Cerrado: o grande potencial agrícola do Brasil?
Cerrado: o grande potencial agrícola do Brasil?“Hoje, da porcentagem que naturalmente o Cerrado abrangia, percebemos que, pela ocupação humana, a natureza perdeu cerca de 40 a quase 50% de seu território”, constata José Felipe Ribeiro
Por: Thamiris Magalhães e Graziela Wolfart
“Existe um mito de que o Cerrado é seco. E não é verdade. O que acontece concretamente é que nós temos seis meses de época seca chuvosa. Durante esse período praticamente não cai qualquer chuva e a umidade relativa é extremamente baixa. Então, esse mito de que o Cerrado é seco acontece porque normalmente as pessoas que vêm para a região em junho acabam sofrendo com esta secura do ar. No entanto, na época chuvosa temos praticamente 1.500 mm (1,5 metros) o que é muito, só que é tudo em um período de seis meses (a época chuvosa). Depois, de maio a setembro, a chuva é praticamente zero no bioma”. A explicação é do biólogo José Felipe Ribeiro, em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line. De forma bem didática, ele descreve o bioma Cerrado em detalhes. E afirma: “por conta da distribuição de chuvas, boa pluviosidade, terrenos praticamente planos, favoráveis para a mecanização, o Cerrado tem contribuído hoje como o local onde praticamente boa parte da agricultura e pecuária nacionais está se desenvolvendo”.
José Felipe Ribeiro possui graduação em Biologia, pela Universidade Estadual de Campinas, mestrado em Ecologia, pela Universidade de Brasília, e doutorado em Ecologia, pela University of California – DAVIS. É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária atuando no momento na Embrapa Cerrados e é professor credenciado no programa de Botânica da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biodiversidade, atuando principalmente nos seguintes temas: biodiversidade, fitossociologia, florística, propagação e recuperação de ambientes ripários e de Cerrado.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No que consiste o bioma Cerrado? Quais áreas ele abrange?
José Felipe Ribeiro – O Cerrado está localizado essencialmente no Planalto Central do Brasil e é o segundo maior bioma do país em área, apenas superado pela Floresta Amazônica. Trata-se de um complexo vegetacional que possui relações ecológicas e fisionômicas com outras savanas da América tropical e de outras regiões como África, sudeste da Ásia e Austrália. O Cerrado ocupa mais de 2.000.000 km², o que representa quase 25% do território brasileiro. Ocorre em altitudes que variam de cerca de 300 metros, a exemplo da Baixada Cuiabana (MT), a mais de 1.600 metros, na Chapada dos Veadeiros (GO). No bioma, predominam os Latossolos , tanto em áreas sedimentares como em terrenos cristalinos, ocorrendo ainda solos concrecionários em grandes extensões.
O Cerrado abrange como área contínua os estados de Goiás, Tocantins e o Distrito Federal, parte dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia e São Paulo, ocorrendo também em áreas disjuntas ao norte nos estados do Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, e ao sul, em pequenas “ilhas” no Paraná. No território brasileiro, portanto, as disjunções acontecem na Floresta Amazônica, região em que a vegetação tem sido tratada por outros termos ou expressões, como “savanas amazônicas”; na Floresta Atlântica, especialmente na região sudeste, nos estados de São Paulo e Minas Gerais; na Caatinga, como manchas isoladas no Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia; e também no Pantanal, onde se mescla fisionomicamente com esse bioma. Fora do Brasil ocupa áreas na Bolívia e no Paraguai, enquanto paisagens semelhantes são encontradas no norte da América do Sul, como na Venezuela e na Guiana. Com o desenvolvimento da ocupação humana, ele vem sendo ocupado pela agricultura e pelas populações urbanas.
Cerrado além das savanas
É bom deixar claro que o Cerrado é muito mais que savanas, com árvores tortas, como as pessoas normalmente enxergam. Existe uma série de florestas secas no bioma, que possui uma vegetação que não fica na área do rio e sim entre os rios. Depois disso, tem o outro extremo, que são os campos, áreas com solo raso ou as várzeas que acontecem na forma de vegetação campestre. Então, a paisagem do Cerrado tem floresta, savana e os campos. Hoje, da porcentagem que naturalmente o Cerrado abrangia, percebemos que, pela ocupação humana, a natureza perdeu cerca de 40 a quase 50% de seu território.
IHU On-Line – Como pode ser caracterizado o clima no bioma?
José Felipe Ribeiro – O Cerrado caracteriza-se pela presença de invernos secos e verões chuvosos, um clima classificado tecnicamente como Aw de Köppen (tropical chuvoso). Possui média anual de precipitação da ordem de 1.500 mm, variando de 750 quando mais próximo da Caatinga a 2.000 mm, nas cercanias do bioma Amazônico. As chuvas são praticamente concentradas de outubro a março (estação chuvosa), e a temperatura média do mês mais frio é superior a 18°C. O contraste entre as superfícies mais baixas (inferiores a 300 metros), as longas chapadas entre 900 e 1.600 metros e a extensa distribuição em latitude, conferem ao Cerrado uma diversificação térmica bastante grande. Por outro lado, o mecanismo atmosférico geral determina uma marcha estacional de precipitação semelhante em toda a região, criando nela uma tendência de uniformidade pluviométrica: há uma estação seca e outra chuvosa bem definidas.
Mito
Existe um mito de que o Cerrado é seco. E não é verdade. O que acontece concretamente é que nós temos seis meses de época seca chuvosa. Durante esse período praticamente não cai qualquer chuva e a umidade relativa é extremamente baixa. Então, esse mito de que o Cerrado é seco acontece porque normalmente as pessoas que vêm para a região em junho acabam sofrendo com esta secura do ar, apresentando até sangramentos nasais, por exemplo. No entanto, na época chuvosa temos praticamente 1.500 mm (1,5 metros) o que é muito, só que é tudo em um período de seis meses (a época chuvosa). Depois, de maio a setembro, a chuva é praticamente zero no bioma.
IHU On-Line – Que contribuições o Cerrado oferece para a agropecuária?
José Felipe Ribeiro – Várias. Por conta da distribuição de chuvas, boa pluviosidade, terrenos praticamente planos, favoráveis para a mecanização, o Cerrado tem contribuído hoje como o local onde praticamente boa parte da agricultura e pecuária nacionais está se desenvolvendo. Destacam-se os grãos e, devido a eles, o Cerrado é frequentemente chamado de “celeiro do mundo” por algumas empresas. Mas isso, claro, tem um preço. Quando falamos em ambiente natural, temos uma troca, em que onde se planta não se pode manter vegetação nativa. Esse comportamento de ocupação humana tem causado o desaparecimento de enormes faixas do Cerrado, em função das atividades agrícolas e pecuárias. O grande desafio que temos na agricultura e na urbanização desse ambiente é entender até que ponto se pode plantar e conservar ao mesmo tempo, mas não no mesmo lugar.
IHU On-Line – O desenvolvimento econômico está mudando o bioma?
José Felipe Ribeiro – O fato de o Cerrado ter a percepção de ser o grande potencial agrícola do Brasil está mudando a paisagem. O desenvolvimento econômico tem uma matriz baseada principalmente no recurso financeiro, mas temos que perceber como a ciência pode ajudar na economia verde, onde se deve entender como se agrupa e se associa o desenvolvimento econômico com o social e ambiental. Nesse aspecto, o Brasil pode ocupar posição de destaque, por ainda ter muita área preservada. A partir dos recursos naturais disponíveis, temos que traçar estratégias de como ocupar a terra da melhor maneira possível. Existe um ganho econômico e, ao mesmo tempo em áreas próximas, podem ser conservados vários recursos naturais imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, como a água. Se não se conservam a água e o solo por um mau manejo do uso da terra, perdendo-os por erosão, por exemplo, tem-se o desenvolvimento econômico do Cerrado comprometido.
IHU On-Line – Podemos dizer que todo o Cerrado está modificado pela degradação ambiental ou ainda há alguma parte intacta?
José Felipe Ribeiro – Temos praticamente em torno de 50 a 55% do Cerrado ainda remanescente. Esse número era de 60% até 2002, mas, a partir daí, a ocupação aumentou bastante. Esses são dados do Ministério do Meio Ambiente, de um trabalho em conjunto com a Embrapa. Estão desaparecendo alguns tipos de paisagens que competem com a agricultura. O pior é que muitas vezes o que fica remanescente é aquela vegetação que naturalmente acontece em solos mais rasos em que a agricultura não é possível de ser feita por máquina, e ai não estaríamos conservando o que é típico do bioma. Essa é uma situação concreta, na qual a biodiversidade representativa de algumas paisagens do Cerrado está sendo perdida.
IHU On-Line – Que tipos de biodiversidades o bioma oferece?
José Felipe Ribeiro – Podemos falar em dois tipos de biodiversidade: a que agrega as matas ciliares, de galeria, secas, o cerradão, savana, o cerrado típico, as veredas e até os campos, que é a biodiversidade de paisagem, e que associa a diversidade vegetal e animal. Depois, temos as espécies: são mais de 12 mil espécies de plantas nesses ambientes, onde algumas delas ainda estão se desenvolvendo em lugares em que a agricultura está acontecendo. Só no Cerrado o Brasil contribui para a biodiversidade mundial com 12 mil espécies vegetais. Isso é um número incrivelmente amplo. O nosso país é uma nação de megabiodiversidade por causa dessas espécies que têm na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado.
IHU On-Line – De que maneira o Cerrado contribui com a diversidade vegetal?
José Felipe Ribeiro – Se formos observar, em termos de América do Sul, geograficamente o Cerrado é uma ligação entre a Amazônia e a Mata Atlântica e entre a Caatinga e o Pantanal. Assim, ele apresenta uma distribuição de espécies que ajudam no fluxo gênico de sementes entre todos os grandes biomas nacionais. Por isso ele é muito importante para essa diversidade natural de todos os biomas presentes em nosso país.
IHU On-Line – Como pode ser definida a atual situação dos recursos hídricos no bioma?
José Felipe Ribeiro – O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro em extensão, com cerca de 204 milhões de hectares (Embrapa Cerrados, 2004). Sua maior parte está localizada no Planalto Central que, conforme sua denominação, compreende regiões de elevadas altitudes, na porção central do país. Assim, o espaço geográfico ocupado pelo bioma desempenha papel fundamental no processo de captação e de distribuição dos recursos hídricos pelo país, sendo o local de origem das grandes bacias hidrográficas brasileiras e do continente sul-americano.
Agricultura
Além da importância em termos hidrológicos, esse ecossistema possui enorme destaque nos cenários agrícolas nacional e mundial. Com pouco mais de 30 anos de ocupação agrícola, o Cerrado já conta com 50 milhões de hectares de pastagens cultivadas; 13,5 milhões de hectares de culturas anuais e 2 milhões de hectares de culturas perenes e florestais. Apenas para citar algumas evidências da sua importância agrícola e econômica, na safra brasileira de 2002/2003, os percentuais da produção nacional, gerados em áreas de Cerrado, referentes às culturas de soja, algodão, milho, arroz e feijão foram de 58%, 76%, 27%, 18% e 17%, respectivamente. A região ainda responde por 41% dos 163 milhões de bovinos do rebanho brasileiro, sendo responsável por 55% da produção nacional de carne. A expansão agrícola do Cerrado continua. Culturas como a do girassol, a da cevada, a do trigo, a da seringueira e a dos hortifrutigranjeiros, bem como a prática da avicultura, desenvolvem-se rapidamente na região.
Agronegócio
Muito se tem falado sobre a importância do Cerrado para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro e sobre a sua condição de maior fronteira agrícola mundial. Entretanto, são poucas as oportunidades em que são considerados os aspectos ambientais e os impactos que esse desenvolvimento pode vir a gerar. Os benefícios advindos da ocupação agrícola do Cerrado são evidentes e incontestáveis, mas para que ele aconteça sob bases sustentáveis, gerando o máximo de benefícios com o mínimo de impactos, há informações que são fundamentais, porém, pouco conhecidas.
Sustentabilidade
Na verdade, nós cientistas agrícolas e ambientais devemos nos preocupar em entender qual o papel que o Cerrado pode ter em termos de Brasil e de mundo. Creio que não existem mais dúvidas de que esse bioma tem, hoje, um papel fundamental para a economia do país, principalmente pela produção de grãos e outras commodities. No entanto, devemos entender como melhorar a agricultura que podemos realizar nessa região. Temos que ter clara a ideia de que as commoditties agrícolas irão ser bem sucedidas se nós pudermos manejá-las compatibilizando com a conservação de algumas áreas dentro desse bioma. Essa atitude de conservação irá proporcionar uma agrobiodiversidade não só de espécies vegetais, mas também da fauna, e que inclui nós, da espécie humana. Na verdade, estamos falando ainda da conservação do solo e da água. Dependemos, como espécie, dessa água e desse solo para a agricultura, como qualquer outra espécie da natureza também depende. O ser humano deveria entender melhor essas regras do jogo infinito da natureza. Se nós não compatibilizarmos essas forças, iremos acabar perdendo esse jogo.
Por: Thamiris Magalhães e Graziela Wolfart
“Existe um mito de que o Cerrado é seco. E não é verdade. O que acontece concretamente é que nós temos seis meses de época seca chuvosa. Durante esse período praticamente não cai qualquer chuva e a umidade relativa é extremamente baixa. Então, esse mito de que o Cerrado é seco acontece porque normalmente as pessoas que vêm para a região em junho acabam sofrendo com esta secura do ar. No entanto, na época chuvosa temos praticamente 1.500 mm (1,5 metros) o que é muito, só que é tudo em um período de seis meses (a época chuvosa). Depois, de maio a setembro, a chuva é praticamente zero no bioma”. A explicação é do biólogo José Felipe Ribeiro, em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line. De forma bem didática, ele descreve o bioma Cerrado em detalhes. E afirma: “por conta da distribuição de chuvas, boa pluviosidade, terrenos praticamente planos, favoráveis para a mecanização, o Cerrado tem contribuído hoje como o local onde praticamente boa parte da agricultura e pecuária nacionais está se desenvolvendo”.
José Felipe Ribeiro possui graduação em Biologia, pela Universidade Estadual de Campinas, mestrado em Ecologia, pela Universidade de Brasília, e doutorado em Ecologia, pela University of California – DAVIS. É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária atuando no momento na Embrapa Cerrados e é professor credenciado no programa de Botânica da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biodiversidade, atuando principalmente nos seguintes temas: biodiversidade, fitossociologia, florística, propagação e recuperação de ambientes ripários e de Cerrado.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No que consiste o bioma Cerrado? Quais áreas ele abrange?
José Felipe Ribeiro – O Cerrado está localizado essencialmente no Planalto Central do Brasil e é o segundo maior bioma do país em área, apenas superado pela Floresta Amazônica. Trata-se de um complexo vegetacional que possui relações ecológicas e fisionômicas com outras savanas da América tropical e de outras regiões como África, sudeste da Ásia e Austrália. O Cerrado ocupa mais de 2.000.000 km², o que representa quase 25% do território brasileiro. Ocorre em altitudes que variam de cerca de 300 metros, a exemplo da Baixada Cuiabana (MT), a mais de 1.600 metros, na Chapada dos Veadeiros (GO). No bioma, predominam os Latossolos , tanto em áreas sedimentares como em terrenos cristalinos, ocorrendo ainda solos concrecionários em grandes extensões.
O Cerrado abrange como área contínua os estados de Goiás, Tocantins e o Distrito Federal, parte dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí, Rondônia e São Paulo, ocorrendo também em áreas disjuntas ao norte nos estados do Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, e ao sul, em pequenas “ilhas” no Paraná. No território brasileiro, portanto, as disjunções acontecem na Floresta Amazônica, região em que a vegetação tem sido tratada por outros termos ou expressões, como “savanas amazônicas”; na Floresta Atlântica, especialmente na região sudeste, nos estados de São Paulo e Minas Gerais; na Caatinga, como manchas isoladas no Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia; e também no Pantanal, onde se mescla fisionomicamente com esse bioma. Fora do Brasil ocupa áreas na Bolívia e no Paraguai, enquanto paisagens semelhantes são encontradas no norte da América do Sul, como na Venezuela e na Guiana. Com o desenvolvimento da ocupação humana, ele vem sendo ocupado pela agricultura e pelas populações urbanas.
Cerrado além das savanas
É bom deixar claro que o Cerrado é muito mais que savanas, com árvores tortas, como as pessoas normalmente enxergam. Existe uma série de florestas secas no bioma, que possui uma vegetação que não fica na área do rio e sim entre os rios. Depois disso, tem o outro extremo, que são os campos, áreas com solo raso ou as várzeas que acontecem na forma de vegetação campestre. Então, a paisagem do Cerrado tem floresta, savana e os campos. Hoje, da porcentagem que naturalmente o Cerrado abrangia, percebemos que, pela ocupação humana, a natureza perdeu cerca de 40 a quase 50% de seu território.
IHU On-Line – Como pode ser caracterizado o clima no bioma?
José Felipe Ribeiro – O Cerrado caracteriza-se pela presença de invernos secos e verões chuvosos, um clima classificado tecnicamente como Aw de Köppen (tropical chuvoso). Possui média anual de precipitação da ordem de 1.500 mm, variando de 750 quando mais próximo da Caatinga a 2.000 mm, nas cercanias do bioma Amazônico. As chuvas são praticamente concentradas de outubro a março (estação chuvosa), e a temperatura média do mês mais frio é superior a 18°C. O contraste entre as superfícies mais baixas (inferiores a 300 metros), as longas chapadas entre 900 e 1.600 metros e a extensa distribuição em latitude, conferem ao Cerrado uma diversificação térmica bastante grande. Por outro lado, o mecanismo atmosférico geral determina uma marcha estacional de precipitação semelhante em toda a região, criando nela uma tendência de uniformidade pluviométrica: há uma estação seca e outra chuvosa bem definidas.
Mito
Existe um mito de que o Cerrado é seco. E não é verdade. O que acontece concretamente é que nós temos seis meses de época seca chuvosa. Durante esse período praticamente não cai qualquer chuva e a umidade relativa é extremamente baixa. Então, esse mito de que o Cerrado é seco acontece porque normalmente as pessoas que vêm para a região em junho acabam sofrendo com esta secura do ar, apresentando até sangramentos nasais, por exemplo. No entanto, na época chuvosa temos praticamente 1.500 mm (1,5 metros) o que é muito, só que é tudo em um período de seis meses (a época chuvosa). Depois, de maio a setembro, a chuva é praticamente zero no bioma.
IHU On-Line – Que contribuições o Cerrado oferece para a agropecuária?
José Felipe Ribeiro – Várias. Por conta da distribuição de chuvas, boa pluviosidade, terrenos praticamente planos, favoráveis para a mecanização, o Cerrado tem contribuído hoje como o local onde praticamente boa parte da agricultura e pecuária nacionais está se desenvolvendo. Destacam-se os grãos e, devido a eles, o Cerrado é frequentemente chamado de “celeiro do mundo” por algumas empresas. Mas isso, claro, tem um preço. Quando falamos em ambiente natural, temos uma troca, em que onde se planta não se pode manter vegetação nativa. Esse comportamento de ocupação humana tem causado o desaparecimento de enormes faixas do Cerrado, em função das atividades agrícolas e pecuárias. O grande desafio que temos na agricultura e na urbanização desse ambiente é entender até que ponto se pode plantar e conservar ao mesmo tempo, mas não no mesmo lugar.
IHU On-Line – O desenvolvimento econômico está mudando o bioma?
José Felipe Ribeiro – O fato de o Cerrado ter a percepção de ser o grande potencial agrícola do Brasil está mudando a paisagem. O desenvolvimento econômico tem uma matriz baseada principalmente no recurso financeiro, mas temos que perceber como a ciência pode ajudar na economia verde, onde se deve entender como se agrupa e se associa o desenvolvimento econômico com o social e ambiental. Nesse aspecto, o Brasil pode ocupar posição de destaque, por ainda ter muita área preservada. A partir dos recursos naturais disponíveis, temos que traçar estratégias de como ocupar a terra da melhor maneira possível. Existe um ganho econômico e, ao mesmo tempo em áreas próximas, podem ser conservados vários recursos naturais imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, como a água. Se não se conservam a água e o solo por um mau manejo do uso da terra, perdendo-os por erosão, por exemplo, tem-se o desenvolvimento econômico do Cerrado comprometido.
IHU On-Line – Podemos dizer que todo o Cerrado está modificado pela degradação ambiental ou ainda há alguma parte intacta?
José Felipe Ribeiro – Temos praticamente em torno de 50 a 55% do Cerrado ainda remanescente. Esse número era de 60% até 2002, mas, a partir daí, a ocupação aumentou bastante. Esses são dados do Ministério do Meio Ambiente, de um trabalho em conjunto com a Embrapa. Estão desaparecendo alguns tipos de paisagens que competem com a agricultura. O pior é que muitas vezes o que fica remanescente é aquela vegetação que naturalmente acontece em solos mais rasos em que a agricultura não é possível de ser feita por máquina, e ai não estaríamos conservando o que é típico do bioma. Essa é uma situação concreta, na qual a biodiversidade representativa de algumas paisagens do Cerrado está sendo perdida.
IHU On-Line – Que tipos de biodiversidades o bioma oferece?
José Felipe Ribeiro – Podemos falar em dois tipos de biodiversidade: a que agrega as matas ciliares, de galeria, secas, o cerradão, savana, o cerrado típico, as veredas e até os campos, que é a biodiversidade de paisagem, e que associa a diversidade vegetal e animal. Depois, temos as espécies: são mais de 12 mil espécies de plantas nesses ambientes, onde algumas delas ainda estão se desenvolvendo em lugares em que a agricultura está acontecendo. Só no Cerrado o Brasil contribui para a biodiversidade mundial com 12 mil espécies vegetais. Isso é um número incrivelmente amplo. O nosso país é uma nação de megabiodiversidade por causa dessas espécies que têm na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado.
IHU On-Line – De que maneira o Cerrado contribui com a diversidade vegetal?
José Felipe Ribeiro – Se formos observar, em termos de América do Sul, geograficamente o Cerrado é uma ligação entre a Amazônia e a Mata Atlântica e entre a Caatinga e o Pantanal. Assim, ele apresenta uma distribuição de espécies que ajudam no fluxo gênico de sementes entre todos os grandes biomas nacionais. Por isso ele é muito importante para essa diversidade natural de todos os biomas presentes em nosso país.
IHU On-Line – Como pode ser definida a atual situação dos recursos hídricos no bioma?
José Felipe Ribeiro – O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro em extensão, com cerca de 204 milhões de hectares (Embrapa Cerrados, 2004). Sua maior parte está localizada no Planalto Central que, conforme sua denominação, compreende regiões de elevadas altitudes, na porção central do país. Assim, o espaço geográfico ocupado pelo bioma desempenha papel fundamental no processo de captação e de distribuição dos recursos hídricos pelo país, sendo o local de origem das grandes bacias hidrográficas brasileiras e do continente sul-americano.
Agricultura
Além da importância em termos hidrológicos, esse ecossistema possui enorme destaque nos cenários agrícolas nacional e mundial. Com pouco mais de 30 anos de ocupação agrícola, o Cerrado já conta com 50 milhões de hectares de pastagens cultivadas; 13,5 milhões de hectares de culturas anuais e 2 milhões de hectares de culturas perenes e florestais. Apenas para citar algumas evidências da sua importância agrícola e econômica, na safra brasileira de 2002/2003, os percentuais da produção nacional, gerados em áreas de Cerrado, referentes às culturas de soja, algodão, milho, arroz e feijão foram de 58%, 76%, 27%, 18% e 17%, respectivamente. A região ainda responde por 41% dos 163 milhões de bovinos do rebanho brasileiro, sendo responsável por 55% da produção nacional de carne. A expansão agrícola do Cerrado continua. Culturas como a do girassol, a da cevada, a do trigo, a da seringueira e a dos hortifrutigranjeiros, bem como a prática da avicultura, desenvolvem-se rapidamente na região.
Agronegócio
Muito se tem falado sobre a importância do Cerrado para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro e sobre a sua condição de maior fronteira agrícola mundial. Entretanto, são poucas as oportunidades em que são considerados os aspectos ambientais e os impactos que esse desenvolvimento pode vir a gerar. Os benefícios advindos da ocupação agrícola do Cerrado são evidentes e incontestáveis, mas para que ele aconteça sob bases sustentáveis, gerando o máximo de benefícios com o mínimo de impactos, há informações que são fundamentais, porém, pouco conhecidas.
Sustentabilidade
Na verdade, nós cientistas agrícolas e ambientais devemos nos preocupar em entender qual o papel que o Cerrado pode ter em termos de Brasil e de mundo. Creio que não existem mais dúvidas de que esse bioma tem, hoje, um papel fundamental para a economia do país, principalmente pela produção de grãos e outras commodities. No entanto, devemos entender como melhorar a agricultura que podemos realizar nessa região. Temos que ter clara a ideia de que as commoditties agrícolas irão ser bem sucedidas se nós pudermos manejá-las compatibilizando com a conservação de algumas áreas dentro desse bioma. Essa atitude de conservação irá proporcionar uma agrobiodiversidade não só de espécies vegetais, mas também da fauna, e que inclui nós, da espécie humana. Na verdade, estamos falando ainda da conservação do solo e da água. Dependemos, como espécie, dessa água e desse solo para a agricultura, como qualquer outra espécie da natureza também depende. O ser humano deveria entender melhor essas regras do jogo infinito da natureza. Se nós não compatibilizarmos essas forças, iremos acabar perdendo esse jogo.
Riqueza vegetal do Cerrado
Desmatamento no Cerrado. Infográfico AE
riqueza vegetal do cerrado é analisada por pesquisadores da usp/esalq
Em uma das riquezas biológicas brasileiras caracterizada pelo solo de savana tropical, abrigam-se plantas de aparência seca como arbustos esparsos e gramíneas. Considerada a segunda maior formação vegetal brasileira, o Cerrado vem sofrendo agressões sob constante processo de fragmentação em decorrência da crescente expansão urbana descontrolada e pela construção de hidrelétricas. Nesse sistema ambiental encontra-se o pequi (Caryocar brasiliense; Carryocaracea), variedade vegetal com alto valor econômico-social agregado e muito pouco estudada quanto às exigências nutricionais.
Embora encontre no cerrado sua principal ocupação, a espécie que tem seu uso mais expressivo na alimentação, também está presente em zonas de transição de Cerrado-Floresta Amazônica com ocorrência natural em outros estados brasileiros. Símbolo da cultura do estado de Goiás, o pequi também pode ser encontrado em toda a região do Centro-Oeste e nos estados de Rondônia, Minas Gerais, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Ceará e nos cerrados de São Paulo e Paraná. O óleo extraído do pequiseiro é rico em vitaminas A, B e C, com altas concentrações de ácido palmítico, oléico e linolêico, fator que demonstra crescente interesse nas indústrias de alimentos, fármacos, cosméticos e na produção de biodiesel.
Devido aos produtos e subprodutos derivados da espécie e da premente necessidade de obter informações detalhadas e confiáveis sobre a composição química do pequi, pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP) desenvolvem a pesquisa “Análise por ativação neutrônica para estudo de elementos essenciais presentes na polpa do pequi (Caryocar brasiliense Camb.)”, com o objetivo de estabelecer um padrão da distribuição dos indivíduos adultos de C. brasiliense Camb. do Cerrado de Janpovar (MG) com base nos elementos presentes na polpa dos frutos. “Os elementos obtidos por técnicas convencionais são conflitantes para alguns elementos como Fé, K e P”, comenta o biólogo e autor desse projeto de pós-doutorado, Vanderlei Antonio Stefanuto. “O conhecimento sobre os tratos culturais do pequizeiro quanto às exigências nutricionais para fins de conservação e manejo in vivo e in vitro torna-se possível à partir do momento em que se conhece as exigências nutricionais da espécie”, continua o pesquisador.
O projeto financiado pelo CNPq vem sendo desenvolvido no Laboratório de Radioisótopos do CENA, com supervisão da professora Elisabete de Nadai Fernandes e colaboração da estagiária Mariana Bossi Esteves, aluna do curso de Biologia da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Dessa forma, para atender aos diversos planos e uso da espécie, realizou-se a análise da polpa de 8 frutos coletados de 20 indivíduos em Janpovar (MG). As análises feitas para encontrar elementos essenciais e tóxicos químicos presentes no sistema solo/folha/fruto do pequiseiro por meio de ativação neutrônica, também servirão para comparar a espécie encontrada no Estado de São Paulo, em Tirapina, com a do Norte de Minas, em Janpovar, pois embora sendo da mesma natureza, apresentam diferenças em relação aos seus tamanhos e à cultura de absorção do fruto. Em Minas Gerais, por exemplo, tanto a madeira quanto o fruto são totalmente aproveitados, já que trata-se de uma árvore de múltiplos usos.
O desenvolvimento da pesquisa servirá de base para compreensão de assimilação de nutrientes na polpa do fruto do pequizeiro. Os resultados já obtidos na pesquisa são similares aos encontrados por outros autores em relação ao nível de Ca, Fé, Mn e N”, destaca Stefanuto. “Porém, para garantir uma melhor abrangência das exigências nutricionais da espécie, outros compartimentos (folhas, casca e endocarpo espinhoso), bem como do solo adjacente à projeção da coroa das plantas matrizes encontram-se em processamento, pois ao final da pesquisa pretende-se quantificar os elementos químicos que vão migrando de um lugar para outro”, conclui Stefanuto.
A árvore
O pequizeiro adulto “Caryocar brasiliense” é uma árvore frondosa, de grande porte, de até 10 metros de altura com tronco tortuoso de casca áspera e rugosa. As folhas pilosas são formadas por 3 folíolos com as bordas recortadas. Suas flores grandes amarelas surgem durante os meses de setembro a dezembro.
O fruto na alimentação
Com formato similar ao da maçã, é considerado como principal ingrediente em vários pratos típicos goianos e nordestinos. Conhecido como “ouro do cerrado”, tem sabor e aroma peculiares. Possui casca dura e grossa com pequenos espinhos salientes e sua polpa amarela ou esbranquiçada é rica em proteínas e vitaminas. As sementes, de uma a quatro em cada fruto, também são comestíveis e produzem um óleo branco que é utilizado nas medicinas humana e veterinária e, ainda, na fabricação de perfumes. Com seu sabor adocicado, pode ser apreciado em variadas formas: cru, cozido com água e sal, misturada com farinha, no arroz, no feijão, no frango, com macarrão, com peixe, com carnes, no leite, na forma de um dos mais apreciados licores de Goiás, além de uma boa variedade de doces e sorvetes aromatizados com seu sabor.
Reportagem de Alicia Nascimento Aguiar, USP/ESALQ
Revista EcoDebate
domingo, 1 de março de 2009
Do ouro à soja: riquezas do Brasil Central
Por Rodrigo Cunha
A região do Cerrado brasileiro, localizada na porção central do país, teve uma participação preponderante no desenvolvimento do agronegócio brasileiro nos últimos quarenta anos. Um dos carros-chefe desse grande impulso tem sido a soja, cujo maior produtor individual do mundo é o Grupo Maggi, da família do governador de Mato Grosso. Desde as primeiras descobertas de ouro no Brasil Central, no período colonial, a região nunca esteve tão próxima de um protagonismo mais vigoroso na economia do país. Mas os desafios para o futuro não são poucos: o capital agropecuário, por si só, ainda não foi suficiente para alavancar uma industrialização mais robusta e diversificada; as terras e riquezas nelas produzidas sempre foram muito concentradas; e o bioma do Cerrado tem sofrido uma retração cada vez mais preocupante. Quando já tiver passado o tormento da atual crise financeira mundial, no entanto, a região central do país tem a faca e o queijo nas mãos: infra-estrutura e demanda interna propícias para a industrialização, por um lado; e por outro, vê ganhar força o manejo de produtos como o pequi e a castanha-do-cerrado para geração de renda entre assentados rurais aliada à preservação do bioma.
A migração para o interior do país, hoje mais intensa, começou a dar os seus primeiros passos com os bandeirantes paulistas, já no século XVI. Esse movimento foi estimulado pela coroa portuguesa para fixar seus limites geográficos em relação aos domínios espanhóis no continente. Mas foi apenas em 1719 que a expedição comandada por Pascoal Moreira Cabral encontrou ouro em Mato Grosso. Três anos depois, foi a vez de Bartolomeu Bueno da Silva Filho retomar o caminho já desbravado por seu pai, o Anhanguera, e encontrar ouro em Goiás. Com a exploração do ouro, começam a se formar as primeiras vilas e povoados não indígenas no centro do país. Até 1748, quando foi criada a capitania de Mato Grosso, as minas de lá eram subordinadas à capitania de São Paulo. Já a capitania de Goiás foi criada em 1744, mas só se instalou em 1749. “Em função da descoberta e da exploração do ouro, estabeleceram-se dois caminhos entre essas minas e São Paulo. Um, por barco: pelos rios Tietê, Paraná e Paraguai. Outro, por terra, passando pelo triângulo mineiro, Vila Boa de Goiás (atual Goiás Velho, primeira capital goiana) e de lá até Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá (atual Cuiabá)”, conta o geógrafo Bernando Campolina Diniz, da Universidade Federal de Tocantins, que estudou a economia do Cerrado em seu doutorado.
Segundo ele, o apogeu da exploração do ouro foi logo após a criação das capitanias, entre 1750 e 1754, quando foram extraídos 35 mil quilos de ouro em Goiás e Mato Grosso, cerca de 7 mil quilos por ano. Juntas, essas capitanias não conseguiam alcançar a produção já enfraquecida de Minas Gerais, de 8.789 quilos por ano, e também começaram a entrar em declínio. As economias da região começam a migrar gradativamente para a pecuária, já expressiva na porção mineira do Cerrado, entre Uberaba e Uberlândia, e para a agricultura, nas poucas regiões férteis do bioma. A abertura para navegação do rio Araguaia, no século XIX, gera novas possibilidades de ligação comercial, unindo Goiás e Mato Grosso ao Norte do país, ampliadas ainda mais a partir da ligação por estrada de ferro entre São Paulo e Campo Grande, em 1911, e Minas e Goiás, em 1913. A população e a economia no Brasil Central, no entanto, ainda cresciam lentamente. “Embora a região dos cerrados tenha sido objeto de variados esforços de ocupação ao longo da história, ela se manteve relativamente vazia, dos pontos de vista econômico e populacional, até meados do século XX”, afirma Diniz.
Dois grandes fatores foram cruciais para acelerar esse processo, de acordo com o geógrafo. O primeiro, uma idéia antiga, de José Bonifácio, do período do Império, prevista no texto da primeira constituição republicana do país, de 1891: a transferência da capital para o Planalto Central. Concretizada no governo de Juscelino Kubitcsheck, em 1960, Brasília proporcionou a ligação do centro com o restante do país através de rodovias, além de atrair a criação de infra-estrutura em energia e em telecomunicações para a região central. O segundo fator, essencial para o agronegócio, foi o avanço da pesquisa científica e tecnológica, particularmente a partir dos anos 1970, envolvendo universidades e empresas e capitaneado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Esse avanço, aliado à impossibilidade de ampliação das áreas produtoras de grãos no Sul e em São Paulo, onde o preço da terra encareceu, possibilitou a expansão da produção nos cerrados.
“A topografia da região apresenta boas possibilidades para o emprego de práticas agrícolas mecanizadas, visto que o relevo é em geral plano ou de ondulações suaves”, explica Diniz. “O principal obstáculo à agricultura nos cerrados diz respeito à baixa fertilidade natural, limitada devido à sua acidez (baixo pH) e baixo teor de cálcio. Essas características, no entanto, foram superadas com a correção do solo, superando os problemas de fertilidade mediante adição dos componentes químicos em que os cerrados eram deficientes”, completa.
Para se ter uma idéia, de acordo com o IBGE, a área de cultivo de soja no Cerrado saltou de 571 mil hectares, em 1975, para 10.092 mil hectares, em 2003, aumentando a representação de 10% para 54% do total do país. Nesse período, a produção do grão passou de 853 mil toneladas para 27.986 mil toneladas nos cerrados. O gado bovino saltou de 33.960 mil cabeças, ou 34% do total, em 1975, para 85.057 mil cabeças ou 43% do total, em 2003. A produção de gado e soja trouxeram na esteira a indústria processadora de matéria-prima de origem animal e vegetal. De 1970 a 2004, a indústria frigorífica bovina do Centro-Oeste saltou de 25% do total de abates no país para 40%, passando de 10,7 milhões de cabeças para 25,8 milhões de cabeças. Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul tinham em 2004 mais da metade dos 125 matadouros frigoríficos instalados na região do Cerrado. Já o abate de suínos e de aves, menos expressivo na região, subiu respectivamente de 5% para 12% do total, e de 3,6% para 10% do total. Na indústria esmagadora de soja, entre 1998 e 2004, Mato Grosso saltou de 8,8 mil para 20,6 mil toneladas/dia de produção, e Goiás, de 9,7 mil para 17 mil, e 45% da produção nacional do setor estava no Cerrado.
Outros dois produtos que têm se destacado recentemente na região são o algodão e a cana-de-açúcar, que também podem atrair futuramente indústrias têxteis e de processamento de álcool. A partir da queda na produção nacional de algodão, nos anos 1990, ela começa uma recuperação em Mato Grosso, graças a pesquisas da Embrapa para adaptação das sementes, e se espalha pelas porções de Cerrado de Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia e Minas Gerais. Em 2003, os cerrados já respondiam por 88% da produção nacional com suas 1.944 mil toneladas de algodão. As pesquisas de adaptação de cultivares também possibilitaram que o plantio de cana se expandisse nas regiões de Cerrado, particularmente na porção paulista, no triângulo mineiro e nos estados do Centro-Oeste. As 183.072 mil toneladas de cana produzidas em áreas desse bioma representavam, em 2003, 43% do total produzido no país.
Potencial para industrialização
Apesar de ter uma forte participação no agronegócio, o Brasil Central ainda carece da agregação de renda proporcionada pelo setor industrial, mas tem todas as condições para atraí-la. “A região central desenvolveu o setor rural e o de serviços muito bem. Está agora em condições de desenvolver o setor industrial”, afirma o economista Célio Costa, consultor com expertise em mercado interno. Segundo ele, uma das bases para isso é o atual mosaico demográfico brasileiro, que mudou consideravelmente após os anos 1970. Agora, a população é majoritariamente urbana, e cresce significativamente no interior do país. “Há demanda nesse mercado de perfil de consumo urbano, e o tamanho da demanda não atendida pode dar margem ao crescimento da indústria. O Centro-Oeste precisa melhorar o perfil de seu mercado e aumentar sua participação no segmento industrial, que era só de 3,8% do total do país, pelos indicadores de 2006”, aponta Costa.
Além do mercado interno, outra condição favorável à industrialização é a oferta de infra-estrutura em energia, transportes e telecomunicações. Juntos, esses fatores superariam até mesmo os incentivos usados na guerra fiscal entre estados para atrair novas indústrias. “A guerra fiscal é espúria, tornou-se um balcão de oferta. Antes de decidir onde se instalar, a empresa não vai considerar apenas o incentivo fiscal, que todos oferecem. Elas sabem se existe mercado interno, suprimento de matéria-prima e de infra-estrutura”, diz o economista. Para ele, a região está bem servida nesse último quesito, mas o Mato Grosso ainda precisa melhorar o seu quadro de oferta de energia e o acesso à ferrovia. “A conclusão da hidrovia Araguaia e a ferrovia Norte-Sul vão melhorar muito o escoamento na região. O Centro-Oeste pode se tornar um grande entreposto da indústria de transformação nacional”, defende.
O passivo ambiental
Todo esse crescimento da agroindústria nas últimas décadas, que pode impulsionar a industrialização em um futuro recente, teve um preço alto para o Cerrado. Os mapas do IBGE sobre a retração da vegetação nativa mostram que o bioma encolheu consideravelmente nos últimos trinta anos. Mas esforços como o iniciado no assentamento rural Andalucia, em uma região do Mato Grosso do Sul, contribui na luta para reverter essa retração. Os próprios assentados criaram, em 1998, o Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação (Ceppec) para diversificar sua renda e preservar o Cerrado. Trata-se de uma iniciativa pioneira que envolve o manejo de plantas nativas e aplica nos cerrados o extrativismo sustentável, que já tem uma certa tradição em áreas de floresta tropical como a Amazônia e a Mata Atlântica. A idéia iniciada no Andalucia deu tão certo que hoje já atinge 50 assentamentos em 11 municípios, onde se realiza o manejo extrativista e o processamento de castanha-do-cerrado, pequi, bocaiúva e jatobá.
“Primeiro, é feito um levantamento do potencial botânico da região do assentamento, sobre a quantidade e a qualidade dos frutos nativos”, conta a bióloga Rosane Bastos, coordenadora do programa de capacitação do Ceppec. “Depois, há o trabalho para não se colher tudo, para que haja regeneração da área e repovoamento das plantas nativas”, completa. Ela afirma que no próprio Ceppec há uma mini-usina de processamento. Após a coleta dos frutos, eles são lavados, cortados e torrados. A farinha da castanha-do-cerrado, por exemplo, é vendida em padarias, mercados e sorveterias. Já o pequi é usado em pratos da alimentação da própria comunidade, além de também ser vendido para a indústria alimentícia. “No Ceppec, também tem uma oficina de tecelagem, onde se usam corantes naturais a partir de frutos, flores e cascas”, conclui. Tanto a tecelagem quanto os produtos alimentícios, além do trabalho com turismo ecológico também desenvolvido no Ceppec, estão gerando renda para dezenas de famílias da região. E a garantia dessa renda é justamente a manutenção das plantas nativas em pé. O Cerrado agradece.
Revista COM CIÊNCIA - www.comciencia.br
Já fiz comentários nos:Facebook e no g +1 -Ana Lourenço da Rosa do Tocantins das plantas de cerrado - Brasil.
ResponderExcluirEstou revendo esse fantástico artigo que já fiz comentário em 15 de janeiro de 2015... ONG Plantas Medicinais de Cerrado TO BR
ResponderExcluirEstou revendo esse fantástico artigo que já fiz comentário em 15 de janeiro de 2015... ONG Plantas Medicinais de Cerrado TO BR
ResponderExcluirMuito obrigado pela atenção
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