Pangéia
Pangéia, o retorno
A ciência já sabe: daqui a 250 milhões de anos, a cara do nosso planeta será bem parecida com uma fotografia do passado distante. Bem-vindo ao próximo supercontinente
CAROLINE WILLIAMS E TED NIELD
Esse supercontinente do futuro não é o primeiro e não será o último. Geólogos suspeitam que o movimento das massas de terra em nosso planeta é cíclico e que a cada 500 ou 700 milhões de anos elas se juntam. Esse ciclo é três vezes mais longo do que o tempo gasto pelo nosso Sistema Solar para orbitar o centro da galáxia. Isto posto, resta saber o que rege esse fenômeno, e como a vida será na próxima vez que os continentes se encontrarem.
A ciência já sabe: daqui a 250 milhões de anos, a cara do nosso planeta será bem parecida com uma fotografia do passado distante. Bem-vindo ao próximo supercontinente
CAROLINE WILLIAMS E TED NIELD
Você embarcou em sua máquina do tempo. Para o futuro, 250 milhões de anos adiante. A Terra está viva e bem. Os humanos há muito pereceram, mas o planeta continua a ser o lar de formas de vida desconcertantes. Com exceção de alguns poucos fósseis misteriosos, não há nenhuma evidência de que um dia existimos. Para alguém que viveu no século 21, como eu e você, a Terra é quase irreconhecível. Os continentes estão unidos em uma única e gigantesca massa cercada por um oceano global. A maior parte do solo seco é um deserto hostil, enquanto a costa é atacada por tempestades ferozes. Os oceanos são turbulentos na superfície, estagnados nas profundezas e constantemente famintos por oxigênio e nutrientes. Doenças, guerras e colisões de asteróides levaram humanos e muitas outras espécies do passado à extinção. Pronto, voltemos ao presente.
Esse supercontinente do futuro não é o primeiro e não será o último. Geólogos suspeitam que o movimento das massas de terra em nosso planeta é cíclico e que a cada 500 ou 700 milhões de anos elas se juntam. Esse ciclo é três vezes mais longo do que o tempo gasto pelo nosso Sistema Solar para orbitar o centro da galáxia. Isto posto, resta saber o que rege esse fenômeno, e como a vida será na próxima vez que os continentes se encontrarem.
Os continentes se movem graças à circulação do manto terrestre sob as sete grandes placas tectônicas. Quando elas se encontram, uma placa é forçada a ficar sob a outra, em um processo chamado subducção. Ele separa a crosta do outro lado da placa, permitindo que novas camadas de magma cheguem à superfície para preencher a lacuna. Esse processo faz com que a crosta oceânica seja constantemente criada e destruída. Como os continentes são feitos de rocha menos densa do que aquela mais pesada e mais fina da crosta oceânica, que forma o chão marinho, eles passam acima do manto e escapam da subducção.
Como resultado de tudo isso, os continentes mantêm sua forma por centenas de milhões de anos enquanto deslizam vagarosamente pelo planeta. Entretanto, as massas de terra acima da água do mar colidem sempre. E, às vezes, juntam-se para formar um supercontinente.
O mais recente e célebre deles, Pangéia, foi formado há 300 milhões de anos e sucumbiu 100 milhões de anos depois, quando os dinossauros surgiram. Cerca de 1,1 bilhão de anos atrás, outro supercontinente, Rodínia, formou-se e fragmentou-se 250 milhões de anos depois. Com toda certeza, eles não foram os únicos - a lista inclui Pannotia, Columbia (ou Nuna), Kenorland e Ur (veja "Passado e futuro dos supercontinentes"). O problema é que ninguém sabe ao certo quantos deles existiram porque a formação de um supercontinente tende a destruir evidências de seu antecessor. Se há um ponto sobre o qual todos concordam é que existiram dois deles contendo toda, ou quase isso, a terra do planeta: Pangéia e Rodínia.
MAPAS-MÚNDI
Há 250 milhões de anos, havia Pangéia, um supercontinente que cobria o globo de norte a sul. Daqui a outros 250 milhões de anos, os continentes se juntarão mais uma vez. Eis três hipóteses a respeito do futuro de nosso planeta.
No meio do caminho
Neste exato momento, vivemos a metade de um ciclo. O Oceano Pacífico está gradualmente se fechando, a crosta oceânica afunda nas zonas de subducção do Pacífico Norte, um sulco do Atlântico Central está alimentando novo solo marinho e as Américas separam-se cada vez mais da Europa e da África. Por falar em África, o continente está se movendo para o norte, em direção ao sul da Europa. A Oceania também caminha para o norte, rumo ao Sudeste Asiático. Os continentes movem-se cerca de 15 milímetros por ano, velocidade similar ao crescimento das unhas de um ser humano.
Adiante o relógio em algum ponto entre 50 e 100 milhões de anos e será fácil ter uma idéia básica de como tudo será. Se olharmos ainda mais para o futuro, descobriremos que as mudanças não se resumem ao movimento contínuo dos continentes. Christopher Scotese, da Universidade do Texas, em Arlington, compara o problema a dirigir em uma estrada. "Você pode ter um palpite de onde estará em 5 ou 10 minutos, mas sempre há acidentes. As pessoas mudam de faixas ou a estrada pode ter um desvio inesperado. Se algo assim acontecer, você terá de fazer uma escolha." Há duas maneiras de os continentes como os conhecemos se juntarem. Se o Oceano Atlântico continuar a se expandir, as Américas em algum momento irão trombar com a Ásia. Por outro lado, uma zona de subducção pode se abrir no Atlântico e trazer o solo marinho de volta, forçando a Europa e a América a ficarem juntas novamente. Isso, essencialmente, recriaria a Pangéia.
Em 1992, o geólogo Chris Hatnady, da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), aceitou o desafio de projetar o próximo supercontinente. Segundo ele, enquanto o Atlântico continua a aumentar, "as Américas seguem em sentido horário, ao redor de um eixo a noroeste da Sibéria, parecendo destinadas a juntar-se com a margem leste do futuro supercontinente", o qual é chamado de Amásia pelo geólogo Paul Hoffman, da Universidade de Harvard (EUA). Nessa visão do futuro, a Oceania continuará seu caminho para o norte, e a África ficará mais ou menos no mesmo lugar. Enquanto isso, a Antártica permanecerá no Pólo Sul. "Ela não está ligada a nenhuma zona de subducção. Portanto, não existe razão para qualquer movimento", afirma Hoffman.
Roy Livermore, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), chegou a conclusão parecida. No fim dos anos 1990, ele criou sua própria versão de Amásia, um futuro supercontinente que chamou de Novopangéia. "Tomei a liberdade de abrir uma nova fenda entre o Oceano Índico e o Atlântico Norte", diz. "Sabemos que a Grande Fenda [complexo de falhas tectônicas na costa da África] é ativo, então o projetamos abrindo um pequeno oceano no futuro. A África oriental e a ilha de Madagáscar movem-se através do Oceano Índico para colidir com a Ásia. A Oceania já teria colidido com o sudeste da Ásia." Além disso, uma cadeia de montanhas terá surgido no mar que seguirá junto à zona de subducção ao sul da Índia.
No futuro de Livermore, todos os continentes atuais estão unidos. "Eu não acredito que a Antártica permanecerá no Pólo", diz. Para tanto, ele supõe que uma nova zona de subducção será aberta para levar tudo embora. "A beleza disso é que ninguém nunca poderá provar que estou errado", afirma o geólogo.
PASSADO E FUTURO DOS SUPERCONTINENTES
Os geólogos já sabem que pelo menos dois deles já existiram no passado, Pangéia e Rodínia. Evidências concretas da existência de outros supercontinentes são controversas, já que a nascimento de um praticamente elimina os sinais de seus antecessores. Eis algumas das suspeitas dos cientistas.
UR ; cerca de 3 bilhões de anos atrás
Kenorland; 2,5 bilhões de anos atrás
COLUMBIA (ou NUNA); cerca de 1,9 bilhões de anos atrás
RONDÍNIA; cerca de 900 milhões de anos atrás
PANNOTIA ; 600 milhões de anos atrás
PANGÉIA ; 300 milhões de anos atrás
HOJE
PRÓXIMO SUPERCONTINENTE; 250 milhões de anos no futuro
Isso pode ser verdade, mas outros pesquisadores discordam. Scotese gastou muito de sua carreira reconstruindo o passado da Terra e agora aplica esse conhecimento para projetar os continentes no futuro. Ele não o vê como Hoffman e Livermore. Como eles, Scotese prevê que nos próximos 50 milhões de anos a África continuará indo para o norte, fechando o Mediterrâneo e impulsionando uma cadeia montanhosa do tamanho do Himalaia ao sul da Europa. A Austrália irá girar e colidir com Bornéu e o sul da China. Mas, segundo ele, tudo irá mudar 200 milhões de anos mais tarde. A subducção começa do lado ocidental do Atlântico. A abertura pára e o Atlântico começa a encolher, unindo novamente a maior parte das grandes áreas de terra, enquanto a América do Norte tromba com o continente Euro-Africano. Originalmente, Scotese chamou o supercontinente resultante de Pangéia Última, mas recentemente o renomeou de Pangéia Próxima. "O nome Última me incomodava porque dá a idéia de ser o supercontinente derradeiro", diz Scotese. "Esse processo irá continuar por outros bilhões de anos."
O geólogo diz que uma nova zona de subducção no Atlântico poderia ser aberta se uma pequena zona já existente, como uma parte da Fossa de Porto Rico (Caribe), se espalhar até a costa americana como resultado da mudança das tensões no planeta. Sob as condições certas, ele diz, a crosta poderia começar a quebrar ao longo de sua linha, sinalizando o começo do fim para a Dorsal Meso-Atlântica. Hoje ela fica no meio do caminho entre a Europa e as Américas, mas, "se estivéssemos para começar a subducção no Atlântico ocidental ou no Atlântico oriental, a Dorsal seria forçada a se mover em direção à zona de subducção", diz. "Ela seria reduzida e teríamos um oceano com uma zona de subducção e sem a fenda. Isso significa que o Atlântico seria fechado rapidamente."
No momento, não há nada que mostre qual dos modelos está correto. Mas todos concordam que a vida em qualquer um deles será bem difícil. "Supercontinentes criam extremos", diz Paul Valdes, climatologista da Universidade de Bristol (Inglaterra). Podemos dizer como era o clima da Pangéia graças a evidências geológicas como as posições dos depósitos sensíveis ao clima, entre eles os de carvão, originados em condições quentes e úmidas. Esse tipo de evidência pode ser usado para construir modelos de computador capazes de prever o clima do futuro. Os modelos resultantes sugerem que supercontinentes estão propensos a mudanças violentas nas estações do ano.
"Em Pangéia, as latitudes tropicais poderiam ser bem quentes, talvez acima de 44°C. Latitudes medianas teriam verões muito quentes e invernos muito frios, com temperaturas chegando a 20°C ou 30°C negativos, com muita neve", diz Valdes. "Tudo derreteria nos verões seguintes, causando grandes inundações." Apesar disso, vastas áreas no interior ficariam secas, porque as nuvens de chuva não teriam como avançar para terras mais internas. Em climas tão extremos, apenas uma pequena porção do supercontinente seria capaz de sustentar formas de vida. Em Pangéia, segundo Valdes, as terras com melhores condições ficavam em uma zona estreita logo depois dos trópicos. A vastidão do supercontinente futuro também provocará climas extremos. Monções se formarão por causa das diferenças de temperatura entre terra e oceano. "Se você tem uma grande massa de terra, ela aquece e estimula uma megamonção", diz Valdes.
Se abrigar vulcões em atividade, o novo supercontinente será castigado por furacões extremos
Devastação no ar
Pior: se o supercontinente abrigar vulcões em atividade, teremos uma atmosfera rica em dióxido de carbono e um planeta mais aquecido. Águas superficiais mais quentes poderiam formar furacões extremos. Com milhares de quilômetros de diâmetro e cerca de 50% mais fortes do que os mais destruidores furacões de hoje em dia, eles iriam devastar a paisagem com ventos de mais de 400 km/h.
A vida também será difícil nos oceanos. O sistema global de condução das correntes, que atualmente mantém a oxigenação e o estoque de nutrientes, dependerá do tamanho e do formato da bacia oceânica, além da posição dos continentes. Mova-os e esses condutores poderão desaparecer. O resultado será desastroso: as águas se tornarão estratificadas e com pouco oxigênio, e muito pouco da vida marinha será capaz de sobreviver.
As costas cheias de recifes perto do equador ainda serão férteis, mas a vida não será fácil mesmo ali. Quando os continentes se juntarem, haverá uma redução drástica da área de mares rasos. Muito provavelmente, essa diminuição levará à extinção em massa de espécies colocadas no mesmo ambiente e forçadas a competir. Algo parecido também acontecerá em terra. A formação de Pangéia é freqüentemente responsabilizada por uma das maiores mortandades de todos os tempos, a extinção Permiana, em parte devido à redução de hábitat disponível.
Entretanto, a vida é pródiga ao tirar o melhor de novas situações. Há 290 milhões de anos, quando a Pangéia se formou e as calotas polares derreteram, surgiram alguns dos ecossistemas mais misteriosos até hoje. Florestas densas de árvores Glossopteris (do grego "glossa", "língua", porque as suas folhas tinham esse formato) cresceram a mais de 25 metros de altura na costa sul do Mar de Tétis (surgido com a separação de Pangéia) e avançaram para o interior a 20 graus do Pólo Sul.
Apesar de serem sustentadas por um verão de luz fraca, essas árvores eram capazes de sobreviver por meses na escuridão do inverno. Toda a vegetação próxima à costa era fustigada por monções poderosas e chuvas barulhentas vindas do Mar de Tétis, com nuvens escuras obstruindo o já enfraquecido sol. Quando o inverno se aproximava, as folhas da Glossopteris caíam graças à falta de oxigênio. Não é surpresa que análises de anéis de crescimento fossilizados mostraram que a Glossopteris crescia freneticamente enquanto podia.
De qualquer maneira, os humanos não estarão aqui para ver esse futuro. O próximo supercontinente ainda não passa de um punhado de especulações, mas já tem lições valiosas para nos passar. Até podemos ficar cada vez mais espertos, mas a Terra continuará sua jornada pelo Cosmos. Com ou sem a nossa presença por aqui.
Revista Galileu
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