quarta-feira, 17 de julho de 2013

Notícias Geografia Hoje



Obama lança plano de combate às mudanças climáticas
Presidente propôs ações em três frentes: reduzir as emissões de gases de efeito estufa para produção de energia; preparar os EUA para mudanças futuras e liderar esforços internacionais

Das agências internacionais

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, propôs nesta terça-feira, 25, uma série de medidas para combater as mudanças climáticas. Em discurso na Universidade Georgetown, ele propôs ações em três frentes: reduzir as emissões de gases de efeito estufa da produção de energia; preparar o país para as mudanças que vão ocorrer e liderar os esforços internacionais para que o mundo encontre uma forma de lidar com a questão. 

Na semana passada, em Berlim, dando pistas do que estava por vir, Obama afirmou que as mudanças climáticas são a “ameaça global do nosso tempo” e prometeu ações para evitá-la.

Hoje destacou a "obrigação moral" que sente em iniciar a implementação de políticas avançadas que possam conter as emissões de gases de efeito estufa nos Estados Unidos e no exterior, na falta da uma legislação vinda do Congresso.

Mesmo sem citar metas numéricas, anunciou a adoção de padrões mais rígidos para usinas de energia novas e antigas. O projeto também inclui mais apoio federal para desenvolvimento e eficiência energética de combustíveis fósseis, além do rompimento de barreiras comerciais para produtos de energia limpa e impulsionar a cooperação bilateral climática com grandes economias como a China, Índia e Brasil.

Também ordenou que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) "estabeleça padrões de poluição por carbono tanto para usinas de energia novas quanto para as já existentes", em conjunto com os Estados, a indústria de energia e outras partes interessadas.
Jornal O Estado de S. Paulo

Vazamentos de óleo deixam em alerta a bacia amazônica

Dois vazamentos de óleo na bacia amazônica, um no Rio Negro, perto de Manaus, e outro no Napo, na selva equatoriana, deixaram o governo brasileiro em alerta. A Capitania dos Portos do Amazonas abriu inquérito para apurar o derramamento de diesel na Transpetro na segunda-feira. Em outro acidente, no dia 31, da Petroecuador, o rompimento de uma tubulação derramou o equivalente a 6.800 barris de óleo que já atingem dezenas de comunidades no Equador.

O governo montou uma força-tarefa para impedir que a mancha atinja o Rio Solimões. A possibilidade de a mancha chegar ao Brasil seria "remota" pois o óleo derramado seria extremamente pesado. A presidente Dilma Rousseff foi informada do rompimento durante reunião do Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas, em Brasília. / LEONENCIO NOSSA
Jornal O Estado de S. Paulo

Desmatamento dispara na Amazônia em maio

O Ministério do Meio Ambiente deve anunciar daqui a pouco que o desmatamento voltou a avançar fortemente na Amazônia no mês de maio. O site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que traz os dados do sistema Deter mostra que a perda da floresta foi de 464,96 km² no mês, contra 98,85 km² em maio do ano passado, um aumento de quase cinco vezes.

No acumulado desde agosto do ano passado, mês em que se inicia o calendário de cálculo anual de desmatamento, foram perdidos 2337,79 km², contra 1729,89 km² no período de agosto de 2011 a maio de 2012. O levantamento mensal do Deter funciona como um sistema de alerta para a fiscalização e capta somente desmatamentos superiores a 25 hectares

É um revés em um movimento que vem ocorrendo nos últimos anos de queda contínua da taxa de desmatamento – a principal política ambiental do governo federal. Os dados fechados do ano anterior, por exemplo, mostraram que o desmatamento de agosto de 2011 a julho de 2012 foi o menor da história do monitoramento – caiu 29% em relação ao período anterior, chegando a 4.571 km².

Tradicionalmente, é nos meses de seca, normalmente a partir de abril, que a motosserra canta mais alto. Mas nos últimos tempos os desmatadores têm mudado a tática e derrubado a mata mesmo no período de chuva. Apesar de mais complicado logisticamente, eles têm a vantagem de ficar “protegidos” pelas nuvens, que dificultam a visualização do monitoramento por satélite que faz os alertas, e pelas chuvas, que atrasam a chegada de Ibama e polícia ambiental.

Portanto, os dados agora de maio podem ser um pouco mais inflados porque estão deixando à mostra o que aconteceu na região na época da chuva. Mas refletem um alerta que ambientalistas vêm fazendo há algum tempo: de que, apesar dos ganhos obtidos nos últimos anos, o desmatamento não está contido.

Em meados do mês passado, o instituto de pesquisa Imazon, sediado em Belém, e que faz um monitoramento paralelo da perda florestal na Amazônia, também tinha mostrado essa tendência. Na ocasião, Adalberto Veríssimo, pesquisador sênior da ONG, comentou que o maior gargalo no momento é o chamado desmatamento especulativo, principalmente nas regiões do oeste do Pará e sudeste do Amazonas.

“É gente que derruba com a expectativa de que uma hora vai conseguir regularizar a terra e vendê-la”, diz. “Praticamente, não se vê mais o desmate de quem está na cadeia produtiva e quer aumentar sua área para plantar ou pôr gado. Nesses casos, os mecanismos de comando e controle do governo têm funcionado. Mas o governo vai ter de mudar a estratégia, talvez deixar claro que essas áreas desmatadas para especulação não vão nunca ser regularizadas. Aí cria um prejuízo e pode ser que a prática estanque”, disse ele no mês passado.

Ele alertou também que se esse ritmo se mantiver nos meses de junho e julho, tradicionalmente os de maior avanço do corte raso, por ser período de seca, o desmatamento total pode passar de 6 mil km². Segundo ele, esses dois meses costumam representar 30% do total.
Jornal O Estado de S. Paulo

Parlamento Europeu muda regras do comércio de emissões

A União Europeia aprovou uma reforma do comércio de emissões de CO2, na tentativa de conter a queda de preços das licenças para emissão de poluentes e assim recuperar o estímulo político à proteção do clima.

O princípio do comércio europeu de emissões é simples: quem emite dióxido de carbono (CO2), seja uma operadora de usina termelétrica, uma indústria ou uma empresa aérea, tem de pagar para tal, por meio da compra de certificados de emissão.

Se o preço é alto o suficiente, a economia possui então um incentivo para a proteção climática. E quem opera de maneira bastante ecológica, pode até mesmo vender certificados àqueles que são menos exemplares.

Assim esperava-se transformar a política climática numa questão de impiedoso cálculo econômico, alcançando o efeito desejado através das regras do mercado. Mas há muito o problema é que os preços dos papéis são muito baixos. Se inicialmente a Comissão Europeia calculava cerca de 30 euros por tonelada de CO2, já há vários meses o preço está por volta dos 5 euros ou menos.

A esse nível, a inovação ecológica deixa de valer a pena para muita gente. Por isso, as usinas termelétricas a carvão mineral, tão prejudiciais ao clima, voltaram a ser imbativelmente rentáveis.

DESEMPREGO

A razão para a queda de preços é a crise econômica e a distribuição gratuita de direitos de emissão de gases do efeito estufa para numerosas empresas com consumo energético especialmente elevado. Por esse motivo a Comissão sugerira diminuir artificialmente o número de certificados, aumentando assim o preço das licenças.

Mas representantes da economia advertiram contra uma sobrecarga da indústria, contra a migração e o fechamento de fábricas - bons argumentos, em tempos de desemprego elevado. E a proposta da Comissão foi rejeitada na primeira votação no Parlamento em abril último, devido à maioria conservadora e liberal.

Mas então a proposta foi atenuada e, nesta quarta-feira (03/07), aprovada pelo Parlamento Europeu. Ela prevê que 900 milhões de certificados sejam retirados temporariamente de circulação, só retornando ao mercado a partir de 2019 e 2020.

O acordo aprovado nesta quarta-feira tenta conciliar a parte política com o lado ambiental da disputa, restaurando o incentivo a um comportamento ecológico sem sobrecarregar excessivamente a economia. As reações foram bastante diversas.

O eurodeputado social-democrata Matthias Groote, que serviu de intermediador entre as bancadas, mostrou-se satisfeito. "O Parlamento Europeu salvou o comércio de emissões da extinção", disse o parlamentar. Rebecca Harms, líder da bancada verde, saudou o acordo, em princípio, mas pediu que o excesso de licenças não fosse retirado temporariamente do mercado, mas sim definitivamente. "Somente assim o comércio de emissões poderá criar estímulos de investimento para um desenvolvimento industrial limpo e sustentável."

Por outro lado, Herbert Reul, presidente da bancada conservadora-liberal no Parlamento Europeu e membro da Comissão Parlamentar da Indústria, considerou supérflua a recente votação, pois as metas climáticas da União Europeia seriam atingidas com ou sem a intervenção.

Além disso, intervenções no mercado seriam algo negativo: "Quando se interfere externamente no comércio de emissões, destrói-se justamente aquilo de que esse mercado realmente precisa: confiança e confiabilidade". Segundo Reul, a crise econômica também mostra que "precisamos de qualquer modo da indústria", ou seja a: proteção da indústria europeia tem absoluta prioridade.

INOVAÇÃO VERDE

Contudo também há vozes contrárias na bancada de Reul. Uma das mais proeminentes é o porta-voz de política ambiental Peter Liese. Ele não considera preços baixos somente um desestímulo ao comportamento ambiental: eles também representam para os Estados uma receita baixa com os certificados, redundando na falta verbas para programas nacionais de proteção climática.

O apoio para o encarecimento artificial dos títulos também partiu de uma fonte inesperada: algumas grandes empresas europeias de energia, como a Shell, Eon e EDF, veem suas inovações na Europa em perigo, afirmou o eurodeputado holandês do Partido Verde Bas Eickout.

"Elas veem que, no momento, as usinas a carvão são a forma mais barata de aquisição energética" e, por isso, estariam apoiando a intervenção. Por exemplo, a Eon possui um grande número de usinas elétricas a gás que, devido ao atual boom do carvão, quase não são rentáveis.

ESTADOS-MEMBROS

Após o Parlamento Europeu ter aprovado a reforma, cabe aos Estados-membros ratificá-la, e é difícil prever como irão tratar o acordo. Pois s diferentes países da União Europeia apresentam graus de motivação bem diversos, no que tange à proteção climática.

O espectro abarca desde países como a Dinamarca, que aposta inteiramente nas energias renováveis, até a Polônia, que quer proteger suas muitas usinas a carvão. Apesar das diferenças, a comissária europeia de Proteção Climática, Connie Hedegaard, espera por um consenso no mais alto nível da política ambiental.

Para ela, o comércio de emissões, como importante instrumento da política de proteção climática europeia, é um projeto de prestígio absoluto da UE, que desperta interesse e é imitado no mundo todo. Se o comércio de emissões perder o seu poder motivador, diz Hedegaard, então acabou-se a sua credibilidade.
Folha de S. Paulo

Emissão de gases-estufa no Brasil cai 38,4% em cinco anos

Puxado pela queda significativa no desmatamento na região amazônica, o Brasil conseguiu reduzir em 38,4% a emissão de gases do efeito estufa entre 2005 e 2010, segundo estimativa divulgada nesta quarta-feira (5) pelo governo federal.

Os números são imprecisos, pela dificuldade natural de medição, em escala nacional, da quantidade de gases emitidos por indústrias e pelo setor agropecuário, por exemplo.

Por isso, oficialmente o governo nem chama os dados de "índice", mas de "estimativa". A margem de erro pode chegar a 15%, dependendo do tipo de fonte emissora dos gases do efeito estufa.

Os últimos dados do tipo, divulgados pelo governo, eram de 2005. Em 2009, o Brasil assumiu o compromisso voluntário de reduzir, até 2020, em até 38,9% o projetado para aquele ano em relação à emissão de gases causadores do efeito estufa.

Apesar do estado "muito avançado" do Brasil, como definiu o secretário de Políticas e Programas de Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, Carlos Nobre, os números indicam que as reduções se limitaram ao universo das florestas.

Nas emissões geradas pela queima de combústiveis fósseis e pela indústria do petróleo e gás natural, por exemplo, houve um aumento de 21,4% na quantidade de gases na atmosfera - dobrando sua participação no total de emissões brasileiras.

Na agropecuária, setor que vem puxando pra cima o PIB brasileiro, houve aumento de 5,2% --índice quase igual aos 5,3% de outros setores industriais, como siderurgia e mineração.

O governo, no entanto, afirma que, apesar dos aumentos, eles cresceram menos do que vinha sendo projetado.

DESMATAMENTO

Mais cedo, a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) confirmou indicação dada em novembro, de que o desmatamento na Amazônia, em 2012, foi o menor desde que o governo começou a medi-lo.

O dado consolidado, medido pelo sistema Prodes, com satélites de alta resolução, aponta um desmatamento de 4.571 km² (equivalente a três cidades de São Paulo).

No ano anterior, o índice era de 6.418 km² --uma redução de 28,8%.
Folha de S. Paulo

3 mil cidades jogam lixo em lugar errado

Giovana Girardi - O Estado de S.Paulo


Faltando pouco mais de um ano para o fim do prazo dado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos para o fim dos lixões no Brasil, 3 mil cidades (54% do total), incluindo as capitais Belém e Brasília, ainda enviam resíduos para destinos inadequados. São quase 24 milhões de toneladas despejadas em condições impróprias por ano, o equivalente a 168 estádios do Maracanã lotados de lixo.

Os dados são do ano passado e fazem parte do Panorama dos Resíduos Sólidos produzido anualmente pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza e Resíduos Especiais (Abrelpe).

A 10.ª edição do relatório, que será divulgada hoje, mostra que o cenário apresentou alguma melhora ao longo da década, mas muito lentamente, o que indica que vai ser impossível cumprir a legislação na data prevista. Em agosto de 2014, municípios em condições irregulares podem ser enquadrados na Lei de Crimes Ambientais.

Em 2003, primeiro ano do levantamento, do total de resíduos coletados no País, 59,51% iam para lixões ou aterros sem tratamento de chorume e controle de gases e apenas 40,49% seguiam para aterros sanitários. Em 2012, a proporção se inverteu: 58% tiveram destino adequado e 42%, inadequado.

O problema é que o quadro tem se mantido constante desde 2011. "Pela proximidade do prazo estabelecido pela lei (em 2010), esperávamos ver um avanço, mas a situação se estagnou. Por outro lado, há uma tendência de aumento, ano a ano, do volume de resíduos produzidos pelos brasileiros", afirma Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe.

Geração de resíduos. A produção per capita subiu de 381,6 kg por ano em 2011 para 383 kg por ano no ano passado. Ao longo dos dez anos de levantamento, a geração de resíduos do País cresceu 21%. "Não por coincidência, o PIB per capita também variou 20,8% nesse período. Enquanto a população só cresceu 9,65%. Mais riqueza traz mais consumo de embalagem e também mais desperdício de alimento."

Como vem ocorrendo nos últimos anos, o Estado de São Paulo liderou a geração de resíduos. No ano passado, cada habitante produziu 1,393 kg/dia, contra 1,228 kg/dia no País.
Jornal O Estado de S. Paulo

A humanidade decidiu bocejar e deixar que os perigos reais e imediatos das mudanças climáticas se acumulem. Foi esse o argumento que apresentei em minha coluna da semana passada. Nada que apareceu nas respostas à coluna enfraqueceu minha conclusão. Quando muito, as reações a reforçaram.

A julgar pela inação do mundo, os céticos climáticos já ganharam. Esse fato torna ainda mais surpreendente o sentimento que eles manifestam de terem queixas não atendidas. Para o restante de nós, a interrogação que fica é se ainda há algo que possa ser feito, e, se sim, o que é.

Ao analisar esta questão, uma pessoa racional certamente deve reconhecer o grau de consenso existente entre os cientistas climáticos quanto à hipótese do aquecimento provocado pelo homem.

Uma análise dos resumos de 11.944 artigos científicos revistos por pares, publicados entre 1991 e 2011 e redigidos por 29.083 autores, conclui que 98,4% dos autores que adotaram uma posição confirmaram o aquecimento global provocado pelo homem (antropogênico), 1,2% o rejeitaram e 0,4% se disseram incertos. Análises alternativas dos dados renderam proporções semelhantes.

Uma resposta possível consiste em insistir que todos esses cientistas se equivocaram. Isso é concebível, é claro. Cientistas já se equivocaram no passado. Mas rejeitar este ramo da ciência unicamente porque suas conclusões são tão incômodas é irracional, embora seja compreensível.

Isto nos conduz a uma segunda linha de ataque: insistir que esses cientistas foram corrompidos pelo dinheiro e a fama. A este argumento eu respondo: será mesmo? É plausível que uma geração inteira de cientistas tenha inventado e defendido um logro evidente para obter ganhos materiais (modestos), ciente de que a fraude será descoberta?

É mais plausível que os cientistas que rejeitam a visão mais comum o façam por justamente esses motivos, já que interesses poderosos se opõem ao consenso climático, e os acadêmicos do lado deles (os céticos) do debate são em número muito menor.

Infelizmente, por mais racional possa ser buscar reduzir o risco de resultados catastróficos, não é isso o que está acontecendo agora, nem parece provável que aconteça no futuro previsível.

Os dados sobre a queima de combustíveis fósseis desde meados do século 18 indicam um aumento regular nas emissões anuais de dióxido de carbono. É verdade que esses dados apontam para uma desaceleração no aumento das emissões anuais nas décadas de 1980 e 1990. Mas essa desaceleração foi invertida na década de 2000, quando a queima de carvão pela China aumentou (ver gráfico). Hoje, 30% do CO2 presente na atmosfera é diretamente devido à humanidade.

O que está por trás desse crescimento recente nas emissões está muito claro: o crescimento econômico de emparelhamento. A China foi responsável por 24% das emissões globais totais em 2009, contra 17% dos Estados Unidos e 8% da zona do euro. Mas cada chinês emite apenas um terço do volume emitido por um americano e menos de 4/5 do que é emitido por cada residente da zona do euro.

A China é uma economia emergente relativamente perdulária, em termos de suas emissões por unidade de produção. Mesmo assim, ela emite menos per capita que os países de alta renda, porque sua população ainda é relativamente pobre. Seus líderes consideram, justificadamente, que não existe razão moral para aceitarem um teto de emissões para cada indivíduo chinês que seja muito mais baixo que o nível ao qual os americanos consideram que têm direito.

À medida que os países emergentes se desenvolvem, as emissões per capita vão tender a subir em direção aos níveis presentes nos países de alta renda, com isso elevando a média global. É por essa razão que as emissões globais per capita subiram 16% entre 2000 e 2009, período marcado por crescimento acelerado nas economias emergentes.

Portanto, esqueça o discurso: não apenas os estoques de CO2 na atmosfera, mas até mesmo os fluxos de CO2 estão piorando. Os céticos convencidos de que o melhor a fazer é não fazer nada podem parar de reclamar: eles já ganharam.

E como ficamos nós, os outros? As chances de que a humanidade alcance a redução de emissões necessária para manter as concentrações de CO2 abaixo de 450 partes por milhão, com isso reduzindo em muito os riscos de uma elevação superior a 2ºC na temperatura global, são de quase zero. A redução de 25%-40% nas emissões dos países de alta renda até 2020, que seria necessária para conduzir o mundo a esse caminho, não vai acontecer.

Mas isso não quer dizer, de maneira alguma, que a inação deva continuar. A não ser que se concretize o cenário mais apocalíptico, a humanidade ainda pode reduzir as emissões e comprar tempo para sua sobrevivência. O que fazer, então, nesta situação tenebrosa? Seguem oito possibilidades.

Primeira: implementar impostos de carbono. Cobrar impostos sobre coisas negativas é sempre um bom começo. No contexto atual, as emissões de CO2 constituem uma coisa negativa.

Impostos são a maneira mais simples de deslocar incentivos. Como a receita tributária beneficiaria cada governo, ela poderia ser utilizada de modo pontual para reduzir outros impostos --sobre o emprego, por exemplo. As complexas questões de distribuição global poderiam ser ignoradas. Seria melhor se fosse possível os governos se comprometerem com uma tabela tributária crescente de longo prazo, proporcionando a investidores algum grau de previsibilidade do custo do carbono.

Segunda: optar pela energia nuclear. É graças a ela que a França é uma economia que gera tão pouco carbono. É um modelo ao qual outros países deveriam aderir, e não do qual deveriam fugir.

Terceira: impor padrões realmente rígidos de emissões a automóveis, eletrodomésticos e outros tipos de máquinas. A inovação cresceria em resposta a um misto de padrões de preços e regulamentação, como já aconteceu tantas vezes no passado. Se não nos atrevermos a perguntar, não saberemos do que as empresas são capazes em termos de inovação.

Quarta possibilidade: criar um regime global seguro de comércio de combustíveis de carbono mais baixo. Essa seria uma maneira de persuadir a China a afastar-se do consumo do carvão.

Quinta: desenvolver maneiras de financiar a transferência das melhores tecnologias possível para a criação e, ainda mais importante, a economia de energia em todo o planeta.

Sexta: deixar que os governos invistam em pesquisas e inovações em estágio inicial, adotando um misto de financiamento de pesquisas universitárias e apoio a parcerias público-privadas.

Sétima: investir na adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. Este ponto certamente terá que ser foco de assistência ao desenvolvimento no futuro. Essa adaptação pode incluir deslocamentos populacionais em grande escala.

Finalmente: estudar a geoengenharia --a manipulação em grande escala do planeta para reverter as mudanças climáticas--, por mais tenebrosa essa ideia possa ser.

Nada disso será o suficiente para eliminar os riscos de mudanças climáticas gravemente adversas. Mas parece ser o melhor que podemos fazer agora, em vista das pressões econômicas.

A tentativa de afastar nossas escolhas daquelas que agora estão alimentando o crescimento constante das emissões fracassou. E vai continuar a fracassar, por enquanto. As razões disso são profundamente enraizadas. É provável que isso só mude diante da ameaça de mais desastres iminentes, e, até isso acontecer, é muito possível que já seja tarde demais. Trata-se de uma verdade deprimente, e é muito possível que seja um fracasso que condene a todos nós.

Tradução de CLARA ALLAIN

É comentarista chefe de Economia no jornal britânico "Financial Times". É membro honorário do Instituto de Política Econômica de Oxford e professor honorário da Universidade de Nottingham. Participa do Fórum de Davos desde 1999 e do Conselho Internacional de Mídia desde 2006. É doutor em letras pela Universidade de Nottingham e doutor em economia pela London School of Economics (LSE)
Folha de S. Paulo
JIM ROBBINS
DO "NEW YORK TIMES"
Poucas coisas são mais vitais do que a saúde da terra. Nosso abastecimento alimentar começa lá. As plantas selvagens precisam de solo saudável para crescer bem. Os herbívoros, para que possam comer as folhas, sementes e frutos das plantas. Por fim, os predadores, para que possam comer os bichos que comem as plantas.


Um solo saudável evita doenças humanas e também contém a cura para outras enfermidades. A maioria dos antibióticos vem de lá. Os cientistas agora procuram na terra uma nova classe de remédios para enfrentar doenças resistentes a antibióticos.


Jon Hrusa/Epa
Lavoura em Moçambique; más práticas agrícolas arruinaram cerca de metade do solo superficial na África


O solo supostamente desempenha um papel importante, mas pouco compreendido, na difusão do cólera, da meningite fúngica e de outros agentes infecciosos que passam parte do seu ciclo de vida na terra.

Novas tecnologias garantiram saltos na nossa compreensão sobre a ecologia dos solos, ao permitir que os cientistas estudem os genes de micróbios da terra e acompanhem minúsculas quantidades de carbono e nitrogênio em sua passagem por esse ecossistema.

Mas, à medida que os cientistas aprendem mais, eles percebem como sabem pouco.

Na última década, os cientistas descobriram que o "oceano de terra" do planeta é um dos quatro maiores reservatórios de biodiversidade. Ele contém quase um terço de todos os organismos vivos, segundo o Centro de Pesquisas Conjuntas da União Europeia, mas apenas cerca de 1% dos seus micro-organismos já foi identificado. As relações entre essa miríade de espécies ainda é mal compreendida.

Cientistas criaram recentemente a Iniciativa Global de Biodiversidade do Solo para avaliar o que se sabe sobre a vida subterrânea, para identificar onde ela está em perigo e para determinar a saúde dos serviços ecossistêmicos essenciais que o solo fornece.

Uma colherada de terra pode conter bilhões de micróbios (divididos entre 5.000 tipos diferentes), assim como milhares de espécies de fungos e protozoários, além de nematódeos, ácaros e algumas espécies de cupim.

"Há uma pululante organização embaixo do chão, uma fábrica com terra, animais e micróbios, cada um com seu próprio papel", disse a bióloga Diana Wall, da Universidade Estadual do Colorado, a presidente científica da iniciativa.

O ecossistema do solo é altamente evoluído e sofisticado. Ele processa o lixo orgânico, transformando-o em terra. Filtra e limpa grande parte da água que bebemos e do ar que respiramos, ao reter poeiras e agentes patogênicos. Desempenha importante papel na quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, pois, com toda a sua matéria orgânica, é o segundo maior depósito de carbono do planeta, só atrás dos oceanos.

O uso de arados, a erosão e outros fatores liberam carbono na forma de CO2, exacerbando a mudança climática.

Um estudo de 2003 na revista "Ecosystems" estimou que a biodiversidade de quase 5% do solo dos EUA estava "sob risco de perda substancial ou completa extinção devido à agricultura e à urbanização". Essa foi provavelmente uma estimativa conservadora, já que o solo do planeta era na época mais inexplorado do que hoje e as técnicas do estudo eram bem menos desenvolvidas.

Há numerosas ameaças à vida no solo. A agricultura moderna é uma das maiores, pois priva a terra da matéria orgânica que a alimenta, resseca o chão e o contamina com pesticidas, herbicidas e nitrogênio sintético.

A impermeabilização em áreas urbanas também destrói a vida da terra, assim como a poluição e as máquinas pesadas. Uma ameaça já antiga, como a chuva ácida, continua afetando a vida subterrânea, pois deixa o solo mais ácido.

O problema é global. Em quase metade da África, por exemplo, o uso intensivo para lavouras e pastagens destruiu a camada superior do solo e causou desertificação.

O aquecimento global irá contribuir para as ameaças à biodiversidade do solo. A segurança alimentar é uma grande preocupação. O que irá acontecer com as lavouras à medida que o planeta se aquecer? Ligeiras alterações de temperatura e umidade podem ter impactos profundos, mudando a composição da vida no solo e os tipos de plantas que poderão crescer.

Algumas plantas devem gradualmente migrar para climas mais frios, mas outras podem não ser capazes de se adaptar em novos solos. "O mundo acima do chão e o mundo abaixo dele estão muito estreitamente ligados", disse Wall.

Os cientistas também estão descobrindo que um ecossistema saudável no solo pode ajudar a sustentar as plantas naturalmente, sem insumos químicos. "Quanto maior é a diversidade do solo, menos doenças surgem nas plantas", disse Eric Nelson, que estuda a ecologia do solo e das doenças na Universidade Cornell, no Estado de Nova York. Os insetos também são refreados por plantas que crescem em terra saudável, segundo ele.

O que agricultores e jardineiros podem fazer para proteger seus solos? Wall sugere não lavrar a terra, deixando que a vegetação morta se decomponha, em vez de revolver o solo com o arado a cada ano. Evitar produtos químicos sintéticos é importante. Agregar adubo, especialmente adubo de minhoca, pode contribuir para fortalecer os ecossistemas da terra.

O tema está começando a atrair a atenção merecida. Wall acaba de receber o Prêmio Tyler de Realização Ambiental, com uma dotação de US$ 200 mil, que ela diz pretender usar em pesquisas. "É a hora do show para a biodiversidade do solo", disse ela.
Folha de S. Paulo
Aquecimento global vai intensificar turbulência em voos

GIULIANA MIRANDA
SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO


Apertem os cintos: o aquecimento global deve dobrar a ocorrência de turbulência de céu claro nas viagens aéreas.

Além de mais frequentes, esses sacolejos causados por variação de velocidade de correntes de ar --menos comuns do que a turbulência ligada a tempestades-- devem ficar mais intensos até a metade deste século.

Um trabalho, publicado na revista "Nature Climate Change", usou um supercomputador para simular a ocorrência de eventos atmosféricos em diferentes cenários climáticos e, assim, estimar o impacto das temperaturas elevadas sobre as turbulências.

O grupo identificou que o incremento na frequência pode ficar entre 40% e 170%. Mas o cenário mais provável é que a quantidade de tremores aéreos dobre até a metade deste século --quando, de acordo com projeções, a temperatura terá se elevado em até 2º C e a concentração de CO2 na atmosfera será duas vezes maior do que a do período pré-industrial.

"As variações de temperatura causadas pelo CO2 estão aumentando a velocidade das correntes de ar atmosférico", explica o climatologista Paul Williams, principal autor do trabalho. "As mudanças climáticas estão acelerando as correntes de ar e levando a mais instabilidade nos voos."

O trabalho se concentrou na região do Atlântico Norte, mas seus resultados podem valer para outras partes do globo, apesar de haver ainda muitas incertezas.

"O trabalho tem o mérito de chamar a atenção para os efeitos das mudanças climáticas nas turbulências, que não têm sido muito estudados pelos climatologistas", diz José Marengo, climatologista do Inpe membro do IPCC (painel de mudanças climáticas da ONU).

O tipo de tremor no qual o trabalho se concentrou --as turbulências de céu claro-- é o mais problemático para as companhias aéreas.

"Elas são invisíveis para pilotos e satélites e se intensificam no inverno", explica Manoj Joshi, professor da Universidade de East Anglia e autor do trabalho.

O sacolejo aéreo danifica as aeronaves, atrasa voos, aumenta os custos de manutenção e pode ferir a tripulação e os viajantes. A pesquisa estima o custo anual disso em US$ 150 milhões (cerca de R$ 300 milhões).

A boa notícia é que, nas próximas décadas, muita coisa pode evoluir na tecnologia aeroespacial. "Até a metade do século já será possível detectar esse tipo de turbulência [de céu claro]", conta Ronaldo Jenkins, coordenador da comissão de segurança de voo do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias.
Editoria de Arte/Folhapress 



Folha de S. Paulo
SALVADOR NOGUEIRA

Quem pensa que o Sistema Solar é interessante por ter um planeta habitável vai pirar com o que há ao redor da estrela Kepler-62. Lá, nada menos que dois mundos --possivelmente rochosos-- ocupam órbitas na região mais favorável ao surgimento da vida.

É a conclusão eletrizante a que chega um estudo produzido pela equipe do satélite Kepler, caçador de planetas da Nasa, e recém-publicado na revista científica americana "Science".

Os pesquisadores liderados por William Borucki identificaram um total de cinco planetas girando ao redor da estrela, uma anã laranja com 63% do diâmetro do Sol.

Todos eles são relativamente nanicos --quatro entram na categoria das superterras (com diâmetro até duas vezes o terrestre) e um é do tamanho de Marte, ou seja, menor que a Terra.

Os três mais internos são quentes demais para abrigar vida. Já os dois mais externos, Kepler-62e e Kepler-62f, têm suas órbitas na chamada zona habitável do sistema --região em que, numa atmosfera similar à da Terra, um planeta pode abrigar água líquida em sua superfície.

NASA/Ames/JPL-Caltech 
Concepção artística do planeta Kepler 62f, o menor em zona habitável já achado fora do Sistema Solar

APARÊNCIAS ENGANAM

A questão é: esses planetas são parecidos com a Terra? Constatar isso é um dos maiores desafios da astronomia, uma vez que as superterras não têm equivalente no Sistema Solar.
Por aqui, há, nas órbitas mais distantes, planetas gigantes gasosos (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno), e nas mais próximas do Sol os pequeninos mundos rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte), dos quais o nosso planeta é o maior deles.

As superterras, em termos de tamanho, estão no meio do caminho entre essas duas categorias. Mas ninguém sabe com certeza se elas são rochosos grandalhões ou gasosos murchos.

E isso tende a fazer toda a diferença do mundo para a busca por vida.

Uma forma de resolver a questão é determinar, ao mesmo tempo, o diâmetro do planeta e sua massa. Assim, dividindo a massa pelo volume, obtemos a densidade. Com ela, dá para saber se o planeta é rochoso ou gasoso.

A técnica usada pelo satélite Kepler para detectar planetas (medir pequenas reduções de brilho nas estrelas conforme os mundos ao seu redor passam à frente dela, como minieclipses) é boa para medir o diâmetro.

Contudo, para estimar a massa com segurança, a melhor técnica é a usada pelos observatórios em terra, que mede o "bamboleio" gravitacional da estrela conforme os planetas giram ao seu redor.

Infelizmente, no caso do Kepler-62, os planetas são pequenos demais e a estrela é muito ativa para permitir o uso dessa estratégia para confirmar a massa desses mundos com o nível de precisão dos instrumentos atuais.

CASOS SIMILARES

Embora a composição desses mundos ainda seja desconhecida, os pesquisadores citam outros planetas com diâmetro similar que tiveram sua densidade medida (três casos no total) para argumentar que Kepler-62e e Kepler-62f provavelmente sejam rochosos como a Terra.

Uma modelagem em computador feita por um outro grupo liderado por Lisa Kaltenegger, do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica, nos EUA, sugere que os dois planetas devem ter oceanos globais cobrindo totalmente sua superfície --planetas-água, por assim dizer. Mas isso pressupõe que os cientistas acertaram as quantidades dos ingredientes usados para formar os planetas, o que não é de modo algum certo.

Pelo menos, esses dois mundos não têm um problema que outros planetas detectados na zona habitável de suas estrelas possuem: o "travamento gravitacional".

Reuters 
Concepção artística compara o tamanho dos exoplanetas, Kepler-22b, Kepler-69c, Kepler-62e, Kepler 62f, respectivamente, com a Terra.

Esse fenômeno acontece quando a mesma face do planeta fica o tempo todo voltada para a estrela. Mais comumente observado no sistema Terra-Lua, em que o satélite exibe sempre a mesma face para o planeta, casos como esse se apresentam naqueles mundos que orbitam muito próximos do astro principal. Mas não é o caso aqui.

"Exceto pelo planeta mais interno --Kepler-62b--, todos os planetas têm períodos orbitais tão grandes que é extremamente improvável que eles estejam travados", disse à Folha Borucki, antes de apresentar os resultados em uma entrevista coletiva organizada pela Nasa nesta quinta.

Em suma, esses dois mundos sobem direto para o topo da lista de potenciais planetas com vida, embora rigorosamente nada se possa dizer a esse respeito, exceto que, em teoria, eles podem abrigar água líquida na superfície.

Por isso, apesar do entusiasmo, os cientistas são muito cautelosos no parágrafo final de seu artigo científico: "Não sabemos se Kepler-62e e -62f têm uma composição rochosa, uma atmosfera ou água. Até que consigamos detectar espectros adequados de suas atmosferas não poderemos determinar se eles são de fato habitáveis."

Ainda assim, é impossível não se empolgar com a possibilidade.
Folha de S. Paulo
Capa de gelo perto das montanhas Gamburtsev, na Antártida

Constatamos que, há 600 anos, havia condições mais frias na península antártica e uma menor quantidade de gelo derretido", disse Nerilie Abram, líder do trabalho e pesquisadora do British Antarctic Survey de Cambridge, no Reino Unido.

Naquela época, as temperaturas eram aproximadamente 1,6 grau Celsius menor que as registradas no fim do século 20, e a proporção de neve que derretia a cada ano e depois voltava a congelar era de 0,5%, segundo Abram.

"Hoje, a quantidade de neve que derrete a cada ano é dez vezes maior."

Apesar do aumento regular das temperaturas que ocorre há centenas de anos, o degelo se intensificou a partir da metade do século 20, afirma o novo estudo.

Isso significa que o aquecimento na Antártida alcançou um nível em que até leves aumentos de temperatura podem provocar uma forte aceleração do degelo.
Folha de S. Paulo
Em busca do milagre energético



A Lockheed Martin tem um plano para transformar o sistema energético mundial: um tipo viável de fusão nuclear. Bill Gates e outro veterano da Microsoft, Nathan Myhrvold, já despejaram milhões de dólares em um reator de fissão que poderia funcionar à base de resíduos nucleares. A China aproveitou uma pesquisa descartada nos EUA para tentar desenvolver um reator mais seguro, baseado num elemento abundante chamado tório.

Muita gente inteligente está chegando à conclusão de que o problema energético será o maior desafio do século 21. Temos de fornecer energia e transporte a uma população que chegará a 10 bilhões de indivíduos, mas também precisamos limitar as emissões de dióxido de carbono (CO2) que ameaçam nosso futuro.

Muitos ambientalistas creem que as energias eólica e solar poderão ser ampliadas para atender à crescente demanda. Mas diversos analistas afirmam que as energias renováveis não poderão nos levar nem até a metade desse caminho.

Jovens brilhantes estão trabalhando para melhorar o armazenamento de eletricidade. Também já começaram a ser desenvolvidas tecnologias futuristas que possam retirar o CO2 da atmosfera de forma barata.

Mas, diante da premente necessidade de milhares de usinas geradoras de energia que funcionem noite e dia sem emitir CO2, muitos tecnólogos continuam revisitando as possibilidades de aperfeiçoamento da energia nuclear.

"Precisamos de milagres energéticos", declarou Gates três anos atrás, ao lançar sua iniciativa. Gates e Myhrvold planejam construir o chamado "reator de onda viajante". Em princípio, ele poderia operar de forma segura por meio século (ou mais) sem ser reabastecido e seria alimentado com resíduos perigosos das atuais usinas.

Esse método, como os dos reatores existentes, baseia-se na fissão, ou seja, na quebra de átomos pesados, usando a energia resultante para acionar turbinas elétricas.

A abordagem da Lockheed Martin envolve a fusão de variantes do hidrogênio em elementos mais pesados, uma reação semelhante àquela que mantém o Sol "aceso".

Em discurso neste ano, um dos líderes desse programa, Charles Chase, sugeriu que a meta é desenvolver reatores de fusão pequenos e modulares que possam ser montados em fábricas.

Entre as novas abordagens nucleares, os reatores de fissão à base de tório oferecem vantagens em termos de segurança. Os conceitos básicos foram provados em pesquisas da década de 1960 nos EUA, mas a ideia acabou abandonada.

Um engenheiro do Alabama, Kirk Sorensen, ajudou a resgatar esse trabalho e fundou uma empresa, a Flibe Energy, para levar isso adiante. Mas a China está à frente dos EUA nesse campo, com centenas de engenheiros desenvolvendo reatores de tório.

"Eles estão dando voltas na pista, e nós nem decidimos se vamos amarrar nosso tênis", afirmou Sorensen.

No entanto, mesmo que essas tecnologias funcionem, é possível que elas só sejam amplamente instaladas nas décadas de 2030 e 2040. Os climatologistas nos dizem que seria tolice esperar tanto tempo para começar a confrontar o problema das emissões.

As duas abordagens para a questão -gastar dinheiro na tecnologia atual ou investir em avanços futuros- são às vezes apresentadas como conflitantes. Mas os especialistas mais inteligentes dizem que temos de perseguir ambas, agressivamente.

Uma política climática ambiciosa por parte dos EUA, ancorada por um preço elevado sobre as emissões de CO2, atenderia simultaneamente aos dois objetivos, acelerando a tendência de substituição das usinas termoelétricas a carvão por usinas a gás natural e direcionando investimentos para as atuais tecnologias de baixa emissão de carbono, como a eólica e a solar.

Também haveria maior recompensa econômica para o desenvolvimento de novas tecnologias -reatores nucleares de nova geração, células solares melhoradas ou alguma coisa inteiramente imprevista.

Na prática, a política dos EUA é esperar por milagres energéticos, sem muito esforço para que eles aconteçam. Mas, certamente, nos sentiríamos bem melhor em relação ao futuro se o pleno poder criativo do capitalismo americano fosse liberado para o problema climático.
Folha de S. Paulo
A região do Alto Tapajós se prepara para receber um megaprojeto de geração de energia do governo federal. A esperança por empregos e desenvolvimento local divide opiniões com os temores pelos impactos sociais e ambientais


Ricardo Carvalho


O Hotel Plaza fica em um edifício de dois pavimentos cujas paredes externas são de um tom branco, com detalhes em vermelho. Conta com algo em torno de 20 quartos, sem luxo, mas todos bastante aconchegantes. Por quase duas décadas, Hildomar Moraes, o recepcionista considerado pelos demais funcionários o mais próximo da função de gerente, acostumou-se com poucos hóspedes, sempre numa ocupação média anual na casa dos 50%, na maioria garimpeiros. Há dois anos, entretanto, os corredores da hospedaria, localizada a poucos metros do rio Tapajós, na cidade paraense de Itaituba, passaram a respirar ares mais agitados.

Pesquisadores, geólogos, engenheiros e técnicos ambientais tornaram-se personagens corriqueiros no hotelzinho; também surgiram por ali empresários e representantes comerciais interessados em abrir novos estabelecimentos no município de 97 mil habitantes. Para a alegria de Hildomar, atualmente os índices de ocupação superam os 70%.

O repentino interesse por Itaituba não é para menos. A região espera, com indisfarçável ansiedade, a chegada de empreendimentos milionários, que se avizinham com a promessa de um bilhete de primeira classe no trem do desenvolvimento nacional. Por exemplo: o lado oposto do rio Tapajós, no distrito de Miritituba, deve receber, nos próximos anos, um conjunto de portos para escoar a produção de soja e milho do norte do Mato Grosso. De lá, os grãos seguirão em barcaças diretamente para o porto de Santana, no Amapá, de onde serão embarcados ao exterior, sobretudo à China. Além do mais, para que as carretas vindas do Mato Grosso cheguem aos futuros portos, cerca de 350 quilômetros da BR-163, a Santarém-Cuiabá, estão sendo asfaltados. Mas nada disso se compara às dimensões dos planos do setor energético para a região, uma vez que o rio Tapajós é tido como a grande aposta entre as bacias da Amazônia candidatas a geradoras de energia hidrelétrica para o país.

O complexo hidrelétrico do Tapajó pretende aproveitar o potencial de quedas d’água dessa bacia hidrográfica por meio da construção de cinco usinas – duas no rio Tapajós e três no Jamanxim (veja mapa ao lado). De acordo com a Eletrobrás, empresa do governo federal responsável pela atual etapa do projeto, o complexo terá potência geradora de mais de 12 mil megawatts (MW), o equivalente ao consumo mensal de duas cidades de São Paulo ou três do Rio de Janeiro.


Itaituba, no alto Tapajós, está no epicentro de uma guinada energética na região Norte. A dúvida é se a precária infraestrutura da cidade suportará a chegada de milhares de “barrageiros”

Cinco usinas à vista

Diante disso, não é de se estranhar que Itaituba, cuja sobrevivência econômica depende quase que exclusivamente da garimpagem, veja o complexo hidrelétrico como uma oportunidade de ouro. O próprio recepcionista do Plaza, a exemplo de todos que têm algum capital, já comprou um pequeno lote de terra na esperança de erguer uma casa para vendê-la quando as obras estiverem a todo vapor. Com a especulação imobiliária, o preço da terra disparou e o comércio espera impaciente a chegada de milhares de “barrageiros” – como são chamados os trabalhadores necessários para a construção da barragem da usina e de sua infraestrutura. 

Apesar da euforia, não faltam vozes a argumentar que o preço a ser pago excederá os benefícios da criação de postos de trabalho ou royalties para a cidade. É o caso de Jesielita Roma Gouveia, a Lita, coordenadora do Fórum dos Movimentos Sociais da BR-163, organização que reúne mais de uma centena de entidades de Itaituba e região. Lita teme que aconteça em Itaituba o que hoje se vê em Altamira, cidade-sede da construção da hidrelétrica de Belo Monte, a maior obra em andamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

Altamira, também no Pará, viu sua população saltar de 100 mil habitantes, em 2010, para quase 150 mil, em 2012, consequência do início da construção da barragem. Carências sociais crônicas, como falta de escolas, de hospitais e de saneamento básico, se agravaram. Além do mais, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, calcula que a violência contra crianças e adolescentes em Altamira cresceu mais de 200%. “São chagas que nós já vivemos, na época do ouro, e estamos há anos tentando cicatrizar. Com a chegada das usinas, tudo indica que teremos de conviver com elas mais uma vez”, lamenta Lita. 

A era da febre do ouro citada por Lita, ocorrida entre 1970 e o início dos anos 1990, não foi nada mais do que isso mesmo: uma febre. Por anos, Itaituba ardeu num delírio de riqueza graças ao minério que por pouco não brotava do solo em plena selva. Por mês, numa estimativa do presidente da Associação dos Mineradores do Ouro de Itaituba (Amot), José Antunes, os garimpos prospectavam até duas toneladas de ouro – estimativa certamente subestimada por tratar-se de um setor com forte informalidade. 


A era do metal precioso

Antes dos “anos dourados”, Itaituba não alcançava os 20 mil habitantes, enquanto que, no pico da febre, já viveram por ali quase 200 mil pessoas, entre fixos e flutuantes. E a fatura mais amarga do inchaço desordenado foi justamente a violência, nos garimpos ou em conflitos fundiários. “Ainda mantemos o estigma de uma cidade violenta, apesar de as mortes terem diminuído bastante nos últimos anos [a taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu de 51, em 1992, para 25,8, em 2010, segundo o Mapa da Violência]. O medo é que tudo isso se repita”, conclui Lita.

O caos social causado pelo ouro foi suficientemente traumático para que até mesmo os setores mais entusiastas da construção do complexo hidrelétrico recomendem cautela. Davi Menezes, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Itaituba, por exemplo, tem motivos de sobra para comemorar os planos do governo para o Tapajós. Além do aumento expressivo no comércio local que se prevê, Menezes confessa já estar se aventurando no setor imobiliário. “Um terreno que há um ano valia R$ 5 mil, o proprietário pode, tranquilamente, vender por R$ 30 mil hoje”, assegura. Mesmo assim, ele diz que caso não sejam realizados investimentos urbanos para receber o contingente populacional que acompanhará as usinas, tudo indica que Itaituba padecerá dos mesmos males vividos por Altamira. “A diferença é que nós, enquanto sociedade civil organizada, não vamos lutar contra a construção das hidrelétricas, pois sabemos que elas virão, queiramos ou não. O que faremos é exigir da Eletrobrás e do consórcio construtor garantias que diminuam os impactos sociais”, argumenta. 

Em Altamira, segundo o procurador da República Cláudio Terre do Amaral, a licença de instalação foi emitida em meados de 2011, sem que a Norte Energia, concessionária vencedora do leilão, levasse adiante as chamadas medidas antecipatórias, que incluíam a criação de leitos hospitalares, moradias e a construção de escolas. Com isso, afirma Amaral, a saúde pública em Altamira se encontra em situação caótica, razão pela qual a procuradoria entrou com uma Ação Civil Pública para que estado e União tomem providências contra o abandono do hospital da cidade, que sofre com superlotação e falta de equipamentos. “É um hospital que já não tinha condições de atender adequadamente a antiga população de Altamira. Imagine isso no auge das obras, quando podem chegar aqui até 100 mil pessoas?” Para o procurador, o desastre social gerado com a chegada de um megaprojeto tal qual Belo Monte é algo que se repete a cada empreendimento hidrelétrico realizado na região. 

O aproveitamento do potencial hidrelétrico da Amazônia é uma discussão antiga e que costuma desembocar num debate acalorado entre dois polos. De um lado, aqueles que ressaltam a necessidade imediata de o país ampliar a geração de energia – fato considerado incontestável por especialistas em política energética. Do outro, um grupo que reclama da falta de planejamento que poderia evitar danos sociais e minimizar os prejuízos ambientais infligidos numa região tão complexa quanto a amazônica.



Canteiro de obras de Belo Monte: chegada de operários trouxe problemas sociais para a cidade mais próxima, Altamira

Demanda por energia

Num cenário de polarização, haveria espaço para o diálogo? De acordo com Demóstenes Barbosa da Silva, pesquisador da empresa Base Energia Sustentável e pós-doutorando do Instituto de Eletrônica e Energia (IEE), da Universidade de São Paulo (USP), sim Em primeiro lugar, segundo o pesquisador, é fundamental destacar que o Brasil vai precisar gerar muita energia a médio e longo prazo. Isso porque, historicamente, a demanda por eletricidade sempre avançou em até um ponto percentual acima da variação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, comenta Barbosa. O crescimento de renda da população na última década, em especial da classe C, pressionou ainda mais a relação produção versus demanda de energia. “É fato que vamos necessitar dessa energia. Mas é preciso também estabelecer qual o limite, em termos de interferência no bioma amazônico, que podemos chegar”, defende Barbosa.

O pesquisador sugere que a expansão da produção de energia na Amazônia seja pensada no contexto de uma política de longo prazo, que analise o bioma como um todo. “O governo poderia optar por deixar algumas bacias preservadas. Se vai mexer no rio Xingu, seria interessante manter o Tapajós intacto, até como uma forma de equilíbrio.” Também é crucial, para o pesquisador, que o país invista em pesquisa de outras fontes renováveis. 

Professora de pós-graduação do IEE-USP, Virgínia Parente explica que, pelo menos por ora, não há alternativa possível à hidreletricidade para a crescente sede por energia do país. As demais fontes renováveis, como a energia solar ou eólica, têm ainda um papel tímido demais para oferecer megawatts em escala que acompanhe a atual demanda. A energia eólica, por exemplo, representa só 0,4% da oferta interna de energia, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), além de custar 20% a 30% mais. “Isso não significa que energias como a eólica ou a solar não são importantes. São fontes que devem ser incentivadas em qualquer planejamento energético, justamente para que se tornem viáveis economicamente e assumam um peso cada vez maior na oferta de energia do Brasil.”

Assim como são indispensáveis os investimentos para aliviar a pressão sobre a equação produção versus demanda energética, é impossível desconsiderar as interferências que os megaprojetos hidrelétricos causam no ecossistema amazônico. Especificamente no rio Tapajós, os principais temores em relação ao impacto ambiental dizem respeito à perda da biodiversidade, principalmente a dos peixes. Por abrigar uma grande variedade de espécies migradoras, a existência de barragens ao longo do curso d’água do Tapajós significaria impor barreiras físicas à piracema, período no qual esses animais se deslocam da foz às cabeceiras do rio para a reprodução. “A existência de um grande número de reservatórios fragmentará demais a bacia e causará o desaparecimento, ou pelo menos uma expressiva diminuição, dos peixes migradores”, adverte Pedro Bara Neto, da ONG internacional WWF. 



As pequenas comunidades ribeirinhas se dividem entre aqueles ansiosos pelo trabalho nas obras e os que temem o sumiço dos peixes

Um canal para os peixes

A Eletrobrás, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o projeto da bacia do Tapajós engloba a construção de canais de piracema, desvios artificiais que contornariam a barragem até o lago e permitiriam a continuidade do fluxo migratório. 

A construção de um canal de piracema é encarada com bastante ceticismo por Lúcia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia (PNA). O parque, hoje com um milhão de hectares, é uma unidade de conservação estabelecida ainda na década de 1970 com o intuito de compensar o estrago ambiental gerado pela abertura da rodovia Transamazônica, a BR-230. O PNA, que provavelmente terá seu espaço de uso público inundado pelo complexo, faz parte de um amplo mosaico de áreas de proteção ambiental cuja função é servir de barreira ao desmatamento que avança do leste do Pará, do Mato Grosso e de Rondônia “Pode até ser que alguns peixes consigam subir pelo canal. De qualquer forma, os migradores não vão sobreviver na represa, porque são espécies que precisam de corredeiras e de água com níveis altos de oxigenação.” Os migradores também podem sofrer com o aumento da acidez da água, consequência do apodrecimento da vegetação que será submersa pela represa, avisa a chefe do PNA. A diminuição de peixes poderá alterar o equilíbrio da cadeia alimentar e a própria dinâmica da vida no Tapajós, principalmente pela redução do número de jacarés, de lontras e pelo sumiço de tabuleiros de desova de tartaruga. 

A Eletrobrás informou que o impacto ambiental a ser gerado na região é objeto dos estudos de viabilidade. Uma vez concluídos, eles serão enviados à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A partir daí, agência e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exigirão condicionantes para liberar a realização do leilão, que definirá o consórcio responsável por erguer as barragens. Esse processo dura, em média, dois anos.

Além de um possível problema ambiental, a redução do número de peixes, especialmente os migradores, maiores e mais comerciais em relação aos demais, pode representar um duro golpe econômico para as comunidades ribeirinhas do Tapajós. Todas elas têm na pesca um meio de subsistência. “Será que ainda teremos a piracema, com esses peixes de 20 quilos?”, questiona-se Maria do Socorro Amorim, membro de um pequeno grupo da vila conhecida por São Luiz do Tapajós que se opõe à ideia de ter uma barragem literalmente ao lado de casa. 



Marinildo não quer saber de emprego temporário e diz que “o rio é seu freezer”

“Meu freezer é o Tapajós”

Tendo como referência o local da futura hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, uma das cinco que formam o complexo, a comunidade ribeirinha de mesmo nome está localizada à jusante do rio e não deve ser alagada. A maioria dos moradores, ao contrário de Maria do Socorro, empolga-se ao vislumbrar no horizonte a possibilidade de um emprego nos canteiros de obra. “Queremos trabalhar e, com um salário, conseguir comprar alguma coisinha para a casa, quem sabe uma geladeira”, projeta Antônio Mário. 

A poucos quilômetros dali, entretanto, a situação é diametralmente a oposta. A razão dessa inversão é evidente. Entre os poucos quilômetros que separam as casinhas de taipa de São Luiz do Tapajós e as do vilarejo do Pimental será construída a represa da hidrelétrica, o que condena Pimental a ir para debaixo d’água. Por isso, o debate ali é mais acalorado e não faltam vozes indignadas. “Eu não quero um freezer! O meu freezer é o rio Tapajós”, ironiza Marinildo Souza Robertino, 36 anos, presidente da comunidade do Pimental, onde vivem 360 famílias. 

Quanto mais se avança rio acima, mais hostis são os ribeirinhos em relação aos planos do governo federal. Diferentemente de Pimental, onde, mesmo sofrendo uma possível inundação existe uma fatia dos moradores que se mostra esperançosa sob o argumento da geração de renda, nessas vilas não há opiniões a favor. Seus habitantes entoam um coro de rechaço unânime, talvez por viverem em grupos formados apenas por um ou dois núcleos familiares, talvez por serem indivíduos historicamente avessos a qualquer interferência do governo. “Aqui nunca veio um prefeito ou mesmo um vereador do Itaituba para dar satisfação sobre os impactos da usina. Para falar a verdade, nunca vieram aqui para nada”, revela Marialvo Paiva dos Anjos, morador da vilinha do Jatobá. Marialvo mora com mais uma dezena de pessoas, todas dependentes da pesca e da mineração. “Vão acabar com os peixes e com as ‘dragas’. Nossa única alternativa será ir para a cidade.”

As ‘dragas’ mencionadas por Marialvo são plataformas de prospecção de ouro que operam – na maioria das vezes de forma irregular, conforme reconhece um dos “gerentes” de uma embarcação visitada – em pleno rio Tapajós. Essas estruturas são equipadas com uma espécie de broca metálica que remexe o leito do rio e suga a bordo os sedimentos; os fragmentos de ouro grudam num tapete enquanto ocorre o descarte das demais substâncias. Os danos ambientais são claros: grande quantidade de óleo combustível despejada no rio e altos teores de mercúrio na água. Toda a área na qual atuam as ‘dragas’, incluindo a vila do Jatobá, deve ser inundada.

É preciso citar as ‘dragas’ para tentar compreender como o complexo hidrelétrico alterará a garimpagem, atividade danosa em termos ambientais, porém pilar econômico sobre o qual se sustenta Itaituba. Prova disso é que os donos de garimpo compõem quadros importantes do poder político local. E o melhor exemplo disso é um garimpeiro que, antes de tornar-se filho adotivo de Itaituba, era um jovem leitor de O Pasquim e crítico à abertura da Transamazônica. 

Minerador e ambientalista 

Ivo Lubrinna de Castro chegou à cidade durante a “febre do ouro” e enfiou-se no meio do mato “com apenas uma sandália gasta no pé”, conforme gosta de repetir. Afortunado, encontrou seu filão precioso, fez-se dono de garimpo, galgou a presidência da associação dos mineradores e atualmente ocupa a função de secretário do Meio Ambiente. Ele reconhece a contradição de fazer parte de um dos segmentos que mais causa danos ambientais na região e ocupar, ao mesmo tempo, a pasta que deveria protegê-lo, razão pela qual se define, com franqueza desconcertante, como “o homem errado no lugar errado”. 

Os planos de instalação das cinco usinas interferem diretamente na mineração, uma vez que 20% do minério prospectado atualmente em Itaituba provém de pontos que serão alagados, segundo estimativa de José Antunes, da Amot. Como cerca de 70% da economia municipal gira em torno das atividades de garimpo, segundo o secretário, será crucial investimentos na qualificação profissional para absorver essa mão de obra, que ficará ociosa. 

Na opinião de José Santos Nascimento Filho, do Movimento dos Atingidos por Barragens e coordenador da Organização dos Amigos do Parque Nacional da Amazônia, é improvável que essa qualificação aconteça. “As pessoas daqui serão aproveitadas para o serviço braçal de carregar cimento, coisa temporária. Os cargos melhores e de operação da usina, que são permanentes, não vão ficar para quem é da cidade”, prevê José Santos.


Praia em Alter-dochão, no baixo Tapajós: ponto turístico de um rio até agora exuberante e preservado

Aumento no desmatamento 

A acentuação de carências de infraestrutura com a chegada de megaprojetos de engenharia num município como Itaituba, o qual, ainda citando o secretário do Meio Ambiente, “não conta com um palmo sequer de rede coletora de esgoto”, é algo inevitável. 

Também é fácil encontrar quem acuse uma atuação desastrosa no quesito compensação ambiental. Pesquisador sênior do Imazon, Paulo Barreto relata que, em Rondônia, pressões políticas do governo estadual e do setor ruralista forçaram a mudança na legistação de importantes unidades de conservação federais, o que contribuiu para um aumento de mais de 100% no desmatamento na região entre 2009 e 2010. “Eram áreas que tinham sido criadas para compensar impactos ocasionados com a abertura e o asfaltamento de rodovias no estado na década de 1980. Isso fragiliza toda a ideia de políticas de diminuição dos danos ambientais.” 

Não se trata de demonizar a opção brasileira por uma matriz baseada na hidreletricidade. Longe disso: é preciso ressaltar que a escolha é considerada acertada por especialistas, principalmente quando comparada à péssima alternativa que dispomos hoje, que é das termelétricas movidas a gás natural ou óleo diesel, que são altamente poluentes e consomem um recurso não renovável. 

A grande questão é se as necessárias medidas antecipatórias sociais e de compensação ambiental serão relegadas ao segundo plano, como aconteceu com outros empreendimentos na Amazônia, ou se elas serão cumpridas conforme as promessas. Dar prioridade a essas medidas é fundamental para que se encontre um equilíbrio entre a necessidade de geração de energia renovável e limpa e a manutenção da integridade ecológica e social que a natureza e os moradores da Amazônia merecem.
Revista Horizonte Geográfico

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