sábado, 27 de julho de 2013

URBANIZAÇÃO

Agricultura moderna e urbanização levam à perda da biodiversidade do solo

JIM ROBBINS
DO "NEW YORK TIMES"
Poucas coisas são mais vitais do que a saúde da terra. Nosso abastecimento alimentar começa lá. As plantas selvagens precisam de solo saudável para crescer bem. Os herbívoros, para que possam comer as folhas, sementes e frutos das plantas. Por fim, os predadores, para que possam comer os bichos que comem as plantas.

Um solo saudável evita doenças humanas e também contém a cura para outras enfermidades. A maioria dos antibióticos vem de lá. Os cientistas agora procuram na terra uma nova classe de remédios para enfrentar doenças resistentes a antibióticos.

Jon Hrusa/Epa
Lavoura em Moçambique; más práticas agrícolas arruinaram cerca de metade do solo superficial na África

O solo supostamente desempenha um papel importante, mas pouco compreendido, na difusão do cólera, da meningite fúngica e de outros agentes infecciosos que passam parte do seu ciclo de vida na terra.

Novas tecnologias garantiram saltos na nossa compreensão sobre a ecologia dos solos, ao permitir que os cientistas estudem os genes de micróbios da terra e acompanhem minúsculas quantidades de carbono e nitrogênio em sua passagem por esse ecossistema.

Mas, à medida que os cientistas aprendem mais, eles percebem como sabem pouco.

Na última década, os cientistas descobriram que o "oceano de terra" do planeta é um dos quatro maiores reservatórios de biodiversidade. Ele contém quase um terço de todos os organismos vivos, segundo o Centro de Pesquisas Conjuntas da União Europeia, mas apenas cerca de 1% dos seus micro-organismos já foi identificado. As relações entre essa miríade de espécies ainda é mal compreendida.

Cientistas criaram recentemente a Iniciativa Global de Biodiversidade do Solo para avaliar o que se sabe sobre a vida subterrânea, para identificar onde ela está em perigo e para determinar a saúde dos serviços ecossistêmicos essenciais que o solo fornece.

Uma colherada de terra pode conter bilhões de micróbios (divididos entre 5.000 tipos diferentes), assim como milhares de espécies de fungos e protozoários, além de nematódeos, ácaros e algumas espécies de cupim.

"Há uma pululante organização embaixo do chão, uma fábrica com terra, animais e micróbios, cada um com seu próprio papel", disse a bióloga Diana Wall, da Universidade Estadual do Colorado, a presidente científica da iniciativa.

O ecossistema do solo é altamente evoluído e sofisticado. Ele processa o lixo orgânico, transformando-o em terra. Filtra e limpa grande parte da água que bebemos e do ar que respiramos, ao reter poeiras e agentes patogênicos. Desempenha importante papel na quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, pois, com toda a sua matéria orgânica, é o segundo maior depósito de carbono do planeta, só atrás dos oceanos.

O uso de arados, a erosão e outros fatores liberam carbono na forma de CO2, exacerbando a mudança climática.

Um estudo de 2003 na revista "Ecosystems" estimou que a biodiversidade de quase 5% do solo dos EUA estava "sob risco de perda substancial ou completa extinção devido à agricultura e à urbanização". Essa foi provavelmente uma estimativa conservadora, já que o solo do planeta era na época mais inexplorado do que hoje e as técnicas do estudo eram bem menos desenvolvidas.

Há numerosas ameaças à vida no solo. A agricultura moderna é uma das maiores, pois priva a terra da matéria orgânica que a alimenta, resseca o chão e o contamina com pesticidas, herbicidas e nitrogênio sintético.

A impermeabilização em áreas urbanas também destrói a vida da terra, assim como a poluição e as máquinas pesadas. Uma ameaça já antiga, como a chuva ácida, continua afetando a vida subterrânea, pois deixa o solo mais ácido.

O problema é global. Em quase metade da África, por exemplo, o uso intensivo para lavouras e pastagens destruiu a camada superior do solo e causou desertificação.

O aquecimento global irá contribuir para as ameaças à biodiversidade do solo. A segurança alimentar é uma grande preocupação. O que irá acontecer com as lavouras à medida que o planeta se aquecer? Ligeiras alterações de temperatura e umidade podem ter impactos profundos, mudando a composição da vida no solo e os tipos de plantas que poderão crescer.

Algumas plantas devem gradualmente migrar para climas mais frios, mas outras podem não ser capazes de se adaptar em novos solos. "O mundo acima do chão e o mundo abaixo dele estão muito estreitamente ligados", disse Wall.

Os cientistas também estão descobrindo que um ecossistema saudável no solo pode ajudar a sustentar as plantas naturalmente, sem insumos químicos. "Quanto maior é a diversidade do solo, menos doenças surgem nas plantas", disse Eric Nelson, que estuda a ecologia do solo e das doenças na Universidade Cornell, no Estado de Nova York. Os insetos também são refreados por plantas que crescem em terra saudável, segundo ele.

O que agricultores e jardineiros podem fazer para proteger seus solos? Wall sugere não lavrar a terra, deixando que a vegetação morta se decomponha, em vez de revolver o solo com o arado a cada ano. Evitar produtos químicos sintéticos é importante. Agregar adubo, especialmente adubo de minhoca, pode contribuir para fortalecer os ecossistemas da terra.

O tema está começando a atrair a atenção merecida. Wall acaba de receber o Prêmio Tyler de Realização Ambiental, com uma dotação de US$ 200 mil, que ela diz pretender usar em pesquisas. "É a hora do show para a biodiversidade do solo", disse ela.
Folha de S. Paulo

Ilhas de Calor

Constatou-se no mundo todo que as temperaturas atmosféricas nas metrópoles tendem a aumentar da periferia urbana para as regiões centrais da cidade, nas quais se formam verdadeiras `ilhas de calor` ou `ilhas térmicas`. A formação de uma ilha de calor ocorre da seguinte maneira: a retirada da cobertura vegetal para a construção de edifícios nas regiões centrais das cidades faz com que haja grande retenção de calor e dificulta a circulação de ar nesses locais locais, provocando aquecimento atmosférico. O ar aquecido do centro cria zonas de baixa pressão, que atraem ventos carregados de poluentes industriais da periferia. Essa acumulação de partículas de material no centro dificulta, então, a reemissão de energia térmica para as camadas atmosféricas mais elevadas, formando a `ilha de calor`. 
O conhecimento de ilha de calor é fundamental tanto para o planejamento da construção de habitações adaptadas à situação atmosférica que ela cria como para o próprio replanejamento da expansão metropolitana quanto ao uso do solo, à valorização das áreas verdes e à seleção dos materiais de construção. 
fonte: Maurício de Almeida

Rapidinhas ... Periferia Urbana


Descrita pela primeira vez nos Estados Unidos em fins da década de 1980, a periferia urbana é um SUBÚRBIO que deixou para trás o padrão histórico de servir como comunidade-dormitório de indivíduos que trabalham numa cidade. A periferia urbana dispõe agora de uma base comercial e manufatureira própria - não raro sob a forma de sede de grandes empresas - que concorre com o CENTRO URBANO, abandonado por muitas empresas, e frequêntemente acelera sua decadência. As periferias urbanas são completas: possuem parques industriais e prédios comerciais, shopping centers e grandes hotéis e restaurantes.
JOHNSON, Allan G.. Dicionário de Sociologia. Zahar, 2008.

Estatuto da Cidade - A lei da cidade

Estatuto que criou política urbana tem dez anos, mas conquistas não atendem expectativas
PEDRO BIONDI
Transporte coletivo: "Visto como algo para os pobres"
Foto: Pedro Biondi


Há dez anos entrava em vigor a lei federal 10.257, mais conhecida como Estatuto da Cidade, que regulamentou o capítulo de desenvolvimento urbano da Constituição Federal e instituiu uma tábua de mandamentos cujo norte era a ideia de cidades sustentáveis. Na busca desse cenário ideal, o uso da propriedade urbana é limitado pelo bem coletivo, pela segurança e pelo bem-estar dos cidadãos e pelo equilíbrio ambiental. Nas cidades sustentáveis, diz o estatuto, é assegurado “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.

Ainda segundo o texto dessa lei, a política urbana tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” e deve ser implementada por meio de gestão democrática, com participação da sociedade. Seus instrumentos permitem adensar, flexibilizar, reorientar ou “congelar” áreas para estimular a atividade econômica, promover a qualidade de vida, baratear a moradia e preservar o patrimônio natural ou histórico. E propiciam ao governo municipal a recuperação de parte dos lucros gerados por melhorias de infraestrutura que valorizem imóveis ou regiões.

De lá para cá esses princípios e práticas entraram em implementação, acompanhados de passos importantes em trilhas legais, institucionais e políticas. Apesar disso, as áreas urbanas – onde se concentram 84,4% dos 191 milhões de brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – continuam gerando ou expressando carências profundas, relacionadas à falta de moradia, a nós de trânsito e à produção de montanhas diárias de lixo – problemas que, em muitos casos, vêm sendo descritos por imagens como “caos” e “colapso”. Seria a norma frágil, avançada demais ou fácil de contornar?

Na prática

Segundo o economista Jeroen Klink, as conquistas reais ficaram aquém da expectativa até aqui. “Não mudou drasticamente o processo de aprovação de obras e o controle social sobre ele, e tampouco a governança sobre a terra”, exemplifica o professor da Universidade Federal do ABC.

Entre as novidades para a administração municipal está a exigência de estudo de impacto de vizinhança (EIV) para empreendimentos com possíveis efeitos negativos. Também as audiências públicas compõem o cardápio de aberturas participativas para as decisões importantes. Poucas prefeituras, porém, têm lançado mão delas quando não são obrigatórias, e organizações civis se queixam das condições em que se dão as consultas. Por fim, praticamente não se tem notícia de algumas aplicações, como a desapropriação de imóveis subutilizados.

“Sob o ponto de vista das instituições e da política, o estatuto é um bebê ainda”, pondera o relator de direito à cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), Orlando dos Santos Junior. Em sua opinião, a questão de fundo é um conflito entre diretrizes e práticas de mercantilização e desmercantilização da cidade – ou seja, entre as “leis do mercado” e suas contrapartidas. “Temos uma Constituição em que a propriedade privada tem muita força”, comenta.

O vice-presidente do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi), Claudio Bernardes, destaca as possibilidades geradas para o desenvolvimento das cidades por instrumentos urbanísticos previstos no estatuto, como as operações urbanas consorciadas, a outorga onerosa e a transferência de potencial construtivo (ver texto abaixo). Ele faz contudo uma ressalva: “É como uma caixa de ferramentas cirúrgicas, que deve ser usada por alguém com capacidade. Nas mãos de um médico ruim, fica perigosa”. Bernardes, que também é pró-reitor da Universidade Secovi, explica que o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo no tempo, em especial, pode ser muito positivo ou muito negativo. Em sua opinião, os problemas que afetam os grandes centros e as localidades em seu entorno pedem hoje a elaboração de um “Estatuto da Metrópole”.

Longa gestação

O Estatuto da Cidade descende de uma das 83 proposições elaboradas pela sociedade civil e recebidas pelos parlamentares na Constituinte – a emenda popular 63/1987, ou Emenda Popular da Reforma Urbana, apresentada com 131 mil assinaturas. Boa parte de seu conteúdo não entrou no texto constitucional, mas foi incorporada na lei que o regulamentou.

Apresentado em 28 de junho de 1989 pelo senador Roberto Pompeu de Souza, o projeto de lei do estatuto herdou mais uma coisa daquele momento: o cabo de guerra entre o Movimento Nacional pela Reforma Urbana e entidades do setor imobiliário e construtivo, conforme explica o consultor legislativo do Senado José Roberto Bassul, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil. O artigo 182 da Constituição, embora gerasse a necessidade imediata de uma lei federal para ser aplicado, deslocou em parte essa batalha para o âmbito local, ao dar centralidade ao plano diretor municipal na política urbana.

Entre outros, o projeto de lei do estatuto despertou a ira dos participantes da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). No entanto, diz Bassul, após anos de impasse na Câmara dos Deputados, o documento passou a agradar ao pessoal favorável à reforma urbana e ao capital imobiliário. “Boa parte dos instrumentos incluídos na proposta já vinha sendo posta em prática pelos municípios, com resultados animadores para o empresariado, e isso derrubou o preconceito que marcava o projeto como socialista”, explica.

As cidades se repensam
O Ministério das Cidades realizou uma campanha para estimular a elaboração do plano diretor – que é obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes ou perfil turístico – e ao final 87% deles estavam em dia com o compromisso. Um balanço crítico dessa leva de planejamentos, apresentado no livro Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade, organizado por Orlando dos Santos Junior e Daniel Todtmann Montandon, mostra que os principais sucessos divulgados dizem respeito à adesão a processos participativos e sua promoção, bem como à inclusão dos instrumentos urbanísticos. Segundo o estudo, 91% dos planos têm zoneamento, 87% preveem mecanismos para desapropriação de imóveis ociosos e 81% criam zonas destinadas a habitação para a população de baixa renda. Apesar desses avanços, há falta não só de metas e estratégias como da própria identificação de fontes de recursos para sua consecução.

Outra constatação é que há baixa capacidade institucional e técnica das prefeituras para lidar com essas questões. Segundo Santos Junior, que é também coordenador da Rede para a Implementação dos Planos Diretores Participativos, isso reflete, em parte, falta de empenho em transformações. “É necessário chegar a um modelo de debate que explicite os interesses dos diferentes atores e os conflitos resultantes”, opina. “E para a implementação dos planos parece interessante cada cidade identificar os instrumentos que são mais úteis para ela e concentrar-se neles.”

Uma das principais recomendações do balanço é que os municípios avancem (e os estados e a União os apoiem) na estruturação do Cadastro Territorial Multifinalitário – ou seja, conheçam a si mesmos de forma detalhada para embasar quaisquer decisões.

A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito a moradia adequada, Raquel Rolnik, e o professor Jeroen Klink concluíram em 2010 o estudo Crescimento Econômico e Desenvolvimento Urbano, sobre as cidades brasileiras e as condições de habitação em 1991, 2000 e 2008. Os autores elaboraram um indicador de condições de urbanidade baseado no acesso a infraestrutura, no qual são considerados adequados os domicílios fora de assentamentos precários (favelas e afins), com banheiro, luz elétrica, abastecimento de água, afastamento de esgoto e lixo, e no máximo duas pessoas por cômodo. Os dados referentes a 1991 apresentavam um país com cidades de baixas condições de urbanidade: menos de 23% de casas e apartamentos totalmente adequados e cerca de 50% dos municípios com índice zero de moradias nessas condições.

Em 2000, o quadro mostra um Brasil com 33% dos domicílios totalmente adequados (o que significava 30,5 milhões sem alguns dos itens mínimos) e nenhuma municipalidade com 100% das residências plenamente adequadas. Na projeção para 2008, a porcentagem de domicílios adequados crescia um pouco mais rápido. As variações, embora positivas em todas as regiões, foram mais intensas onde já havia melhores condições.

Eixo do PAC

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem na infraestrutura social e urbana um de seus eixos. Segundo seu último relatório, divulgado em julho, com dados consolidados até outubro de 2010, o programa previa destinar à habitação R$ 106,3 bilhões públicos e privados entre 2007 e 2010, beneficiando 4 milhões de famílias. Além disso, deveria garantir água e coleta de esgoto a 22,5 milhões de domicílios e infraestrutura hídrica (que inclui, por exemplo, a construção de canais, adutoras e barragens de médio e grande porte) a 23,8 milhões de pessoas.

Os desembolsos do governo para as duas áreas durante esse período, contudo, ficaram muito longe das metas, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com o documento, o governo previa gastar R$ 16,9 bilhões em habitação de interesse social pelo PAC, mas conseguiu desembolsar apenas 2% do total, atendendo 24 mil famílias. Já em saneamento, da meta de R$ 40 bilhões, somente teria sido aplicado R$ 1,5 bilhão. O Ministério do Planejamento afirma que esses percentuais subiriam se fossem computadas obras em curso, acrescentando que a falta de iniciativas semelhantes no período anterior deixou defasada a área de engenharia dos municípios, acarretando maior demora nas ações. Ainda segundo a assessoria de imprensa dessa pasta, o Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009, chegou a 1 milhão de unidades contratadas no período, num esforço para cobrir parte do déficit habitacional.

O PAC 2 deve destinar R$ 278,2 bilhões à habitação até 2014, entre dinheiro público e privado, no âmbito da segunda edição do Minha Casa, Minha Vida. Há previsão do desembolso de R$ 22,1 bilhões em saneamento, R$ 18 bilhões para obras no metrô, corredores de ônibus e afins, R$ 13 bilhões direcionados ao setor de água em áreas urbanas e R$ 11 bilhões para drenagem e contenção de encostas (valores que não incluem a contrapartida de estados e municípios). Além disso, existe a intenção de construir equipamentos para qualificação urbana, como praças e postos de saúde.

Ciclo vicioso

O estudo de Jeroen Klink e Raquel Rolnik problematiza o cenário. A soma de elementos claramente positivos – crescimento da economia, oferta maior de crédito, “aumento espetacular” do gasto público em desenvolvimento urbano, um dos ciclos imobiliários mais intensos da história nacional, um novo marco legal – não estaria conseguindo suplantar um modelo viciado, “marcado por disparidades socioespaciais, ineficiência e grande degradação ambiental”, em que a população de baixa renda é sempre a menor beneficiária.

A solução não se completa em nível local, conclui Klink, porque essas questões passam pelo sistema político nacional e sua lógica de negociação. Para piorar, a precariedade que empurra pessoas para áreas ambientalmente frágeis e sem estrutura potencializa os efeitos de inundações, secas e incêndios. Este ano, mal tinha arrefecido a comoção com a tragédia na serra Fluminense, o sul do país já contabilizava milhares de desabrigados e dezenas de mortes em função de chuvas, sem falar no prejuízo financeiro. Em junho, foi a vez de Roraima enfrentar uma das piores cheias de sua história. A preocupação aumenta com o agravamento dos desastres devido às mudanças climáticas.

Entre as medidas anunciadas para enfrentar essa situação, 25 cidades deverão contar, a partir deste verão, com sistemas de alerta contra enchentes e deslizamentos. Está previsto para novembro o início das operações do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), criado por decreto em julho pela presidente Dilma Rousseff. O centro, onde trabalharão inicialmente 75 pesquisadores, deve receber investimentos de R$ 250 milhões até 2015.

Um atlas das áreas de risco foi encomendado pelo Ministério da Integração Nacional à Universidade Federal de Santa Catarina. Quando esta reportagem estava em fechamento, os inventários por estados se encontravam em fase de finalização.

A luta por um teto

Estima-se que 5,5 milhões de famílias careçam de moradia digna. Os números do déficit habitacional representam pessoas morando em favelas, cortiços e loteamentos irregulares. A partir desse contingente, formaram-se organizações como a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), que descobriu nas ocupações de prédios e terrenos uma forma de chamar a atenção da sociedade e pressionar os governantes.

De acordo com a titular da Secretaria de Mulheres da UNMP, Maria das Graças Xavier, esses movimentos conseguiram bons ajustes no Minha Casa, Minha Vida, como o subsídio maior para famílias com renda de até três salários mínimos. As bandeiras atuais dos militantes passam pelo fortalecimento do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e pelo estabelecimento de um percentual mínimo para moradia nos orçamentos federal, estaduais e municipais.

Depois de crescer de 5,9 milhões de unidades, em 2000, para 6,3 milhões, em 2005, o déficit habitacional caiu substancialmente, chegando a 5,5 milhões em 2008. Os números são da Fundação João Pinheiro, do governo de Minas Gerais. Para acelerar o processo, Maria das Graças Xavier sugere que administrações municipais e estaduais se disponham a firmar parcerias. “A principal contribuição delas pode ser a oferta de terrenos centrais para Zeis”, esclarece.

Desde a década de 1990, iniciativas como o Programa Favela-Bairro priorizam a permanência dos habitantes, em vez da remoção para conjuntos distantes do trabalho e de referências pessoais. Em 2004, o governo federal passou a emitir títulos de posse para moradores de favelas por meio do Programa Papel Passado, que promove também a urbanização desses locais. “Somos a favor dessa iniciativa, como forma de dar alguma segurança a pessoas numa sociedade capitalista”, afirma a líder. “Estamos discutindo a possibilidade de um modelo com posse coletiva.”

Ruas congestionadas

A crise na mobilidade urbana, com a multiplicação de carros e motos, evidencia os efeitos colaterais da estabilidade econômica. O ritmo de crescimento do volume de veículos de passeio supera o da população na maioria das 15 metrópoles brasileiras, nas quais o número de habitantes subiu por volta de 10,7% e o de automóveis aumentou 66% entre 2001 e 2010, segundo estudo do Observatório das Metrópoles, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso significou mais de 900 mil carros despejados nas ruas a cada ano. Assim, Curitiba, Campinas, Florianópolis e São Paulo vão se aproximando de uma proporção de um carro para cada dois habitantes.

Como resultado, na saída do feriado de Corpus Christi de 2009, os paulistanos tiveram de encarar 293 quilômetros de congestionamento. Ainda de acordo com o Observatório, um em cada quatro moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro leva mais de uma hora para ir de casa para o trabalho.

“Falta uma visão do transporte como serviço essencial”, afirma Nazareno Affonso, coordenador do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT) e representante da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) em Brasília. “Os investimentos são regidos pelo mercado e o transporte coletivo é visto como algo ‘para os pobres’.”

Ele alerta para uma cultura em que o transporte individual se impõe como se fosse um direito natural, sinônimo de cidadania, ao mesmo tempo em que exige um esforço contínuo de grandes obras. “O correto seria tratar o automóvel como um dos elementos do sistema, cobrar pelos custos que gera e investir os recursos arrecadados nos serviços públicos do setor.” Pelos cálculos da ANTP, os carros poluem dez vezes mais que os ônibus urbanos por passageiro transportado.

O MDT estima que as tarifas de ônibus poderiam cair 12% se o diesel para esse fim tivesse o preço ajustado; 19% se o passe estudantil e as gratuidades fossem custeados pela sociedade como um todo, por meio do poder público, e não somente pelos usuários do sistema; e 18% com redução de tributos e encargos. Dessa forma, uma passagem de R$ 2 poderia ir para R$ 1. Levando a ideia mais longe, nos últimos anos ganhou corpo o Movimento Passe Livre, que reivindica operação pública do transporte e tarifa zero.

Metas ambiciosas

O Brasil produz hoje 200 mil toneladas diárias de lixo. E, com o avanço do debate sobre o tema, a própria palavra vai mostrando sua inadequação, já que a maior parte do que se joga fora é reaproveitável. Está em vigor desde agosto de 2010 a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e agora falta ao país implementá-la. “É uma política muito avançada, com metas ambiciosas”, diz o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, Nabil Bonduki, do Ministério do Meio Ambiente. Uma delas é a eliminação dos lixões até 2014. “A grande questão reside não nos recursos, mas em capacitação e vontade política, especialmente dos municípios”, explica o secretário.

Grupos de trabalho com foco nos tipos mais problemáticos de resíduos estão debruçados na questão da logística reversa, pela qual os fabricantes se responsabilizam por seus produtos após o uso. “Essa foi uma vitória”, diz o professor titular aposentado Luiz Moraes, da área de saneamento, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele foi um dos coordenadores do Panorama do Saneamento Básico no Brasil, elaborado por três universidades federais (a de Minas Gerais, a UFBA e a UFRJ) a partir de chamada pública do Ministério das Cidades. De acordo com o estudo, as soluções ou serviços de esgotamento sanitário, a drenagem e o manejo de águas pluviais estão em pior situação que o abastecimento de água e a coleta de resíduos domiciliares.

O Panorama, que calcula em R$ 420,8 bilhões o investimento necessário até 2030, apresentou alguns dados reveladores. Embora o abastecimento de água mostre o quadro mais crítico no campo, onde estão 73% dos domicílios do país sem esse serviço, o esgotamento é mais problemático na área urbana, que responde por 58% do déficit. Tanto num quesito como no outro, a região nordeste concentra carências, com 55% das moradias brasileiras sem rede de abastecimento de água, poço ou nascente com canalização interna, além de 43% daquelas desprovidas de acesso à rede coletora ou fossa séptica.

No que respeita aos resíduos sólidos, ainda segundo o Panorama, as cidades têm maior cobertura. Em 2008, cerca de 90% dos moradores de áreas urbanas tinham soluções classificadas como adequadas quanto ao manejo, contra 28,8% dos residentes no campo. Nesse item, 39 milhões de brasileiros não são atendidos. Novamente, a região nordeste é aquela que apresenta os piores índices, com a parcela de 58% dos domicílios não atendidos, no país, por coleta porta a porta de resíduos sólidos domiciliares. O sudeste vem em seguida, com 28%.

Contas, propostas e esperanças

Lançado em março, o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água mostra a necessidade de um investimento de R$ 70 bilhões até 2025 em obras de água e esgoto, especialmente nas regiões metropolitanas e nas grandes cidades das regiões sudeste e nordeste. Segundo esse estudo, da Agência Nacional de Águas (ANA), mais da metade dos municípios brasileiros poderá ter seu abastecimento “no vermelho” já em 2015.

Um reforço para a PNRS foi incluído no Plano Brasil sem Miséria, por meio do qual os catadores de materiais deverão contar com empréstimos e cursos de capacitação, além de ser estimulados a formar cooperativas. Outra frente de sustentação da política de resíduos é o apoio federal a prefeituras para que implantem a coleta seletiva.

Mobilidade é o foco de uma proposta encaminhada pelo Secovi, em parceria com o ex-governador do Paraná e consultor da ONU Jaime Lerner, para o novo plano diretor paulistano, previsto para 2012. A ideia consiste em mudar o modelo de ocupação de maneira que as pessoas possam se deslocar menos. Polos ao longo das linhas de metrô e trem, voltados a todas as faixas de renda, contemplariam trabalho, estudo e diversão.

“O rompimento com a ordem vigente requer mobilização, movimentos sociais que se articulem em torno de novas utopias”, avalia Santos Junior. “O desafio não é mais buscar um novo modelo único.”


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Instrumentos legais para o desenvolvimento das cidades

• Operação urbana consorciada – Conjunto de intervenções em uma área que visem a transformações estruturais. Os recursos gerados têm de ser investidos no perímetro delimitado.

• Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso – Autorização, com cobrança, para que o empreendedor construa acima do limite original ou mude a finalidade de um terreno. Os valores se destinam a melhorias urbanas.

• Transferência do direito de construir – Permissão para que o dono de um lote venda a área construída a que teria direito para terceiros e/ou use noutro local.

• Parcelamento, edificação e utilização compulsórios – Associados ao IPTU progressivo no tempo (elevação da alíquota do imposto), combatem a ociosidade de imóveis. No limite, alguém que mantenha um terreno ou prédio para especular fica sujeito à desapropriação com títulos públicos.

• Zonas especiais de interesse social (Zeis) – Destinadas a habitação para baixa renda, são áreas vazias ou assentamentos a urbanizar ou regularizar.

• Concessão de uso especial para fins de moradia – Permite a regularização de ocupações de até 250 metros quadrados em terras públicas para pessoas que não tenham outra propriedade. Pode ser assegurada de forma coletiva.

Revista Problemas Brasileiros

O futuro das cidades - A luta por espaço

O futuro das cidades

A luta por espaço

A chegada, aos bairros operários, de grupos sociais pertencentes às classes de maior poder aquisitivo é vista, com frequência, como uma invasão. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição por cidadãos mais abastados

por Jean-Pierre Garnier

A reestruturação urbana pela “destruição criadora” adquiriu dimensão planetária. De Bombaim a Pequim, passando por Londres, Nova York ou Paris, bairros populares bem localizados são revitalizados, enquanto seus antigos habitantes são deslocados para conjuntos habitacionais de baixa qualidade nas periferias para dar lugar a projetos residenciais “de categoria”. Iniciativas culturais prestigiosas capazes de mobilizar investidores, promotores, diretores e quadros sociais superiores, além de turistas endinheirados. Em suma, para o geógrafo David Harvey, “a favela entra em colisão com o canteiro de obras global, assimetria atroz que só pode ser interpretada como uma maneira gritante de confronto de classe1”.

Para além da aparição de novas formas de organização urbanística e arquitetônica, localizar esse fenômeno como conflito de classe não permite, contudo, afirmar que a luta secular entre dominantes e dominados pela conquista ou reconquista do espaço urbano se dá de maneira imutável ou estável. Seria negligenciar os efeitos ideológicos e políticos da recomposição de grupos sociais, em particular em países onde a “terceirização” ganhou mais importância que a industrialização. O crescimento das atividades do chamado setor de serviços vem sendo acompanhado, desde as últimas décadas do século XX, pela expansão de uma nova classe média ligada à polarização das funções-chaves financeiras, jurídicas e culturais em áreas urbanas elevadas à categoria de metrópole em escala mundial ou, ao menos, nacional. Dois aspectos gerais devem ser ressaltados: de um lado, o aumento do potencial dessa força de trabalho bem provida de capital escolar (estudos e diplomas de ensino superior) que, a fim de frutificar seus investimentos em educação, aliou-se à burguesia; de outro lado, o enfraquecimento do tecido industrial tradicional e a desagregação do movimento operário, que derrocaram os projetos de transformação radical da sociedade e os ideais de emancipação coletiva que os sustentavam.

Divisões de classes
“Confronto”, de acordo com a formulação de Harvey, não é necessariamente afrontamento. Hoje, é sobretudo sob a forma de separatismo que se manifestam as divisões de classes no espaço urbano. Os enfrentamentos diretos entre proprietários e despossuídos tornaram-se raros. O combate para se apropriar da cidade não acabou por falta de combatentes, mas porque, face à uma burguesia sempre na ofensiva, o outro protagonista, o proletariado, não está em condições de se opor a ela. A primeira “conserva o conjunto de atributos de uma classe: situação e destino comuns, sentimento de aparência e estratégias múltiplas de reprodução social, incluindo as ações para enfraquecer o mundo do trabalho2”. Os trabalhadores, ao contrário, perderam a consciência de sua existência coletiva e de seu “papel histórico” de sujeitos revolucionários destinados a subverter a ordem estabelecida, tal como lhes atribuíam os teóricos do socialismo.

Sem dúvida, as manobras das classes dirigentes para privar o povo de seus territórios não pararam de suscitar resistência. Afrontamentos entre a polícia ou o exército e moradores de ciudades cayampas e favelas “disfarçados” de luta contra a delinquência e a subversão na América Latina; despejos realizados por militares nas periferias do Magreb e da África subsaariana; deslocamento forçado de antigos habitantes e demolição de suas casas na China “popular” para abrir terreno a infraestrutura e imóveis destinados a colocar as grandes cidades em dia com a mundialização do mercado; incêndios metódicos de grande calibre em ex-bairros “alternativos” de Berlim apropriados pela neo-burguesia após a reunificação...

Também poderíamos mencionar as revoltas da população negra nos guetos estadunidenses nos anos de 1960 ou as de jovens imigrantes afro-caribenhos nas periferias inglesas marginalizadas, alvos de promessas de “reforma” por parte do governo de Margaret Thatcher no início dos anos 1980. Já na França, na Itália e na Espanha, manifestações, ocupações, multiplicação de squats, autorredução de aluguéis, florescimento de associações de residentes e comitês de bairro fizeram crer, nos anos de 1970, que estava se formando um novo tipo de movimento social qualificado pela sociologia crítica de “luta urbana”, mais ou menos explicitamente enquadrado na reivindicação do “direito à cidade” por todos. Teóricos e militantes de extrema esquerda que viram nessa agitação a abertura de uma nova frente de luta anticapitalista, porém, desencantaram-se rapidamente.

Resistência efêmera

Com algumas exceções, a junção esperada entre trabalhadores e citadinos como uma extensão do domínio da luta de classes não aconteceu. Em ocasiões em que se deu, como no Chile, Argentina ou certas cidades italianas e espanholas – Turim, Bolonha, Barcelona –, os trabalhadores chegaram a unir-se contra promotores, proprietários e seus apoios políticos, mas a resistência, revestida de formas efêmeras e sem futuro, foi quase sempre abafada pela repressão. Esse tipo de rebeldia também foi neutralizado pelas negociações com os poderes vigentes, processo no qual a combatividade e a radicalidade dos habitantes revoltados foram “amansadas” pelo processo de tornar seus líderes notáveis.

As “lutas urbanas”, cuja eclosão deveria reforçar a participação de outras classes sociais junto ao proletariado e contra o capital, foram empreendidas e teorizadas por militantes “contestadores” oriundos da universidade (docentes, pesquisadores, arquitetos, assistentes sociais...). Contudo, a importância dada a esse “novo ambiente” vinha acompanhada de certa indiferença, quando não de pura ignorância em relação ao que acontecia no “mundo do trabalho”. Na França, sob a batuta de universitários da “segunda esquerda” (François Dubet, Didier Lapeyronnie...) – precursores do liberalismo social –, as lutas urbanas foram inclusive inscritas entre os “novos movimentos sociais” convocados a tomar o lugar de importância de um movimento operário esgotado. Estavam destinados a “transformar o contexto social” sem que fosse necessário acabar com o capitalismo, postulado então como inevitável. Para “mudar a cidade”, bastaria ajudar a sociedade a evoluir conferindo-lhe uma configuração mais “urbana”.

É precisamente nessa tarefa que se lançaram um grande número de ex-críticos ferrenhos da urbanização capitalista. Assim, sociólogos e geógrafos, arquitetos e urbanistas, técnicos e eleitos locais conjugaram seus esforços para adaptar o espaço urbano aos requisitos do capitalismo “pós-moderno”. Após esvaziar toda e qualquer conotação revolucionária, não hesitaram em retomar certas temáticas do “direito à cidade” teorizado pelo sociólogo marxista Henri Lefebvre3: prioridade do qualitativo sobre o quantitativo; recusa da padronização das construções para preservar ou recuperar a historicidade, a autenticidade e a personalidade de um bairro; valorização dos espaços públicos – lugares da sociabilidade espontânea por excelência.

Não se trata mais de fazer do espaço urbanotabula rasa como na época da “renovação-escavadeira”, quando pedaços – ou bairros inteiros – da cidade eram considerados “insalubres” e derrubados para “liberar terrenos” propícios ao florescimento de imóveis de “categoria” com fins residenciais ou comerciais. As ruas tortuosas e estreitas, herdadas ao longo dos séculos também foram submetidas ao mesmo processo, dando lugar a “anéis viários” e “radiais” para adaptar a cidade ao automóvel. Atualmente, a palavra de ordem não é “destruição” – salvo um ou outro edifício irrecuperável –, e sim “reabilitação”, “regeneração”, “revitalização” ou ainda “renascimento”.

Em voga entre aqueles que ocupam cargos ligados à manutenção e à reorganização das cidades, essa terminologia visa sobretudo dissimular uma lógica de classe: reservar os espaços “requalificados” às pessoas “de qualidade”. “Todos esses termos que começam por ‘re’ são a priori positivos para a cidade, mas excluem completamente a questão social”, nota um geógrafo belga.

“Quando um bairro torna-se descolado e entra na moda, isso implica que parte dos moradores será ‘descartada’. A região ‘melhora’, mas não para as mesmas pessoas4”. Dito de outra forma, se há “reforma urbana”, ela visa antes “renovar” a população local para que os moradores das zonas centrais dos grandes conglomerados urbanos possam exercer sua vocação: se impor como habitantes de “metrópoles” dinâmicas e atrativas.

Especulação imobiliária
Ainda que efetuada progressivamente, a chegada de grupos sociais pertencentes às classes assalariadas de maior poder aquisitivo e profissionais liberais em bairros operários é vista, com frequência, como invasão pelos habitantes originais. Para a maior parte dos moradores afetados, essa mudança significa especulação financeira e imobiliária, o que acelera sua expulsão e substituição no espaço por citadinos mais abastados e educados, desejosos de constituir uma identidade residencial que esteja de acordo com a identidade social.

A “gentrificação” não atinge somente o espaço construído: afeta também o espaço político e, em particular, a natureza dos partidos da esquerda oficial cuja adesão popular não para de cair. “Trata-se de um fenômeno europeu”, nota o geógrafo Christophe Guilly: “por todos os lados vemos também uma ‘gentrificação’ da social-democracia5”. Não é surpreendente, portanto, que as municipalidades de esquerda se coloquem, na maior parte do tempo, à frente dos desejos e aspirações de sua nova base social, notadamente em questões de urbanismo, habitação e consumo cultural.

No luxuoso folheto de divulgação das reformas programadas para a “Paris do século XXI”, a primeira secretária da prefeitura encarregada do urbanismo e arquitetura da cidade, Anne Hidalgo, resumia a vocação que se impõe aos locais escolhidos como alvo de reformas em grandes cidades: reforçar a identidade de “cidades globais”, “um estatuto que a capital francesa disputa com numerosas metrópoles mundiais6”. Os discursos líricos e consensuais sobre a necessidade de “romper o isolamento do núcleo da aglomeração” em relação à periferia e de levar um “novo olhar sobre o centro da região urbana” não deve gerar ilusões. Como o supertrem circular automatizado previsto pela hipotética “grande Paris”, o projeto de anel viário em torno de bairros tradicionais de Anvers não visa responder às necessidades urgentes de transporte dos habitantes locais, e sim colocar em relação direta polos econômicos, estradas, aeroportos e estações de trem. Em outras palavras, os pontos julgados vitais para a circulação do capital e que, articulados entre si, permitirão à metrópole francesa não ficar para trás na competição com suas rivais europeias.

Que tipo de renovação?

Afinal, os planos urbanísticos faraônicos, atrativos a complexos residenciais que incluem shoppings, museus, cinemas, centro de negócios etc., como por exemplo “grande Hanói”, não deveriam ajudar a ex-capital da resistência anti-imperialista a tomar seu lugar junto a Cingapura, Hong Kong e até mesmo Xangai? (ver artigo de Xavier Monthéard, na pág.10) E o que dizer da construção programada, em São Francisco, de um prestigioso “centro de trânsito” onde diferentes tipos de transporte público estarão conectados para tornar mais fluido o deslocamento em torno da baía? Essa operação de “renovação urbana” que inclui arranha-céus e equipamentos de lazer, é vista como meios para “transformar o perfil físico da cidade”. E seu perfil social também: a parte do antigo centro, com diversos imóveis ocupados, será simplesmente apagada do mapa7.

O projeto que diz recuperar a parte central e a periferia de regiões urbanas para destiná-las à “comunidade” é apenas a aplicação espacial do princípio único que rege o conjunto da vida em sociedade por todo o planeta: a “concorrência livre e justa”.

Jean-Pierre Garnier é sociólogo, autor do livro Contra os territórios de poder.

1 David Harvey, “The right to the city”, New Left Review, n° 53, Londres, set.-out. 2008.

2 Paul Bouffartigues, Le retour des classes sociales. Inégalités, dominations, conflits, La Dispute, Paris, 2004.
3 Henri Lefebvre, O direito à cidade, Ed. Centauro, São Paulo, 2008.
4 Mathieu Van Criekingen, La Tribune de Bruxelles, 6 décembre 2007.
5 Christophe Guilly, “La nouvelle géographie sociale à l’assaut de la carte électorale”,], Centre d’études de la vie politique française, Paris, 2002.
6 Anne Hidalgo, “Paris doit faire face à une évolution profonde du monde”, Paris 21 e siècle, Atelier parisien d’urbanisme-Le Passage, Paris, 2008.
7 Brad Ston, “Ambitious Downtown Transit Project Is at Hand”, The New York Times, 3 de janeiro de 2010.
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O futuro das cidades - Saturação das metrópoles

O futuro das cidades

Saturação das metrópoles
A urbanização extensiva de regiões pobres e emergentes revolucionou os modos de ser e agir de grande parte da humanidade. Ao mesmo tempo origem e consequência das migrações que intensifica, ela cria novas estratificações sociais e acentua o movimento de transformação do ecossistema global pelo ser humano

por Philip S. Golub 

Pela primeira vez na história da humanidade, a porção da população mundial que vive em áreas urbanas ultrapassou, entre 2007 e 2008, a daquela que vive em zonas rurais. Agora, mais de 3,3 bilhões de pessoas moram em cidades. Destas, mais de 500 milhões estão em megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes ou em grandes cidades com mais de 5 milhões de habitantes. Daqui para frente, projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam para um aumento significativo da taxa de urbanização nas próximas décadas, que deve atingir 59,7%, em 2030 e 69,6%, em 2050. Os novos e antigos centros urbanos vão absorver a maior parte do crescimento que está por vir.1

Tal transformação em larga escala vai afetar, sobretudo, as regiões pobres e emergentes mais populosas. Já fortemente urbanizados, os países mais desenvolvidos devem experimentar um aumento relativamente pequeno do índice de população urbana: dos 74% atuais para cerca de 85% em meados deste século, impelindo as possibilidades de expansão ao limite. O mesmo vale para a América Latina, em razão de sua urbanização precoce, ocorrida desde o início do século XX, e diferente daquela dos países ricos.

Por seu lado, a África e a Ásia vão experimentar – aliás, já experimentam – uma ruptura de equilíbrio. A população urbana africana, que foi multiplicada por mais de dez entre 1950 e hoje (de 33 milhões para 373 milhões), chegará a 1,2 bilhão em 2050. Na Ásia, onde ela atingia 237 milhões em meados do século passado , hoje chega a 1,6 bilhão e deverá mais que dobrar. Dessa forma, mais da metade dos indianos vão morar em cidades, assim como quase três quartos dos chineses e quatro quintos dos indonésios.

Novas estratificações

Em suma, pensando a partir da fórmula premonitória do historiador Lewis Mumford2, o mundo inteiro “torna-se uma cidade”, ou melhor, uma constelação de polos urbanos, muitas vezes desproporcionais, formando nódulos do espaço econômico globalizado. A urbanização extensiva de regiões pobres e emergentes revolucionou os modos de ser e agir de grande parte da humanidade, e vai continuar a fazê-lo cada vez mais rapidamente. Ao mesmo tempo origem e consequência das migrações que intensifica, ela cria novas estratificações sociais e acentua o movimento de transformação do ecossistema global pelo ser humano.

Para compreender o verdadeiro significado do fenômeno, é preciso situá-lo numa perspectiva histórica. A urbanização extensiva é inseparável do surgimento do Antropoceno – termo pelo qual alguns chamam a era geofísica mais recente, que teria sido inaugurada à época da revolução industrial. Esta última, devido ao uso intensivo dos recursos de energia fóssil que exige, altera significativamente o habitat.

Antes dessa ruptura, a vida econômica e social foi, durante milênios, dominada pelo ritmo lento da economia convencional, com os vilarejos e primeiras cidades mantendo uma “relação simbiótica com o ambiente natural3”. A sociedade tinha certamente um impacto na natureza local, mas este não era poderoso o suficiente para desafiar o equilíbrio do ecossistema. Da revolução agrícola do Neolítico, que abriu caminho para a sedentarização e as concentrações populacionais, até o século XIX, a proporção da população urbana mundial permaneceu limitada. De acordo com estimativas do historiador Paul Bairoch, que reviu para cima as avaliações anteriores, ela oscilava entre 9% e 14%, conforme a região e a época.4

É certo que se formaram grandes aglomerações durante esse longo período pré-industrial como Babilônia, Roma, Constantinopla, Bagdá, Xian, Pequim, Hangzhou, Nanquim, e assim por diante. Algumas dessas cidades foram o coração de impérios e abrigavam dezenas ou mesmo centenas de milhares de pessoas. Por volta de 1300 d.C., Pequim tinha entre 500 mil e 600 mil habitantes.5 Já a Europa conheceu o que Bairoch chama de “empurrão urbano” na Idade Média, com a formação de uma rede de cidades mercantis e cidades-Estado com mais de 20 mil habitantes. Mas isso não alterou fundamentalmente o equilíbrio entre a cidade e o campo, nem revolucionou as relações sociais.

Em 1780, havia no mundo menos de uma centena de cidades com mais de 100 mil habitantes. Não se pode, portanto, falar de dominação urbana, nem na Europa nem em qualquer outro lugar. Em toda parte a reprodução social pré-capitalista apoiava-se na agricultura, uma base rural que proporcionava o quadro geral de atividades da sociedade.

Transformações violentas

É a partir da Revolução Industrial que se afirma uma “nova relação simbiótica entre urbanização e industrialização6”. Ao exigir a concentração do trabalho e do capital, esta impulsiona uma reestruturação da divisão do trabalho e uma urbanização sem precedentes. De pouco menos de 20% em 1750, número já alto para a época, a população urbana do Reino Unido passa, em um século e meio, para 80%. Em média, a quantidade de pessoas nas regiões recém-industrializadas (exceto o Japão) é multiplicada por dez entre 1800 e 1914, atingindo 212 milhões; esse crescimento, três vezes superior ao da população, corresponde a um índice médio de urbanização que aumentou de 10% para 35% em 1914. Com a indústria absorvendo então quase metade do emprego urbano, esse desenvolvimento baseava-se em uma ampliação constante da produtividade agrícola. Não se deve diminuir a violência dessa transformação: prova disso são as condições de vida experimentadas pela classe trabalhadora infantil e adulta. Contudo, esse movimento fazia parte de uma lenta evolução no sentido de um aumento geral nos padrões de vida que o século XX testemunhou.

A experiência urbana nas regiões colonizadas do mundo foi diferente. Em conjunto com a expansão territorial do Ocidente, a Revolução Industrial instituiu uma nova divisão internacional do trabalho, na qual o comércio de longa distância desempenhou papel cada vez mais importante. Descrevendo essa primeira globalização, Karl Marx afirmou, em 1848: “[As antigas indústrias] são suplantadas por novas indústrias [que empregam] matérias-primas vindas de regiões muito distantes, e cujos produtos são consumidos não apenas na própria localidade, mas em todas as partes do globo. No lugar das antigas necessidades, atendidas pelos produtos nacionais, surgem novas necessidades que exigem para sua satisfação os produtos dos mais distantes confins e climas. Em vez do antigo isolamento das províncias e das nações que bastavam a si mesmas, desenvolvem-se as relações universais, numa interdependência universal das nações7”.

Ora, essa interdependência assimétrica, estruturada em torno de relações desiguais “centro-periferia”, reconfigura a economia e os espaços das regiões colonizadas ou dependentes. Sua integração forçada no mercado global desarticula os tradicionais laços entre a cidade e o campo, e prejudica as redes econômicas internas. Privilegia a produção de commodities para exportação (algodão, açúcar, ópio, grãos, metais etc.). As restrições impostas pelos pactos coloniais mercantis provocam a diminuição, mais ou menos acentuada, conforme as regiões, das atividades proto-industriais na China e na Índia, por exemplo, sendo que esta última era o maior produtor de têxteis do mundo antes de 1750.

Assim, a nova estrutura do comércio internacional levou também a uma inflação demográfica das cidades costeiras, transformadas em entrepostos de produtos primários destinados ao mercado mundial. A “descontinentalização” econômica da África subsaariana em benefício dessas áreas litorâneas, o crescimento da população de Bombaim, Calcutá e Madras e a decadência das cidades do interior da Índia em meados do século XIX são prova disso, assim como a reconfiguração de pontos do norte da África sob colonização francesa.

A rápida urbanização dessas áreas globais no século XX, especialmente durante a acelerada fase iniciada em 1950, tem, em geral, ocorrido sem nenhum tipo de desenvolvimento real, com exceção dos grandes complexos urbanos dos novos países do leste da Ásia (Seul, Taipei, Cingapura, Hong Kong e, hoje em dia, Xangai e Pequim). Em outros lugares, a urbanização desordenada dos Estados outrora colonizados resulta de desequilíbrios econômicos e sociais internos, muitas vezes herdados das estruturas do período de domínio estrangeiro e exacerbados pelas forças do mercado global.

O deslocamento desmedido de pessoas das zonas rurais para os centros urbanos, impulsionado pela pobreza em que viviam, resultou na formação de grandes aglomerados urbanos, em especial na África subsaariana, na América Latina e no sul da Ásia. Com um crescimento populacional e espacial constante, essas áreas experimentam o desemprego em massa e assustadores problemas ambientais (vide Lagos, Dacar, Cidade do México, Caracas, Calcutá, Dacca, Jacarta, Manila...). Nesses espaços urbanos coexistem bolsões de grande riqueza e uma imensa pobreza que produz um “planeta-favela” em escala mundial8”.

De fato, como mostrou o sociólogo Manuel Castells, os principais centros urbanos dos países ricos também são cidades “duplas”, que incorporam o “Sul” ao “Norte”: altamente segmentadas em termos sociais, elas concentram grande quantidade de trabalhadores braçais e de pessoas socialmente excluídas – muitas vezes vindos de países que outrora foram colônias.9 Claro, essa desigualdade social das cidades ditas globais que concentram a riqueza, cultura, conhecimento e know-how (Nova York, Los Angeles, Londres, Tóquio etc.) não pode ser comparada com a das zonas urbanas “globalizadas” no “Terceiro Mundo”.

Fenômeno irreversível

A urbanização reúne e expressa as tensões e contradições da industrialização e da globalização. Algo que Henri Lefebvre já havia percebido quando escreveu: “Sentido e finalidade da industrialização, a sociedade urbana se forma ao buscar a si mesma10”. Fenômeno irreversível, a urbanização desafia nossa capacidade de produzir bens públicos, sobretudo educação, cultura, saúde e um ambiente saudável para o conjunto das populações, pré-requisito para o desenvolvimento sustentável que garanta o bem-estar coletivo e, portanto, a expansão das liberdades individuais.

A criação dos grandes centros nos países industrializados no século XIX e início do século XX gerou inúmeras reflexões. Para resolver o problema social representado pelas favelas da época vitoriana, urbanistas reformistas propuseram uma descentralização por meio da construção de novas constelações menores e mais “habitáveis”, e que tornariam mais fácil a gestão das massas – as autoridades nacionais e regionais da China e da Índia, atualmente seguem nessa direção, diga-se de passagem. Mais tarde, Lewis Mumford, entre outros, elaborou um descongestionamento urbano por meio de um sistema de planejamento regional e sub-regional baseado no uso dos recursos locais e nas cadeias de abastecimento de curto prazo, cujo objetivo era conseguir um equilíbrio ecológico (o que agora é chamado de “desenvolvimento sustentável” urbano). Tais esforços intelectuais foram infrutíferos.

Nas décadas de 1970 e 1980, floresceu a ideia de um desenvolvimento urbano “comunitário”, ou seja, a apropriação pelos cidadãos dos seus espaços de vida (“community design”).11 Hoje, a questão da apropriação cidadã e das condições de produção dos espaços urbanos permanece intacta e representa um grande desafio do século.

Philip S. Golub é professor associado do Instituto de Estudos Europeus da Universidade Paris 8.

1 “World Urbanisation Prospects, the 2007 Revision Population Database”, United Nations Population Division (UNPD), Department of Economic and Social Affairs; http://esa.un.or/unup
2 Lewis Mumford, The city in history: its origins, its transformations, and its prospects, Harcourt Brace International, New York, [1961] 1986.
3 Mumford, op. cit.
4 Paul Bairoch, De Jéricho à Mexico: villes et économie dans l’histoire, Gallimard, Paris, 1985.
5 Tertius Chandler, Four thousand years of urban growth, Edwin Mellen, Lewiston, 1987.
6 Edward W. Soja, Postmetropoli: critical studies of cities and regions, Blackwell, Oxford, 2000.
7 Karl Marx & Friedrich Engels, Manifeste du Parti Communiste, Flammarion, Paris, 1999.
8 Mike Davis, Planète bidonville, Ab Irato, Paris, 2005.
9 Manuel Castells, The informational city: information, technology, economic restructuring and the urban-regional process, Blackwell, Cambridge, 1989, e Dual city: restructuring New York, Russell Sage Foundation, New York, 1991.
10 Citado por Rémi Hess, Henri Lefebvre et l’aventure du siècle, Métailié, Paris, 1988, p. 276.
11 Peter Hall, Cities of tomorrow, Blackwell, Oxford, 1996.

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O futuro das cidades - Para unir o urbano dividido

O futuro das cidades

Para unir o urbano dividido

Cerca de um bilhão de pessoas vivem hoje em situação de extrema pobreza nas cidades. Para incluí-las, é preciso mais do que ampliar as suas capacidades de consumo. É necessário promover uma reconfiguração estrutural dos seus territórios, integrando as esferas políticas, econômicas, culturais e materiais da vida urbana

por Kazuo Nakano

Violações do direito à cidade
Direito à Cidade – Unindo o Urbano Dividido” será o tema central da quinta sessão do Fórum Urbano Mundial, que ocorre dias 26 e 27 de março, no Rio de Janeiro. Mais uma vez, autoridades governamentais, lideranças comunitárias, pesquisadores e diversos tipos de organizações sociais se reúnem para discutir as várias faces das desigualdades sociais que dividem, muitas vezes de modo violento, os territórios das cidades.

Esses temas são velhos conhecidos para aqueles que estão atentos às realidades urbanas no mundo. E não há nenhuma dúvida em relação à importância técnica e política das discussões sobre eles. Entretanto, é importante que essas discussões saiam dos enunciados e se concretizem, produzindo espaços urbanos com maior equidade, justiça social, fortalecimento democrático e sustentabilidade. Será que isso é possível? A resposta é positiva, desde que os discursos críticos busquem incansavelmente realizar ações transformadoras nessas realidades urbanas criticadas.

Não basta interpretar a realidade das cidades, há que se experimentar mudá-las nos marcos de um amplo projeto social e político, pois cerca de um terço dos moradores das áreas urbanas mundiais, cerca de um bilhão de pessoas, se encontram em situações de extrema pobreza e morando em assentamentos precários, expostos à fome e a vários tipos de riscos e ameaças. Para incluir essas pessoas nas cidades, gerando condições de cidadania, é preciso mais do que ampliar as suas capacidades de consumo. É preciso promover uma reconfiguração estrutural dos seus territórios integrando-os a todas as esferas políticas, econômicas, culturais e materiais da vida urbana.

É significativo observar que a luta pelo direito à cidade, originária da sociedade, está adentrando as esferas institucionais, inclusive dos organismos internacionais. Vê-se que essa luta é atualíssima, pois os padrões desiguais, precários e predatórios de urbanização estão se disseminando, de modo destrutivo, em várias partes do planeta. Tais padrões são produzidos pelas forças desregradas e desagregadoras dos mercados formais e informais que promovem formas excludentes de uso e ocupação do solo urbano, que segregam os locais de moradias dos grupos de alta, média e baixa renda.

No Brasil, estamos inteiramente familiarizados com os temas abordados no FUM 2010. Temos lutas históricas pelo direito à cidade e conhecemos as graves consequências do “urbano dividido”. Quando vemos as favelas e os bairros gigantes das periferias metropolitanas, notamos as precariedades urbanísticas e vulnerabilidades socioambientais que prejudicam as condições de vida dos seus moradores. Nesse momento sabemos que milhões de homens e mulheres, em fases distintas da existência, sofrem violações diárias do direito à cidade.

As segregações socioespaciais entre assentamentos urbanos formais e informais, entre espaços bem qualificados e precários do ponto de vista urbanístico, não devem ser vistas como fenômenos naturais e inevitáveis. Isso se deve, principalmente, às práticas de planejamento e regulação urbana que subordinam o interesse público às regras que facilitam a atuação dos agentes dos mercados imobiliários, que buscam, cada vez mais, lucrar de modo predatório com os processos de produção e transformação dos espaços urbanos.

É preciso regular as forças do mercado para evitar ataques especulativos e ampliar ao máximo o acesso ao solo adequado das cidades, em especial aqueles localizados nas partes centrais e intermediárias, para a implantação e permanência das moradias dos mais pobres que não conseguem acessar o mercado imobiliário formal.

A crise econômica iniciada em 2008 e ainda em pleno curso no mundo mostrou, claramente, que as forças do mercado que atuam livre de regulações públicas são altamente prejudiciais para a sociedade como um todo. Essa crise global, considerada a maior desde a Grande Depressão da década de 1930, coloca em pauta a discussão sobre o papel do Estado na prevenção das vulnerabilidades sistêmicas que afetam vários campos da vida social. Essa discussão cabe também em tudo que diz respeito às cidades, em especial às metrópoles, onde há grande concentração populacional e acúmulos gigantescos de déficits históricos na oferta de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas básicas.

Junto com as cidades mé adias, as metrópoles são pujantes máquinas econômicas de produção e consumo de riquezas e, ao mesmo tempo, poderosas máquinas de exclusão socioterritorial dos mais pobres. Essas enormes máquinas socioterritoriais operam devastando recursos naturais, devorando fontes de energias e gerando toneladas de resíduos e efluentes que contaminam os solos, os ares e as águas. Para que essas potentes máquinas operem num rumo com mais inclusão social, democracia e sustentabilidade, nós precisamos de mais políticas públicas, processos de planejamento e gestão territorial conduzidos por Estados que não estejam capturados pela lógica patrimonialista e clientelista que favorece interesses privados minoritários.

O Estado é fundamental para acabar com as violações do direito à cidade, como a insuficiência e baixa qualidade na oferta dos serviços públicos de saneamento básico, transporte coletivo, educação, saúde, cultura e assistência social, entre outros. Quando testemunhamos os despejos forçados, o aumento da criminalidade, os conflitos fundiários e as mortes provocadas por deslizamentos de morros e pelas inundações, nós percebemos que essas violações são, às vezes, fatais e extremamente violentas. Nesses casos, as violências das cidades se somam às violências nas cidades.

Para alterar esse quadro necessitamos aceitar as cidades, criticamente, como fenômenos positivos e não somente como lugares destrutivos e infernais. Precisamos ativar suas maiores potencialidades, as inteligências coletivas capazes de buscar soluções conjuntas para problemas comuns. As cidades são os locais mais propícios para a realização de amplos debates públicos, inclusive com a utilização das modernas tecnologias de comunicação, na busca por agendas políticas compartilhadas e articuladas.

As crescentes interconexões inter-urbanas estão fazendo das redes de cidades lugares férteis para a consolidação de pactos em torno de projetos e objetivos futuros de longo prazo. Para enfrentarmos os desafios que se levantam nos horizontes do século XXI, o que temos de mais potente é, apesar de tudo, as possibilidades de mudanças a partir das cidades.

Produção e inclusão

A efetivação do direito à cidade precisa de um Estado forte, com estrutura institucional e capacidade técnica para a formulação e implementação de políticas públicas verdadeiramente democráticas e com estreita integração intersetorial. Políticas públicas inseridas em estruturas de governanças territoriais e econômicas que operem articulações entre as escalas locais, regionais e nacionais e estejam organizadas nas esferas municipais, estaduais e federal. Estruturas que precisam ser criadas com investimentos maciços na formação continuada de gestores públicos e em arranjos organizacionais que superem o baixo grau de desenvolvimento institucional existentes nos entes da federação.

É preciso também um Estado no qual os diferentes níveis de governo tenham capacidades de realizar investimentos públicos com responsabilidade e transparência. Investimentos que, de fato, atenda às principais demandas sociais locais e regionais. Precisamos superar a atual lógica do balcão que prevalece na obtenção de recursos para financiar ações e intervenções nos espaços urbanos. É necessário eliminar as condições de penúria e dependência financeira em que se encontra a maioria das prefeituras municipais e alguns governos estaduais do país.

Afora as necessidades de investimentos para atender às demandas organizacionais da gestão pública, as agendas de financiamento do desenvolvimento urbano nas cidades e regiões do Brasil apresentam duas vertentes que precisam se acomodar de modo justo e equilibrado:

• a satisfação das necessidades sociais básicas de todos os habitantes das cidades, concretizando um padrão de urbanidade e de inclusão socioterritorial que universalize a cobertura e garanta a qualidade de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas básicas; e que democratize as decisões para que as pessoas tenham possibilidades de escolha em relação ao seu desenvolvimento e realização das suas capacidades humanas. Apesar de incipientes, tais padrões estão sendo definidos com clareza crescente nos sistemas federativos das políticas de saúde e assistência social;

• o bom funcionamento dos territórios econômicos das cidades na produção e distribuição de riquezas. Trata-se de configurar esses territórios para que novos processos produtivos venham a reduzir o uso de fontes de energia e recursos não renováveis, reduzir a geração de poluentes e melhorar a distribuição dos produtos com redução, reuso e reciclagem de resíduos.

É nas perspectivas apontadas por essas vertentes que precisamos avaliar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tanto em relação aos investimentos públicos em urbanização de favelas e implantação de serviços e infraestruturas de saneamento básico, quanto na execução de grandes obras de infraestruturas que exercem impactos sociais, econômicos e ambientais nos espaços urbanos locais e regionais. Essa atenção especial deve ser dada também às realizações do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que se propôs a produzir um milhão de moradias urbanas para as famílias com renda até 10 salários mínimos.

Esses critérios valem também para avaliarmos as ações de regularização fundiária realizadas por diferentes órgãos do governo federal como, por exemplo, a Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, entre outros. Até que ponto todos aqueles investimentos públicos, somados a essas ações de regularização fundiária, estão contribuindo para a superação do nosso “urbano dividido” manifesto nas grandes, médias e pequenas cidades? Até que ponto eles superam as profundas discrepâncias sociais e econômicas entre os lugares de moradia dos grupos ricos e pobres? Quais são os seus efeitos na base econômica local e regional?

Na avaliação dos vários componentes do PAC, do PMCMV e das ações de regularização fundiária de assentamentos urbanos, precários e informais, vale indagar se eles contribuem para os esforços de estruturação de políticas urbanas e habitacionais mais perenes. Em que medida eles contribuem para a consolidação de políticas públicas de Estado que extrapolem as limitações de um ou dois mandatos governamentais?

Como é que esses investimentos e ações fortalecem processos permanentes de planejamento e regulação urbana que assegurem o cumprimento das funções sociais das cidades e das propriedades urbanas, conforme determinações do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001)? Esses investimentos e ações impulsionam a construção do importante Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, instituído pela Lei Federal 11.124/2005? Promovem o desenvolvimento institucional e práticas democráticas nos diferentes níveis da federação?

Essas avaliações são fundamentais para que a sociedade possa compreender que tipos de resultados estão sendo alcançados por essas ações estatais realizadas nos espaços urbanos do país. A partir dessa compreensão, é possível ver quais os ajustes e aperfeiçoamentos podem ser feitos para se conseguir avanços na efetivação do direito à cidade no Brasil.

Os caminhos para o desenvolvimento econômico socialmente equitativo e ambientalmente sustentável passam, necessariamente, por mudanças profundas nas condições de vida e de produção econômica existentes nas cidades. Tais mudanças demandam, por exemplo:

• o planejamento de ações e investimentos que atendam a todas as necessidades habitacionais existentes nas cidades brasileiras a fim de eliminar os déficits de novas moradias e das condições inadequadas de habitação. Atendam ainda a todas às demandas por serviços e infraestruturas de saneamento ambiental que integrem abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, drenagem urbana e controle de vetores de transmissão de doenças;

• a superação definitiva do predomínio do automóvel individual na matriz dos transportes de massa para modalidades integradas e sustentáveis, baseadas em veículos de uso coletivo movidos a fontes de energia limpas e renováveis, como a dos biocombustíveis e elétrica. Trata-se da utilização articulada de transportes coletivos como trens, metrô, trólebus, veículos leve sobre trilhos, bicicletas, entre outros;

• a eliminação das situações de vulnerabilidade a riscos de todos os tipos, em especial aqueles gerados pelos efeitos das mudanças climáticas e de aquecimentos globais nos espaços urbanos. Tal medida demanda várias ações de adaptação que envolvem, por exemplo, a renaturalização de trechos de várzeas fluviais inundáveis e a realocação, pactuada, de moradores de áreas vulneráveis para locais mais seguros e adequados do ponto de vista urbanístico. É urgente um trabalho sistemático de análise e definição das ações necessárias para a adaptação dos espaços das cidades àqueles efeitos das mudanças climáticas e do aquecimento global.

Ganha cada vez mais força a ideia de que será por meio das cidades que vamos realizar novos modelos de desenvolvimento econômico, humano e territorial que promovam a equidade na distribuição das riquezas sociais, a democratização nas relações sociais e a sustentabilidade no uso e proteção dos recursos naturais.

O planejamento e a gestão pública são fundamentais para a efetivação desses novos modelos. Precisam estar à altura dos desafios e das potencialidades das cidades do século XXI. O tempo urge e não podemos mais protelar as decisões necessárias. O futuro será fruto dessas decisões.


Kazuo Nakano é arquiteto urbanista, técnico do Instituto Pólis, doutorando do Núcleo de Pesquisas Populacionais (NEPO) da Universidade de Campinas (Unicamp).

Le Monde Diplomatique Brasil

Brasil descarbonizado


Principais obstáculos para um futuro sem carbono estão em questões institucionais e comportamentais
por Sérgio Abranches
O Brasil pode assumir a liderança na busca de um futuro de energia sem carbono. Nossa matriz energética está centrada na hidroeletricidade. Fomos os pioneiros na utilização de etanol como combustível. Adotamos o primeiro carro 100% a álcool há décadas. Estamos atrasados no uso do biodiesel, mas os investimentos estão crescendo rapidamente. A integração entre hidroeletricidade e bioenergia tem tudo para nos colocar na vanguarda da oferta de energia de baixa emissão de gases estufa. Podemos até sonhar em só ter energia limpa e renovável para todos os usos, em poucas décadas.

Qual o problema, então? Nossas práticas não são boas. Não temos programas de indução à economia de energia. O planejamento de hidroelétricas não segue critérios de minimização de impacto ambiental. Há sérios problemas de manutenção de reservatórios e de poluição das águas dos rios que os alimentam. Na área dos biocombustíveis, são freqüentes as más práticas ambientais e trabalhistas. O balanço de carbono, ou seja, quanto a produção dos bioenergéticos emite de carbono, precisa melhorar muito. Isso requereria mais pesquisa pública e privada e a adoção de padrões de redução de carbono, como parte do processo de regulação da energia no país.

O Brasil carece de uma política para o clima. Domina a visão de que esse é um problema dos países já desenvolvidos. Uma percepção insustentável. Precisamos de uma política nacional do clima para orientar os investimentos públicos em desenvolvimento científico e tecnológico e para induzir a busca de padrões limpos de produção energética. O planejamento energético seria parte dessa política e adotaria o critério ambiental de neutralizar a emissão de gases estufa como fator decisivo para os investimentos e a regulação estatal. A Embrapa teria um papel crucial numa política do clima, desenvolvendo metodologias de produção bioenergética mais "carbono-eficientes", inclusive de redução do uso de fertilizantes.

Nosso futuro pós-carbono depende do fim do desmatamento. É preciso garantir que a soja, que terá papel central na produção de biodiesel, não continue sendo o principal agente do desmatamento na Amazônia e áreas de mata atlântica e cerrado. Hoje seu balanço de carbono é altamente negativo. É possível ser rentável, com bom comportamento social e ambiental. De nada adianta uma matriz energética limpa, derivada da destruição de nosso patrimônio natural e da exploração da pobreza. O futuro sem carbono deve também representar um avanço civilizatório.

O desafio brasileiro é assegurar o respeito à lei e a regras de segurança energética e ambiental, para "limpar" social e ambientalmente nossa matriz de produção e uso de energia. Hoje há, com razão, sérias dúvidas sobre o papel dos biocombustíveis, por causa da incapacidade do governo em fazer respeitar a lei e pelo temor de que a expansão da agroenergia se faça à custa da destruição de nossa biodiversidade e de nossas matas. Sem mencionar o risco de que aumente o uso do trabalho escravo, prática intolerável que ainda existe na produção de soja e cana em várias partes do país.

O problema está no mau desempenho das agências regulatórias e na má gestão das empresas do setor da agroenergia e da soja. Falta ao Brasil um sistema inteligente de regulação que fixe metas e padrões energético-ambientais para as atividades de geração e distribuição de energia e de produção e uso de combustíveis. Ao mesmo tempo, teremos de criar ambiente institucional favorável ao investimento em energias limpas e renováveis, desincentivando as fontes de alta emissão, como o carvão. Cabe às boas empresas do setor fazer, rapidamente, um pacto pela erradicação das más práticas trabalhistas e pelo respeito ao ambiente. Uma moratória no desmatamento é pré-condição indispensável a um Brasil sem carbono.

A solução dos problemas de logística, de organização eficiente da cadeia de suprimento e integração harmônica das energias de várias fontes ao grid energético nacional depende, para realizarmos a meta de baixa emissão, de uma mudança radical de comportamento, atitude e visão. Nossos principais obstáculos à "descarbonização" não são econômicos, tecnológicos ou naturais. As barreiras são institucionais e comportamentais. Para chegarmos a um futuro sem carbono, precisamos nos tornar uma sociedade social e ambientalmente mais civilizada.

Sérgio Abranches É sociólogo, colunista de o eco e comentarista do CBN-ecopolítica.

Scientific American Brasil

Individualismo e caos no trânsito

Motoristas brasileiros carecem de noções de civilidade e de espaço público, diz estudo

O trânsito caótico da cidade de São Paulo foi escolhido como palco de um estudo sobre o comportamento dos condutores, envolvendo a percepção que têm de espaço público. Fosse um teste, estaria reprovada a maioria dos entrevistados, que assume uma postura individualista na qual o interesse pessoal está acima da lei e, portanto, do bem-estar coletivo.
"Não há noção de espaço público e de civilidade na orientação da conduta dos usuários de trânsito em São Paulo", afirma a socióloga Alessandra Olivato, responsável pela pesquisa, base de sua dissertação de mestrado defendida em 2002, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).
Foram feitas entrevistas de cerca de uma hora com 54 pessoas, abordadas nas ruas de São Paulo, pertencentes às seguintes categorias: pedestres, motoboys, motoristas de carro, ônibus, táxi e lotação. Cada um falou livremente da percepção que tem de si mesmo e dos outros no trânsito, como entende as leis e autoridades, o espaço público e a civilidade.

A partir dos resultados, Olivato observou que há uma 'lógica privada' que rege a conduta dos agentes do trânsito. "Nessa lógica a tentativa de cumprir a lei, por exemplo, não está relacionada ao bem comum, mas a princípios religiosos, ao caráter ou à boa educação familiar", diz. A maioria dos entrevistados admite cometer infrações, via de regra justificadas por motivos pessoais, que são sentidos como prioritários à lei. Boa parte refere-se às leis como meramente punitivas, considerando as autoridades de trânsito rigorosas e injustas, e relaciona os pedestres, assim como os demais motoristas, a 'obstáculos' do trânsito.

A pesquisadora associa a má conduta dos motoristas a uma tendência à privatização do espaço público, predominante nas duas últimas décadas, seguida da desvalorização do mesmo. "Hoje o espaço público é sentido como um lugar desagradável, devido a fatores como violência e poluição de todos os tipos", diz Olivato, que lembra que o espaço público é o 'lugar do cidadão'.

A tendência é agravada por fatores históricos que imprimiram um sentido negativo à cidadania brasileira. "Não há orgulho em dizer 'sou cidadão' no Brasil. Sentimos ter deveres mas não direitos", diz, acrescentando que em um país onde as pessoas não se sentem cidadãs, a individualidade acaba prevalecendo. "Isso afeta a nossa conduta no trânsito, tornando-a hostil e agressiva", afirma a socióloga.

O estudo também relaciona tal comportamento à má formação dos condutores e destaca o Novo Código de Trânsito, em vigor desde 1998, como um importante instrumento de possível mudança na conduta dos motoristas. Com ele, algumas auto-escolas substituíram a formação tradicionalmente técnica dos condutores por cursos que incluem noções de civilidade e direção defensiva -- em que o condutor deve prever os eventos no trânsito --, além de palestras e noções de primeiros socorros essenciais à boa convivência nesse espaço público. Mas os resultados ainda são muito incipientes.

Enquanto os motoristas e pedestres não desenvolvem uma educação cívica no trânsito, baseada no sentimento de co-responsabilidade pelo bem coletivo, a punição prevista nas leis ainda contribui para coibir as infrações e defender uns dos outros no caos urbano.
Revista Ciência Hoje 192
Maria Ganem

Crítica à sociedade motorizada

Livro discute poluição, exclusão social e outros males trazidos pelo uso do carro


Por que nos sujeitamos a um meio de transporte que causa, só no Brasil, a morte de 46 mil pessoas por ano? A troco de quê ajudamos a sustentar o mercado da indústria automobilística e petrolífera que fomenta tantas guerras? Por que julgamos tão necessário um veículo que é a maior causa da poluição atmosférica e do aquecimento global? Quantos ainda terão que se sacrificar para que alguns desfrutem o conforto de seu carro em congestionamentos?
Essas são algumas questões levantadas pelo livro Apocalipse motorizado - a tirania do automóvel em um planeta poluído. A obra é uma coletânea de textos que questionam a imposição social desse veículo, discutem problemas gerados pela sua superabundância, a expropriação do espaço público urbano e a exclusão social que ele acarreta.

O livro é organizado por Ned Ludd, que no ensaio de abertura conta a história do veículo no Brasil e chama a atenção para o culto ao carro que se pratica no cotidiano. "Questionar o automóvel implica, imediata e necessariamente, questionar a própria organização social e as necessidades e funções que lhes são próprias", defende.

A leitura continua com os textos do ambientalista radical Ivan Illich e do sociólogo André Gorz, que apontam os problemas da poluição e destruição do meio ambiente pela obtenção de energia para a produção e 'consumo' do carro. Gorz denuncia um paradoxo ligado à cultura do automóvel: "Ele é imprescindível para escapar do inferno urbano dos carros. A indústria capitalista ganhou assim o jogo: o supérfluo tornou-se necessário".

Outra reflexão levantada por Gorz -- e pelos textos seguintes, dos grupos Aufheben (alemão) e Mr. Social Control (tcheco) -- discute a estruturação do espaço urbano. "A verdade é que ninguém tem opção", lamenta Gorz. "Não se é livre para ter ou não um carro uma vez que o universo dos subúrbios é projetado em função dele."

Os grupos europeus também destacam a identidade estabelecida pelo carro e a exclusão social por ele provocada. "Quanto mais dinheiro é gasto por motoristas, mais lugares tornam-se fora do alcance das pessoas que não possuem carros, veja-se o êxodo de lojas das ruas principais para os anéis viários", afirma o texto tcheco. A falsa sensação de liberdade associada ao veículo e alimentada pela publicidade é outro tema evocado. "Ironicamente, a máquina que é vendida por sua capacidade de dar liberdade de movimentos e por sua capacidade de cobrir distâncias cria tanta distância quanto atravessa", acusam os alemães.
Os artigos de Apocalipse motorizado são ilustrados com charges do cartunista americano Andy Singer

O livro segue com propostas criativas e bem-humoradas de ações práticas para se opor à ditadura do automóvel -- como transformar as placas de 'Pare' em 'Pare de dirigir'. "Construa uma armação do tamanho de um carro para sua bicicleta e ande com ela pela cidade", sugerem ainda os autores.

Os artigos de Apocalipse motorizado têm linguagem simples e didática. Embora muitas vezes defenda pontos de vista irredutíveis e não apresente contrapontos ou soluções concretas para os problemas expostos, o livro funciona como um instigante guia de reflexão sobre a organização do atual sistema de transportes.

Apocalipse motorizado - a tirania do
automóvel em um planeta poluído
Ned Ludd (org.)
São Paulo, 2004, Conrad Editora

Renata Moehlecke
Revista Ciência Hoje

O peso e a influência das 12 maiores metrópoles brasileiras

Brasília
Rio de Janeiro
São Paulo

18/11/2008 - Nelson Bacic Olic
Não apenas por sua população (19,5 milhões de habitantes em 2007), mas, sobretudo por sua influência sobre outras cidades e regiões, algumas a mais de 3,5 mil quilômetros de distância, a região metropolitana de São Paulo é a única a receber a denominação de grande metrópole nacional, de acordo com a classificação adotada pelo IBGE. Sua área de influência abrange o Estado de São Paulo, parte do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas Gerais e se estende por Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Os 1.028 municípios sob influência de São Paulo abrigam cerca de 28% da população brasileira e são responsáveis por aproximadamente 40,6% do PIB do País.

Num segundo nível hierárquico de identificação de redes urbanas, que o IBGE denominou de "metrópole nacional", estão Rio de Janeiro (11,8 milhões de habitantes na área metropolitana e 14,4% do PIB nacional) e Brasília (3,2 milhões de habitantes, 6,9% do PIB).

Os outros nove núcleos urbanos mereceram uma terceira classificação, batizada simplesmente de "metrópole". Dentre eles, há alguns que têm maior peso na geração do PIB nacional do que Brasília, como são os casos de Curitiba (9,9%), Porto Alegre (7,4%) e Belo Horizonte (7,5%). Mas estão com classificação inferior à de Brasília por causa dos critérios que o IBGE utilizou para estabelecer a hierarquia dos grandes centros urbanos.

Entre esses critérios estão, por exemplo, a presença de órgãos públicos, a localização de grandes empresas, a oferta de vagas no ensino superior e serviços de saúde e a existência de emissoras de televisão aberta com programação própria.

Na administração pública, o estudo procurou identificar as relações de subordinação administrativa na área federal. No setor privado, buscou a localização das sedes e das filiais das grandes empresas, para tentar estabelecer a relação de dependência de uma unidade em relação à outra. Neste último aspecto, pode-se constatar a grande concentração do poder econômico das cidades de São Paulo e no Rio de Janeiro. A primeira abriga cerca de 73% das sedes das 500 maiores empresas enquanto a segunda sedia 23% delas.

Do cruzamento dessas informações resultaram em muitas áreas de influência urbana superpostas. Por exemplo, certas regiões de Minas Gerais, como a área conhecida como Zona da Mata Mineira, são influenciadas tanto por Belo Horizonte como pelo Rio de Janeiro.

O estudo identificou também um terceiro nível de núcleos urbanos denominado "capitais regionais", que correspondem a 70 centros que se relacionam com as metrópoles, mas influenciam um número variável de aglomerados urbanos de níveis inferiores. Num nível ainda menor o IBGE apontou a existência de 169 centros sub-regionais, com atividades menos complexas e com área de influência mais reduzida; outras 556 cidades foram consideradas centros de zona, com atuação restrita a alguns poucos municípios vizinhos. Por fim, as demais 4.473 cidades que são sedes de municípios foram consideradas centros locais, cuja atuação não vai além de seus próprios limites municipais.

O peso demográfico* e econômico* das 12 maiores metrópoles brasileiras

Metrópole % da população % do PIB
São Paulo 28,0 40,6
Rio de Janeiro 11,3 14,4
Brasília 2,5 4,3
Manaus 1,9 1,7
Belém 4,2 2,0
Fortaleza 11,2 4,5
Recife 10,3 4,7
Salvador 8,8 4,9
Belo Horizonte 9,1 7,5
Curitiba 8,8 9,9
Porto Alegre 8,3 9,7
Goiânia 3,5 2,8
Fonte: IBGE
*Obs: a soma não perfaz 100% por conta de superposição de áreas de influência das diferentes metrópoles.
texto da revista Pangea Mundo

AS 20 METRÓPOLES MAIS DENSAS DO PLANETA

07/03/2008

Segundo matéria publicada na revista Forbes Magazine – "The world's densest cities" – é esta a lista:

1. Mumbai (antiga Bombaim), Índia
Densidade: 29.650 hab./km²
Superfície: 484 km²
População: 14.350.000 habitantes

2. Kolkata (antiga Calcutá), Índia
Densidade: 23.900 hab./km²
Superfície: 531 km²
População: 12.700.000 habitantes

3. Karachi, Paquistão
Densidade: 18.900 hab./km²
Superfície: 518 km²
População: 9.800.000 habitantes

4. Lagos, Nigéria
Densidade: 18.150 hab./km²
Superfície: 738 km²
População: 13.400.000 habitantes

5. Shenzhen, China
Densidade: 17.150 hab./km²
Superfície: 466 km²
População: 8.000.000 habitantes

6. Seul / Incheon, Coréia do Sul
Densidade: 16.700 hab./km²
Superfície: 1.049 km²
População: 17.500.000 habitantes

7. Taipé, Taiwan
Densidade: 15.200 hab./km²
Superfície: 376 km²
População: 5.700.000 habitantes

8. Chennai, Índia
Densidade: 14.350 hab./km²
Superfície: 414 km²
População: 6.000.000 habitantes

9. Bogotá, Colômbia
Densidade: 13.500 hab./km²
Superfície: 518 km²
População: 7.000.000 habitantes

10. Xangai, China
Densidade: 13.400 hab./km²
Superfície: 746 km²
População: 10.000.000 habitantes

11. Lima, Peru
Densidade: 11.750 hab./km²
Superfície: 596 km²
População: 7.000.000 habitantes

12. Pequim, China
Densidade: 11.500 hab./km²
Superfície: 748 km²
População: 8.600.000 habitantes

13. Delhi, Índia.
Densidade: 11.050 hab./km²
Superfície: 1.295 km²
População: 14.300.000 habitantes

14. Kinshasa (antiga Leopoldville), Congo (ex-Zaire)
Densidade: 10.650 hab./km²
Superfície: 469 km²
População: 5.000.000 habitantes

15. Manilha, Filipinas
Densidade: 10.550 hab./km²
Superfície: 1.399 km²
População: 14.700.000 habitantes

16. Teerã, Irã.
Densidade: 10.550 hab./km²
Superfície: 686 km²
População: 7.200.000 habitantes

17. Jacarta, Indonésia.
Densidade: 10.500 hab./km²
Superfície: 1.360 km²
População: 14.200.000 habitantes

18. Tianjin, China
Densidade: 10.500 hab./km²
Superfície: 453 km²
População: 4.800.000 habitantes

19. Bangalore, Índia
Densidade: 10.100 hab./km²
Superfície: 534 km²
População: 5.400.000 habitantes

20. Ho Chi Min (antiga Saigon), Vietnam
Densidade: 9.450 hab./km²
Superfície: 518 km²
População: 4.900.000 habitantes
Revista Vivercidades

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