigantescas obras carecem de mão de obra, só pode restar a impressão de que a grande notoriedade do caso serviu como um pretexto constrangedor, mas eficaz. A ocasião permitiu erodir a visão do migrante como ser humano em busca de uma vida melhor, titular de direitos e deveres, como aquela propugnada pelo CNIg. Parecíamos estar sob a ameaça de uma verdadeira “invasão haitiana”.

Ora, como escreveram o professor Omar Ribeiro Thomaz (IFCH-Unicamp) e Sebastião Nascimento (pesquisador da Flensburg-Universität, Alemanha), “o Brasil nunca foi e segue não sendo destino preferencial de uma migração cuja dinâmica o Itamaraty e outros ministérios insistem em ignorar. Há por volta de 3,5 milhões de haitianos espalhados por dezenas de países em três continentes, todos abrigando comunidades consideravelmente maiores e infinitamente mais bem acolhidas que no Brasil”.4

Contudo, uma desproporcional reação do governo federal destoou de nossa tradição de acolhimento. Assim, o mesmo país que, entre 2009 e 2011, graças à Lei n. 11.961, possibilitou a regularização migratória de mais de 40 mil estrangeiros, bramiu ameaças de deportação e estipulou magras cotas de entrada no país – e logo para haitianos, cujas razões de migrar são por demais conhecidas do Estado brasileiro. Medidas restritivas se fizeram acompanhar por mitos. Por exemplo, o de que dificultar a entrada de pessoas as protege dos “coiotes” (os falsários que organizam a passagem pelas fronteiras ou até promovem o tráfico de pessoas), quando é sabido que, quanto maior for a restrição, mais valorizado é o atravessador. Não é difícil intuir que, sob o prisma individual, o recurso a essa totalmente incerta, cara e perigosa viagem de milhares de quilômetros é sempre o último.

Demonização do estrangeiro pobre

De fato, a experiência europeia ensina que o tema das migrações é um campo minado de inverdades, justificadas por um espectro que vai do superficial interesse eleitoral até o mais profundo desafio da alteridade.5 Tema de primeiro plano da agenda política na maior parte do mundo desenvolvido, a migração fez-se bode expiatório da profunda crise econômica em curso e grande trunfo dos partidos de direita. Contrariando a maioria dos estudos realizados a respeito, diz-se que o estrangeiro rouba os empregos dos nacionais, abusa dos serviços do Estado e eleva os índices de criminalidade, o que faz dele uma ótima desculpa para os perenizados déficits públicos. Por fim, a pluralidade de cores e de expressões culturais gera grande mal-estar em sociedades nostálgicas, homogêneas, individualistas e pautadas pelo consumo. O resultado é a reversão brutal do direito humanista que se instalava paulatinamente após o trauma da Segunda Guerra Mundial. Em algumas grandes democracias ocidentais, tornou-se crime ajudar uma pessoa sem documentos – o que os franceses chamam de “delito de solidariedade”. Locais de espera pela regularização migratória transformam-se em “campos de retenção”, onde se amontoam desvalidos, apresentados como potenciais criminosos ou interesseiros abusadores das benesses do mundo rico.

Dito cordial, e construído por migrantes, tanto internos como externos, estará o Brasil imune à demonização do estrangeiro pobre que grassa alhures? Mais servil à desigualdade do que aberto à diferença, nosso país deve evitar o risco de impingir ao ser humano migrante uma discriminação a mais, além de todas as discriminações que aqui já existem. Depois da divulgação de denúncias de trabalho escravo envolvendo uma grande rede internacional de lojas de vestuário, passaram a pipocar notícias de crimes praticados por estrangeiros, por mais banais que fossem. Algumas delas transmitiam a curiosa ideia de que imigrantes latino-americanos tornavam o centro de São Paulo mais perigoso. A realidade, porém, demonstra o contrário: o migrante não quer problemas com a polícia. Se ele tem documentos, quer mantê-los; caso não os possua, ou estiver tentando obtê-los, é fundamental que passe despercebido. É por isso que a obsessão securitária não tem nexo quando se trata dos processos de concessão de autorização estatal para residência provisória ou permanente. Todo tráfico ilícito, em particular o de pessoas, precisa, sem lugar a dúvidas, ser investigado e combatido. No entanto, não há contradição entre uma boa política de segurança e uma política migratória pautada pelos direitos humanos, capaz de oferecer a perspectiva de integração social, sobretudo por meio do trabalho digno.

As evidências que acabamos de descrever infelizmente não reverteram uma verdadeira chaga do direito brasileiro. Ainda está em vigor o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 1980), triste herança do regime militar. Pior ainda: o Projeto de Lei apresentado pelo Ministério da Justiça em 2009 (n. 5655), que deveria modificá-lo, mantém em sua essência o paradigma da segurança nacional. Esse projeto repousa desde agosto de 2009 na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados. Seu texto introdutório ressalta que a migração deve ser tratada como um direito do homem e que a regularização migratória é o caminho viável para a inserção do imigrante na sociedade, além de reconhecer a contribuição dos migrantes para o desenvolvimento do país. Mas muitos de seus artigos mantêm procedimentos burocráticos e mecanismos de ejeção que contradizem suas primeiras palavras. Entre várias outras restrições, o projeto amplia de quatro para dez anos o prazo mínimo de residência permanente no país para que seja requerida a naturalização.

À altura da inserção internacional

Salta aos olhos que, se quiser deixar para trás o legado da ditadura militar, em lugar de um Estatuto do Estrangeiro, o Brasil precisa de uma Lei de Migrações, capaz de dar forma jurídica a uma política legítima. Ela deve ser acompanhada de emendas constitucionais que eliminem as restrições injustificadas dos direitos dos estrangeiros que figuram na Constituição Federal. A anacrônica negação de seus direitos políticos é uma delas. O Brasil vai ficando isolado num continente em que o direito ao voto dos migrantes já foi reconhecido por Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, México e Peru.

A propósito, para estar à altura da inserção internacional que hoje pretende, nosso país deveria aprovar e promover a “Convenção das Nações Unidas para a proteção de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias”, de 1990. A Convenção foi enviada ao Congresso Nacional em dezembro de 2010, e sua tramitação se dá separadamente à do já citado Projeto de Lei sobre o Estatuto do Estrangeiro, o que engendra um sério risco de futura inconsistência jurídica.

Em diapasão oposto, o Mercosul tem constituído um espaço fundamental para que um novo paradigma de política migratória seja construído na região. Entre outros, o “Acordo Mercosul sobre residência para nacionais dos Estados partes do Mercosul e do Mercosul, Bolívia e Chile”,6 ao qual recentemente aderiu também o Peru, tem beneficiado centenas de migrantes, podendo ser o germe de uma futura cidadania sul-americana.

No entanto, dotar-se de normas avançadas e descartar as contradições não seria suficiente para resolver os problemas que os estrangeiros aqui enfrentam em sua relação com o Estado. O Brasil não dispõe de um serviço de imigração. Para requererem a regularização de sua situação, os migrantes devem dirigir-se à Polícia Federal, cujos serviços são em grande parte terceirizados, desprovidos de formação e mal remunerados. É importante acrescentar que a polícia tende a uma interpretação restritiva das normas que beneficiam os migrantes. Ao buscar a regularização, o migrante, não raro, encontra um calvário, com a exigência de documentos que sabidamente ele não tem condições de apresentar. Num círculo vicioso, a constância da irregularidade gera mais precariedade.

Para além das deficiências de atendimento, é preciso entender também que as polícias ainda penam para superar o paradigma da segurança nacional, sucedido pelo ideário da “guerra ao terror”, altamente xenófobo, preconizado pelos Estados Unidos e seus parceiros após os atentados de 11 de setembro de 2001. Que alguns de nossos quadros fossem treinados pelos Estados Unidos na época da Guerra Fria, e em plena ditadura, podemos compreender. Mas em plena democracia, que o peculiar modo de ver o mundo norte-americano prevaleça em nossa maneira de perceber os estrangeiros, convertendo a diferença em ameaça, é algo que, como dever de cidadãos, precisamos impedir. Migrar é um direito humano. Qualquer um de nós já migrou ou pode migrar um dia. O verbo do estrangeiro é estar, não ser. No fundo, o estrangeiro não existe, ou somos nós mesmos, por vezes até em nossa pátria.

As inúmeras contradições que cercam o tema das migrações no Brasil justificam, então, a pergunta que intitula este artigo. Afinal, temos uma política migratória? Ou temos aqui, como em diversos outros campos, a ambiguidade que resulta da disputa entre os que pensam uma política de migrações respeitosa dos direitos humanos e outras vertentes que concebem o Estado a serviço das necessidades do mercado, ou de modelos de “segurança” que não são nossos? Em qualquer caso, se o preço do sucesso econômico for repetir aqui o que a Europa e os Estados Unidos têm feito em matéria de migrações, é preciso, enfim, perguntar para que e para quem vale a pena que sejamos “potência”.

Deisy VenturaProfessora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, IRI-USP

Paulo IllesCoordenador Executivo do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante, CDHIC

Ilustração: Alves
1 “Brasil quer facilitar vistos para profissionais estrangeiros”, O Globo, 15 jan. 2012. Disponível em: oglobo.globo.com/pais/brasil-quer-facilitar-vistos- p a r a - p r o f i s s i o n a i s - e s t r a n g e i r o s -3671799#ixzz1n9bwD7Md.
2 Disponível em: www.mte.gov.br/politicamigrante/default.asp.
3 Disponível em: portal.mj.gov.br.
4 “Fronteira social e fronteira de serviço”, O Estado de S. Paulo, 28 jan. 2012.
5 Uma boa lista encontra-se em Alejandro Grimson, “Doce equívocos sobre las migraciones” [Doze equívocos sobre as migrações], Revista Nueva Sociedad, n.233, maio-jun. 2011. Disponível em:
www.nuso.org/upload/articulos/3773_1.pdf.
6 Promulgado no Brasil pelos decretos n.6.964/2009 e n. 6.975/2009.
Le Monde Diplomatique

A infraestrutura ainda é o calcanhar de Aquiles do Brasil

Para presidente do Bid, Luís Alberto Moreno, país precisa investir bem mais do que 2,5% do PIB para sanar sua carênciasAFP

Foto: AE Portos brasileiros, como o do Rio, ainda são gargalo para as exportações

A infraestrutura do Brasil é vista como o ponto fraco do país a partir de seu modelo econômico de sucesso, que criou 14 milhões de empregos em menos de uma década. "A infraestrutura é ainda um dos principais desafios para o Brasil", disse o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, para quem toda a América Latina vive o mesmo problema.

Leia mais: China investirá dez vezes mais que Brasil em infraestrutura

O Brasil, disse, "provavelmente investe 2,5% do PIB no setor, mas isso não é suficiente", disse Moreno, lembrando que é mais caro transportar um contêiner da Colômbia para o Brasil do que para o Canadá.
O secretário-executivo do ministério brasileiro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Alessandro Teixera, recordou que durante mais de duas décadas o Brasil vive um 'apagão' neste setor, tendo sido obrigado a reconstruir estradas, aeroportos e portos.

Outros desafios são a questão dos impostos cobrados no país e a reforma da Previdência Social, admitiu Teixeira. No entanto, a sexta economia mundial, apresenta uma folha memorável: um desemprego de 4% que poderá chegar ao final de 2012 em 3,5% (13% há dez anos), uma previsão de crescimento de 4% para este ano - superior ao do ano passado, apesar da crise na Europa, que se faz sentir em outras partes do mundo -, uma inflação abaixo de 5%, dívida reduzida e exportações de 256,041 bilhões de dólares no ano passado.

O país possui um sistema econômico que soube conjugar crescimento com inclusão social, elogiam os esecialistas. Muitos criticam o fato de ainda ser um exportador de commodities, mas não se pode esquecer, recordou Teixera, que é o terceiro produtor mundial, atrás da China, com quem mantém superávit comercial.

"A qualidade do comércio com a China não é a ideal, porque estamos exportando sobretudo commodities e importando produtos acabados", disse o chanceler Antonio Patriota. "Por isso estamos insistindo na agenda internacionalPatriotaaparceiros que nos possam trazer benefícios nos setores científico, tecnológico, além de novas oportunidades econômicas", disse Patriota.

O chanceler voltou a afirmar que o país não tem vocação para se transformar em potência militar, nem nuclear, advogando, ao contrário, a diplomacia e o diálogo. "Estamos num momento em que o Brasil se afirma como força no campo econômico mundial", disse Patriota, considerando que "talvez não haja tanta necessidade mais, como no passado, de tentar convencer os líderes mundiais" da solidez da economia brasileira e da importância que assumiu no panorama geopolítico mundial.
http://economia.ig.com.br

Brasil ~ Os limites do nosso território

Reprodução - Fonte: Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT
Ronaldo Decicino*
O Brasil é o maior país da América do Sul, com um território que se estende por cerca de 47% da porção centro-oriental do continente sul-americano. Banhado a leste pelo oceano Atlântico, o Brasil possui 23.102 km de fronteiras, sendo 15.735 km terrestres e 7.367 km marítimas.

Com uma área superior a 8.500.000 quilômetros quadrados, antes mesmo de ser uma nação soberana, nosso território começou a ser delimitado pelos tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), que estabeleciam a separação das terras espanholas e portuguesas na América.

A formação do atual território do Brasil, contudo, remonta ao século 14, início da chamada Era dos Descobrimentos, quando as monarquias ibéricas mostravam-se pioneiras nas grandes navegações.

Nossas fronteiras foram definidas com base nas características naturais da paisagem, como rios e lagos, ou em acidentes topográficos, como montanhas, serras e picos elevados. Somente nos lugares em que não havia possibilidade de se aplicar esse recurso demarcatório é que foram utilizadas as linhas geodésicas, que correspondem às linhas traçadas no terreno tendo como referências as coordenadas geográficas: paralelos e meridianos.

A determinação dos nossos limites territoriais - tanto os que separam internamente os estados, quanto os que marcam a separação do Brasil de seus vizinhos - é definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde 1944. A partir de 1991, com a modernização da tecnologia, os limites passaram a ser determinados por satélites de posicionamento, com a criação do Sistema de Posicionamento Global (GPS).

Os definidores das fronteiras brasileiras são: rios = 50%; serras = 25%; lagos = 5%; linhas geodésicas = 20%.

Fronteira terrestre
A fronteira terrestre representa cerca de 68% de toda a extensão dos limites territoriais brasileiros, colocando o Brasil em contato com dez outras nações sul-americanas. Com exceção do Chile e do Equador, todos os países da América do Sul fazem fronteira com o Brasil:

Ao norte: Suriname, Guiana, Venezuela e um território pertencente à França, a Guiana Francesa.

A noroeste: Colômbia.

A oeste: Peru e Bolívia.

A sudoeste: Paraguai e Argentina.

Ao sul: Uruguai.
Os mais de 15.000 km de fronteiras continentais abrangem terras de três grandes regiões brasileiras, sendo a maior delas a Região Norte, que corresponde a cerca de dois terços de toda essa extensão. Os estados que mais se destacam são o Amazonas e o Acre.

A segunda região em destaque é a Região Sul, com uma extensão fronteiriça de quase 2.500 km no continente, tendo como estado que mais se destaca o Rio Grande do Sul. A terceira é a Região Centro-Oeste, sendo o estado de maior extensão fronteiriça o Mato Grosso do Sul.

Fronteira marítima
A fronteira marítima estende-se da foz do rio Oiapoque, no cabo Orange, na divisa do Amapá com a Guiana Francesa, ao norte, até o arroio Chuí, na divisa do Rio Grande do Sul com o Uruguai, ao sul.

A linha costeira do Brasil tem uma extensão de 7.367 km, constituída principalmente de praias de mar aberto, e corresponde a 32% de toda a extensão fronteiriça nacional, o que representa um fator propício ao desenvolvimento econômico, pois a grande diversidade de paisagens litorâneas favorece a instalação de portos, o desenvolvimento da pesca e a exploração de recursos energéticos encontrados nas profundezas marinhas, como petróleo e gás natural.

Com exceção da Região Centro-Oeste, todas as outras regiões têm fronteiras no Atlântico; sendo a Região Nordeste a que tem maior extensão litorânea. O estado brasileiro com o litoral mais extenso é a Bahia, e o que possui menor extensão litorânea é o Piauí. A segunda região de maior extensão litorânea é a Região Sudeste.

Para tratar dos assuntos de limites internacionais, o Ministério das Relações Exteriores mantém na Secretaria de Estado (em Brasília) a Divisão de Fronteiras (DF), que coordena as atividades de duas Comissões Técnicas:

- a Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites (PCDL), sediada em Belém (Pará), encarregada das atividades nas fronteiras do Brasil com Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa; e

- a Segunda Comissão Brasileira Demarcadora de Limites (SCDL), sediada no Rio de Janeiro, encarregada das atividades nas fronteiras do Brasil com o Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia.
*Ronaldo Decicino é professor de geografia do ensino fundamental e médio da rede privada.

Brasil ~ Extensão das fronteiras (km) - 2007

Guiana 1.731
Venezuela 2.078
Suriname 438
Guiana Francesa 664
Uruguai 1.044
Argentina 1.244
Paraguai 1.311
Bolívia 3.338
Peru 2.241
Colômbia 1.532
Oceano Atlântico 10.959

IBGE


País tropical

http://br.olhares.com

Verão é tempo de sol e mar. E, neste sentido, o Brasil é um país privilegiado. Dos seus 23 mil km de extensão, mais de sete mil km estão ligados ao Oceano Atlântico. Dos 26 estados, 16 são banhados pelo oceano.

O Brasil possui várias ilhas oceânicas, destacando-se as de Fernando de Noronha, Abrolhos e Trindade. Essas ilhas ficam em outro fuso horário, isto é, têm uma hora de adiantamento em relação à hora de Brasília.

Entre as ilhas continentais estão as capitais dos estados do Maranhão (São Luís), do Espírito Santo (Vitória) e de Santa Catarina (Florianópolis).

O Brasil é conhecido em todo o mundo por suas belezas naturais. Suas praias atraem anualmente milhares de turistas estrangeiros, o que é um ponto positivo para a economia do país.

IBGE Teen - http://www.ibge.gov.br/ibgeteen

Entre os emergentes, estado brasileiro é um dos que menos investem


Entre os emergentes, estado brasileiro é um dos que menos investem

Beatriz Ferrari
O Brasil tem um dos menores níveis de investimento público do mundo. Com uma taxa que gira em torno de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) há mais de uma década, o país por pouco não amarga a lanterninha nas comparações com outras nações emergentes. É que o Turcomenistão encarregou-se de 'roubar' este título do país. A constatação faz parte de um ranking de 135 países elaborado pelo economista José Roberto Afonso, com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) relativos a 2007. A primeira colocada China investiu, descontadas as empresas estatais, 21% de seu PIB em 2007 (veja quadro).

Mesmo levando em conta as diferentes metodologias e as características sócio-políticas de cada nação, a discrepância é sintomática dos diferentes caminhos trilhados pelos emergentes quando o assunto é investimento público. Ainda que se considere todo o investimento (governamental, empresas estatais e privado), o montante não é suficiente para garantir a produtividade futura, afirma o diretor da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), Geraldo Biasoto.

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) brasileira - índice que mede o quanto o país aumentou seus bens de capital - gira em torno de 17% do PIB, em uma média de três anos, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na China e na Índia, as taxas são de 40% e 33%, respectivamente.

A situação é preocupante porque há muitas áreas em que a iniciativa privada não se interessa em investir por conta dos riscos e/ou da baixa rentabilidade, ou nem pode. Além disso, há a questão da alta carga tributária brasileira, que atingiu mais de 36% do PIB no ano passado. Adverte o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel: "Por conta do peso dos impostos, o investimento privado não cresce em níveis satisfatórios".


Taxa de investimento público
de economias emergentes (em % do PIB)*

China – 20,58%
Venezuela – 13,01%
Qatar - 11,68%
Arábia Saudita – 10,20%
Malásia – 10,07%
Emirados Árabes Unidos – 9,16%
Irã- 8,48%
Nigéria – 8,01%
Índia – 7,45%
Bolívia – 7,40%
Tailândia – 6,86%
Colômbia – 6,52%
Bulgária – 6,28%
Indonésia – 5,51%
Paraguai – 5,21%
Rússia – 4,93%
México – 4,52%
Equador – 4,22%
Peru – 4,17%
Argentina – 4,10%
República Tcheca – 4,03%
Turquia -3,37%
Uruguai – 3,06%
África do Sul – 2,66%
Chile – 2,39%
República Dominicana – 1,86%
Brasil – 1,69%
Turcomenistão – 1,19%

*Dados de 2007
Fonte: Estudo do economista José Roberto Afonso com base em estatísticas do FMI

Revista Veja na Sala de Aula
Na terra de Macunaíma
Com savanas, serras e florestas amazônicas, Roraima é um paraíso para quem gosta de natureza. Situado no extremo norte do País, o Estado abriga o Monte Roraima, um marco da tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela e o lar do mais famoso personagem do escritor modernista Mário de Andrade


Por Fabíola Musara, de Roraima

Foto: Andréia Teixeira
Desde pequena sou apaixonada por lendas e pela cultura de outros povos. Talvez venha daí o encantamento que senti ao conhecer Roraima, um lugar que até então para mim era totalmente abstrato, restringindo-se apenas a um pedacinho colorido do mapa do Brasil. No entanto, o Estado, para minha completa surpresa, é pura magia e verde, verde e mais verde, cor que neste canto tupiniquim é na maioria das vezes sinônimo de adrenalina.
Calma! Eu explico: magia porque é um solo onde as lendas deliciosamente brotam dos lábios dos caboclos, índios e ribeirinhos que ali vivem. E adrenalina porque suas serras e rios, com cachoeiras e corredeiras, são o paraíso para os amantes do ecoturismo. Não bastasse, existem ainda as extensas áreas de savanas (também conhecidas como lavrado ou cerrado), floresta amazônica e serras. Todos eles são cenários perfeitos para a observação da fauna e da flora e para a prática de esportes radicais, do mountain bike e rafting ao paraglider.
Pouco divulgado e situado lá no extremo norte do País, o Estado é um lugar de sonho. Possui apenas 15 municípios, onde vivem pouco mais de 350 mil habitantes, incluindo os índios de várias etnias – wai-wai, taurepang, macuxi, wapixana, ianomâmi, só para citar algumas. As tribos convivem em harmonia numa das maiores reservas indígenas do País, ocupando a maior parte da faixa territorial de fronteiras de Roraima (situa-se entre a selva amazônica e as montanhas e faz divisa com a Venezuela, a República Cooperativista da Guiana e os Estados brasileiros do Amazonas e do Pará).
Cartão-postal do Estado, o Monte Roraima é marco da tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana. Lendas locais afirmam que a montanha de mais de 2 bilhões de anos e de 2.875 metros de altura é a moradia de um ancestral guerreiro dos índios de origem karib, concebido por algumas etnias como um deus da natureza: o Makunaima. Resultado da fusão de maku (mau) e o sufixo aumentativo ima (grande), seu nome significa grande mau. Contam os nativos que, quando contrariado, o bravo Makunaima enviava, lá do alto do Monte Roraima, raios, trovões e tempestades, castigando ferozmente as tribos ao aniquilar suas terras e colheitas com os “grandes males” vindos da montanha.

Volta e meia, Makunaima se transformava em onça para ver o que estava acontecendo em seu reino, que se estendia até o Rio Orinoco, na Venezuela. Numa dessas vezes, constatou que seu território estava sendo invadido. Ficou possesso e convocou seus guerreiros. Lutaram, lutaram e venceram a guerra, exterminando todos os intrusos. Extremamente ferido e cansado, Makunaima rumou para o Monte Roraima. Lá chegando, adormeceu. Ali permanece dormindo até agora, mas a qualquer momento pode despertar. Se o que encontrar em seu reino não lhe agradar, nós, os humanos, sentiremos toda a força do mal que habita a montanha.

Cartão-postal do estado, o monte roraima é marco da tríplice fronteira entre o Brasil, a venezuela e a república cooperativista da guiana
Fotos: Divulgação
Única capital brasileira situada acima da linha do equador, Boa Vista foi planejada em formato de leque. A cidade fica à margem direita do Rio Branco, que percorre todo o Estado até se encontrar com o Rio Negro, no Amazonas.
Mas essas não são as únicas lendas que envolvem esse personagem mítico. Em Roraima, há uma versão bem popular e que teria sido uma das fontes de inspiração para o escritor Mário de Andrade, no romance modernista Macunaíma, lançado em 1928. Segundo essa narrativa, o Sol era apaixonado pela Lua, mas nunca se encontravam. Quando o Sol ia se pondo, era hora de a Lua começar a nascer. Assim viveram por milhões e milhões de anos.
Certo dia, o Sol se atrasou um pouco (eclipse) e finalmente o encontro aconteceu. Seus raios dourados refletiram, juntamente com os raios prateados da Lua, em um lago de águas cristalinas da enorme montanha que repousa no meio dos imensos campos de Roraima. Nesse encontro, Macunaíma foi fecundado. Curumim esperto, teve como berço o Monte Roraima. Cresceu forte e tornou-se um índio guerreiro. Os índios macuxis o proclamaram herói de sua tribo.
Foto: Tiago Orihuela
A plataforma da Orla Taumanan, que significa paz no idioma macuxi.


Foto: Reynesson Damasce / Divulgação
Ruas do centro histórico de Boa Vista.

Inspirada em Paris, na França, Boa Vista é só uma am ostra da exuberante beleza de Roraima
Foto: Divulgação / Orib Ziedson / Tiago Orihuela
No topo, a Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo, os monumentos aos Pioneiros, que reproduz o Monte Roraima, e aos Garimpeiros, uma homenagem àqueles que contribuíram para o desenvolvimento econômico de Roraima.
Inspirada em Paris
Lendas à parte, Roraima é mesmo um paraíso repleto de inigualáveis tesouros. Única capital brasileira situada acima da linha do equador, Boa Vista fica à margem direita do Rio Branco, que percorre o Estado até se encontrar com o Rio Negro, no Amazonas. Inspirada em Paris, na França, a capital é apenas uma pequena amostra da exuberante beleza do Estado. Com largas avenidas, a cidade foi planejada em formato de leque – suas principais avenidas saem do centro e convergem para a Praça do Centro Cívico, onde ficam as sedes dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
À noite, as luzes amarelas imprimem um ar totalmente romântico às ruas de Boa Vista. Caminhar em silêncio pelo centro histórico, saboreando lentamente o efeito dessa tênue iluminação em seus principais atrativos, é algo indescritível, um daqueles momentos mágicos que ficam gravados na memória da gente para sempre. Pouca coisa no mundo é comparável às cenas que a seguir se revezam diante do olhar: os barzinhos e restaurantes da Orla Taumanan (em macuxi significa paz), às margens do Rio Branco. Dividido em plataformas e amplamente arborizado, esse espaço suspenso é ideal para intermináveis bate-papos, caminhadas ou mesmo para não fazer nada: simplesmente parar e assistir a um pôr do sol.
Com seus caprichados jardins, canteiros floridos e uma vista privilegiada das embarcações que passeiam na imensidão do rio, essa área verde ao ar livre também é o point onde acontecem efervescentes shows, com direito a muito agito e azaração. Ainda no centro ficam a Matriz Nossa Senhora do Carmo, cuja construção começou em 1892, e o Monumento aos Pioneiros, uma escultura em alto-relevo de concreto que reproduz o perfil do Monte Roraima. A obra destaca a figura de Macunaíma como primeiro habitante do Estado e descreve um longo período histórico, retratando os elementos étnicos – os povos indígenas, os nativos e os pioneiros que ali chegaram a pé, a cavalo ou em canoas, formando o povo roraimense.




A cidade reúne ainda várias outras edificações que merecem ser conhecidas. Entre elas, a Intendência, a casa de estilo neoclássico de João Capistrano da Silva Mota, o primeiro intendente da cidade, em 1790; a Praça das Águas, com suas diversas fontes; o Centro de Artesanato Velia Sodré Coutinho; e o Monumento ao Garimpeiro, uma homenagem àqueles que trabalharam arduamente no garimpo em busca de ouro, diamantes e outras pedras preciosas, ajudando no desenvolvimento econômico do Estado.
Boa Vista é uma capital plana, inclusive visualmente – por enquanto, só abriga dois prédios de poucos andares. Nela, tudo é muito limpo e bem cuidado. Árvores e flores estão em todos os cantos. Por suas largas avenidas projetadas em 1940, o trânsito flui e os automóveis não ficam horas presos naqueles infernais congestionamentos tão típicos das metrópoles. Nem por isso os pedestres são desrespeitados. Ao contrário: habitualmente, os motoristas param quando alguém vai atravessar a rua. Nas entradas da cidade, aliás, há vários comunicados alertando a quem vem de fora que ali se respeitam as faixas de pedestre.

Novo destino
O aeroporto internacional de Boa Vista é a principal porta de entrada para o Estado, que diariamente assiste ao incessante vaivém de voos nacionais e do Exterior. De carro, a Rodovia BR-174 é uma opção para quem deseja percorrer todo o território roraimense, de sul a norte. Para quem pretende ir mais além, a estrada estende-se até a fronteira com a Venezuela, onde conecta-se com outra que vai até o Caribe venezuelano.

Essa importante estrada federal, aliás, empresta seu nome a um recém-criado destino turístico do País: a Rota 174 – Amazonas/Roraima. Resultado de uma parceria entre os governos dos dois Estados, com o apoio do Ministério do Turismo e a consultoria do Sebrae, o trajeto começa em Manaus e vai até Presidente Figueiredo, ambas no Amazonas. Depois, já em Roraima, segue para Rorainópolis, Caracaraí, Boa Vista, Amajari (de onde pode-se chegar à linda Serra do Tepequém) e Pacaraima. De Manaus até Pacaraima – último município brasileiro do roteiro, quase na divisa com a Venezuela – são 989 quilômetros de estrada pavimentada.
Foto: Tiago Orihuela / Jayth Chaves Filho / André
No topo, uma das largas avenidas de Boa Vista, a Pedra Pintada, um monólito de 60 m de diâmetro e 40 m de largura que exibe pinturas rupestres, comprovando a passagem do homem pré-histórico pelo Estado, e a casa de um morador à beira da Rodovia BR-174.

Ao longo deles, as atrações são incontáveis. Em Roraima – onde concentra-se a maior parte do novo roteiro turístico –, as paisagens modificam- se radicalmente à medida que se percorrem os cerrados, a floresta amazônica e as serras.
A vegetação também sofre interferência do clima. A exemplo do Amazonas, o Estado tem duas estações climáticas bem definidas. A seca, de outubro a março, “tinge” seu solo de tons amarronzados dos lavrabos, com seus incontáveis pés de buriti (Mauritia flexuosa). Como essa espécie de palmeira funciona sempre como infalível indicativo da existência de água, elas surgem em abundância nas veredas e nas margens de igarapés, lagos, riachos, cachoeiras e nascentes de Roraima. Também é no período de seca que o volume de águas dos rios diminui, desenhando deslumbrantes praias fluviais em suas margens. Já na temporada da cheia, de abril a setembro, as chuvas são constantes. O verde volta a renascer, inaugurando um colorido diferente no Pantanal da Amazônia, como o Estado também é conhecido. Com chuva ou não, lá é sempre muito quente, com temperaturas que variam de 20°C a 38°C.

É depois de Pacaraima , lá na divisa com a venezuela, que a Rota 174 esconde o seu maior tesouro: o paradisíaco Monte Roraima
Foto: André Pessoa
Lula, o contador de histórias
Talvez a melhor expressão de Roraima seja uma figura que atende pelo apelido de Lula. Autodidata, Luciano Alvarenga, como é o seu nome, é mecânico. Nas horas vagas ou quando os turistas o convocam, é um guia apaixonado pela terra que adotou – nasceu em Manaus (AM) e aos 10 anos foi morar com o avô em Roraima.
Aos 44 anos e com pouco mais de 1,70 m de altura, Lula é, na verdade, um contador de causos. Em suas histórias – nunca narradas em menos de 30 minutos – , ele vai linkando outras. Tantas outras que às vezes até se esquece da original, aquela que deu início à conversa.
Suas versões são sempre interpretadas por ele. Assim, o buriti “ganha” cabelos que voam ao sabor do vento, a onça leva uma baita surra dele e corre assustada para a floresta, enquanto Lula, heroicamente, protege o grupo que o acompanha. As cenas são de chorar de rir. E as caretas, então, nem se fale...
Mas o delicioso na prosa desse caboclo matuto é que, mais do que narrar as lendas das diferentes cidades roraimenses – por onde a gente passa sempre tem uma –, ele ensina nomes de rios, serras, pássaros e bichos que a gente nem imagina que existam. Saborosamente, conta com maestria as maravilhas da terra que o acolhe desde menino.
A Lula Jingle, empresa de sua propriedade, pode ser contatada pelo e-mail:lulajingle@yahoo.com.br, tel. (95) 9965-2222.
Durante todo o percurso da Rota 174, os ecossistemas se alternam. No centro do Estado, onde as savanas dão lugar à densa floresta tropical, está Caracaraí. Situado a 155 quilômetros de Boa Vista, o município tem como ponto alto o Rio Branco e é cortado por vários outros rios que formam extensas várzeas durante a estação chuvosa, atraindo grande variedade de animais. Com menos de 18 mil habitantes, Caracaraí é considerada uma cidade-porto, já que é ainda agora um dos principais responsáveis pelo abastecimento de Roraima, sobretudo no que diz respeito ao petróleo.
Embora o transporte fluvial desempenhe papel de extrema importância na economia do Estado, a natureza ali também ocupa papel de destaque: esse município abriga a Cachoeira do Bem- Querer, um lugar ideal para canoagem, pesca esportiva, passear de caiaque e conferir de perto algumas inscrições rupestres. Caracaraí possui ainda duas estações ecológicas: Niquiá e o Complexo Ecoturístico Ilha de Jaru, onde é possível conhecer parte da exuberante fauna e flora regionais. Mas, atenção: por já ter sido vítima de atos de vandalismo, o complexo costuma permanecer fechado boa parte do ano. Assim, antes de ir, é melhor se informar na prefeitura local, na Praça do Centro Cívico, telefone (95) 3532-1234.
Por falar em belezas naturais, próximo de Caracaraí ficam duas das maravilhas do Estado: o Parque Nacional Serra da Mocidade e – vizinho a ele – o Parque Nacional do Viruá. Recémcriados pelo governo federal, ambos integram o Programa de Áreas Protegidas na Amazônia (Arpa). Com acesso feito por barcos a partir de Caracaraí, o primeiro ainda não está aberto ao público. Já o segundo lentamente começa a receber visitantes, porém as visitas têm de ser agendadas pelos telefones (95) 3624-3712 e (95) 8114-5411.
Mas é depois de Pacaraima, lá na divisa com a Venezuela, que a Rota 174 esconde o seu maior tesouro: o paradisíaco Monte Roraima. O acesso à moradia do deus Makunaima, aliás, somente pode ser feito pelo lado venezuelano – do lado brasileiro, um dos obstáculos que impossibilitam a subida ao cume da montanha é um paredão rochoso de mais de mil metros de altura.
Na Venezuela, a visita ao local é feita com o acompanhamento dos índios pemóns, pois são eles que melhor conhecem a região. O lugar e todo o trajeto até a montanha são tão exageradamente lindos que não é nada difícil entender por que esse é considerado um solo sagrado. Não à toa que também é a terra do nosso Macunaíma. Afinal, o nosso herói sem caráter de bobo não tem nada.
Foto: Andréia Teixeira / Andréia Pessoa
Acima, a Cachoeira Jaspe, com seu leito de pedras vermelhas. Ela fica no Parque Nacional de Canaima, na Gran Sabana, na Venezuela. Ao lado, a pupunha e o cupuaçu (na foto abaixo), frutos típicos abundantes no Estado, vastamente utilizados na gastronomia regional.


Serviço
Em Boa Vista – Onde ficar: Hotel Aipana Plaza, tel. (95) 3224-4800, sitewww.aipanaplaza.com.br Onde comer:Recanto da Peixada – Av. Major Willians, 22, tel. (95) 3224-2975.
Rota 174 – Onde comprar: A Via Conexão, Ambiental, Landscape, MGM, Nascimento e Soft Travel integram o pool de operadoras da Rota 174. O roteiro pode ser percorrido em trechos ou em sua totalidade, incluindo visita e pernoite em Santa Elena de Uairén e à belíssima Cachoeira Jaspe, na Venezuela. Tanto esse como outros pacotes podem ser adquiridos nas seguintes agências de turismo:
Em Roraima – Makunaima Expedições, site www.makunaima.com, tels. (95) 3624-6004 (95) 8111-7669; Roraima Adventures, site www.roraima-brasil.com.br, tels. (95) 3624- 9611 e (95) 3623-6972; e Lula Jingle (e-mail Lulajingle@yahoo.com.br), tel. (95) 9965-2222.
No Amazonas – Swallows and Amazons Turismo (sitewww.swallowsandamazonstours.com), Amazônia Ecolazer Expedições e Aventuras (site www.amazoniaecolazer.com.br) e Amazon Adventure Viagens e Turismo (sitewww. amazonadventure.tur.br).
Quem leva: Gol Linhas Aéreas Inteligentes – site www.voegol.com.br

Revista Planeta

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