sexta-feira, 19 de julho de 2013

GLOBALIZAÇÃO

A globalização econômica


Valérie de Campos Mello
Professora e Pesquisadora da Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro.


O outro processo de transformação que vem afetando de maneira fundamental as bases das relações internacionais é a globalização econômica acentuada neste final de século. A globalização deve ser entendida como um processo, um padrão histórico de mudança estrutural, mais do que uma transformação política e social já plenamente realizada. Ela é um fenômeno ao mesmo tempo amplo e limitado: amplo, porque ela cobre transformações políticas, econômicas, e culturais ; limitado, porque não se trata de um processo completo e terminado, e ele não afeta a todos da mesma maneira. O processo de globalização é caracterizado pela intensa mudança estrutural da economia internacional, com o peso crescente de transações e conexões organizacionais que ultrapassam a fronteira dos Estados. Os principais componentes dessa mudança são:
i) a globalização da produção e do comércio: a globalização da produção pode ser entendida como a produção de bens e serviços em mais de um país e segundo uma estratégia global de vendas voltada para o mercado mundial . O processo de reestruturação da produção começou nos anos 70, no contexto de crescente competição internacional e inovações tecnológicas, e ele foi acelerado nos anos 80 com a queda nas taxas de crescimento e a recessão que muitos países conheceram. Hoje, nota-se uma mundialização da atividade empresarial, tanto na área industrial como na área de serviços, com o papel crescente das grandes corporações transnacionais (CTNs). O número de CTNS cresceu de 3.500 em 1960 para 40.000 em 1995. 
Houve, também, uma mudança no caráter do comércioMais do que uma troca de produtos entre sistemas produtivos domésticos, o comércio hoje é cada vez mais um fluxo de produtos entre redes de produção que são organizadas globalmente e não nacionalmente. As mercadorias são criadas através da integração de processos de produção levados a cabo em uma multiplicidade de territórios nacionais. A inclusão ou exclusão de um território nestas redes de produção depende da decisão de agentes privados. Os Estados podem tentar tornar seus territórios mais atraentes, mas eles não podem ditar a estrutura destas redes de produção global. Hoje, uma grande parcela do comércio internacional, entre 25 e 40 %, é na verdade comércio intrafirma. Quando um bem ou serviço vai de uma a outra filial de CTN, a operação é contabilizada como comércio internacional. Na verdade, trata-se do movimento de uma economia global, na qual existem bens e serviços globais, vendidos no mundo inteiro.
ii) A globalização das finanças: os mercados financeiros globais têm desempenhado um papel importante na construção da estrutura e da dinâmica da emergente ordem político-econômica. Alguns autores acreditam que é na área financeira que a globalização tem sido mais intensa, e que esta é a grande novidade do capitalismo no final do século XX. Desenvolvimentos tecnológicos nas comunicações também ajudaram a globalizar as finanças: hoje, existem moedas globais, bancos globais, assim como um sistema de crédito global. As transações de câmbio cresceram de uma média de US$ 600 bilhões por dia no final dos anos 80 a US$ 1 trilhão por dia em 1993. O volume de transações financeiras vale 40 vezes mais do que o volume de comércio de mercadorias. As finanças se tornaram separadas da produção, e são hoje um poder independente, o que significa a preponderância de interesses financeiros imediatos sobre considerações de desenvolvimento a longo-prazo.
Os mercados financeiros estão adquirindo uma crescente autonomia em relação aos Estados: o capital move-se de um país ao outro em busca do retorno máximo, afetando a capacidade de os Estados administrarem suas economias. O poder de controle dos bancos centrais sobre o valor de suas moedas é reduzido, o que limita a eficácia das políticas monetárias e fiscais dos governos. Com os capitais especulativos, há menos controle sobre taxas de câmbio, e uma maior volatilidade cambial. Fred Block fala da "ditadura dos mercados financeiros internacionais": todo Estado que iniciar uma política julgada inapropriada será punido pela desvalorização de sua moeda e pelo acesso dificultado ao capital. Os recentes acontecimentos na bolsa de valores e seu impacto imediato no Brasil são uma boa demonstração desse fenômeno. Hoje, a globalização financeira tende a promover uma crescente "internacionalização" dos Estados. Para O'Brien, é o "fim da geografia": os movimentos de capital hoje têm uma autonomia geográfica total e não obedecem a critérios nacionais. 
iii) Uma mudança no modelo de acumulação e de produção: por fim, o modelo de acumulação e produção evoluiu com a passagem ao "pós-fordismo". O modelo fordista de produção era um sistema de acumulação baseado na produção e no consumo de massa. Ele foi criado nos anos 30 nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo após a Segunda Guerra Mundial. Ele se caracterizava por uma aliança entre o Taylorismo como modo de organizar o trabalho, com uma nítida separação entre os aspectos manuais e intelectuais do trabalho, e, de outro lado, relações contratuais rígidas entre capital e trabalho – contratos de trabalho de duração indeterminada com diversas vantagens, convenções coletivas, legislação de proteção social, e outros mecanismos assegurados pelo Estado de bem-estar social. O sistema fordista foi a base do crescimento do após-guerra, garantindo ganhos de produtividade e aumento nos níveis de vida, o que por sua vez assegurava um alto patamar de consumo e estimulava o crescimento.
Este modelo foi chamado de capitalismo organizado, ou de liberalismo embebido (embedded liberalism): um sistema econômico com relativa liberdade para o capital global estava embebido em um corpo social, de instituições, normas, regulamentações, que comprometiam os Estados industrializados a insular e proteger os seus cidadãos, ao menos parcialmente, do custo de tal sistema. Como vimos, tal ideologia deve muito ao contexto histórico em que foi elaborada: a Segunda Guerra Mundial e seus efeitos devastadores levaram os governos a pensar que uma melhor proteção social de seus cidadãos seria um meio de evitar os traumas políticos das décadas anteriores, assim como de afastar a tentação comunista.
No entanto, tal modelo começa a demonstrar sinais de fraqueza no final dos anos 60, com um declínio no crescimento da produtividade e uma crise na organização do trabalho. Aparece uma contradição entre a globalização da produção e dos mercados e o caráter nacional da regulação do trabalho. Nos anos 80, os sinais de crise estavam presentes: taxas mais lentas de crescimento da produção, diminuição das taxas de produtividade e crescimento do desemprego. O modelo fordista começou a ser considerado excessivamente rígido. Com o movimento em direção a uma economia mais baseada na informação e na tecnologia de ponta, outros modos de organização do trabalho surgem. O Fordismo tende a ser substituído por modelos pós-fordistas, mais "flexíveis", ancorados em informação, serviços e alta tecnologia, com os exemplos notáveis dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Hoje, estamos nos movendo do que autores chamam de capitalismo organizado, no qual o Estado tinha um grande papel regulador, para um regime de acumulação flexível, no qual as políticas de emprego são flexíveis e toda a ênfase é colocada na competitividade. Este atual modelo tem uma estrutura de produção que segue um modelo centro-periferia: um centro relativamente pequeno de empregados permanentes que são encarregados de tarefas como pesquisa, finanças e organização tecnológica, e uma periferia que compõe o processo de produção e se ajusta às decisões do centro, com um uso constante do trabalho temporário. Tal evolução questiona e ameaça as conquistas dos trabalhadores e as leis sociais elaboradas nos tempos do Estado de bem-estar social, colocando sérios desafios à estabilidade social.
Artigo Completo através do título
Revista Brasileira de Política Internacional

Rapidinhas ... Nova Ordem Mundial


Um novo mundo está tomando forma neste final de milênio. Originou-se mais ou menos no fim dos anos de 1960 e meados da década de 1970 na coincidência histórica de três processos independentes: revolução da tecnologia da informação;  crise econômica do capitalismo e do estatismo e a consequênte reestruturação de ambos, e apogeu de movimentos sociais culturais, tais como o libertarismo, direitos humanos, feminismo e ambientalismo. A interação entre esses processos e as reações por eles desencadeadas fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede; uma nova economia, a economia informacional-global; e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real.
Manuel Castells

Neoliberalismo

Entenda a doutrina econômica capitalista
Luiz Carlos Parejo*A concepção neoliberal foi formulada pela primeira vez em 1947 por Friedrich August von Hayek. Ela partia do princípio de que o mercado deveria servir como base para organização da sociedade. Mas a política econômica neoliberal foi aplicada inicialmente pelos governos de Margareth Thatcher (Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos), a partir dos anos 1980. Hoje, é a tendência econômica vigente no mundo globalizado. Tinha como finalidade o combate ao poder dos sindicatos e a redução do papel do Estado na economia (Estado mínimo). Neste sentido, o Estado restringe a sua responsabilidade social e relega ao mercado e às empresas privadas parte dos seus encargos.

O neoliberalismo propõe uma desregulamentação da economia (controles públicos menos rígidos das atividades econômicas), a privatização das empresas estatais como as usinas de energia, as indústrias de base, a construção e administração de estradas, a administração de portos e até parte de setores de fundamental interesse público como saúde e educação. Segundo o neoliberalismo, ao enxugar os gastos com políticas sociais e obras públicas, o governo tende a diminuir os impostos e estimular as atividades produtivas. Portanto, o livre funcionamento do mercado, sem controles inibidores do Estado, é o caminho para a elevação da produção e, conseqüentemente, geração de emprego e de renda, acarretando efeitos sociais positivos.

Essa doutrina econômica tem como uma de suas características se opor a qualquer regulamentação. Segundo essa visão, o salário mínimo, por exemplo, além de não aumentar o valor real da renda do trabalhador, ainda excluiria a mão-de-obra menos qualificada do mercado de trabalho. Para os neoliberais, o piso salarial distorce custos de produção e é uma das causas do desemprego.

Segundo tal corrente de pensamento, o indivíduo teria mais importância que o Estado. Essa concepção se caracteriza pela valorização da competição entre as pessoas e liberdade de comércio, ao mesmo tempo em que é a favor da diminuição dos gastos estatais com previdência social, saúde e educação.

Origens
O neoliberalismo nasceu como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar social keynesiano.

Um texto precursor da doutrina neoliberal é "O Caminho da Servidão", de Friedrich Hayek, de 1944, escrito para criticar o Partido Trabalhista inglês.

O neoliberalismo propõe:

Retirada do Estado da economia;
Abertura da economia;
Privatização das estatais;
Desregulamentação da economia.

Essa política aumenta os fluxos de capitais, mercadorias e informações, reduzindo a capacidade de intervenção e controle do Estado sobre esses fluxos. Dessa forma, o Estado nacional perde poder e se torna vulnerável ao capital especulativo e às multinacionais.

Thatcher e Reagan
O neoliberalismo começou a ser adotado nos países industrializados em 1979 na Inglaterra (Margaret Thatcher), em 1980 nos EUA (Ronald Reagan), em 1982 na Alemanha (H. Kohl) e em 1983 na Dinamarca (Schluter). Quanto aos países não-desenvolvidos da América Latina, foi introduzido no Chile e na Bolívia, em meados da década de 1990. Vários países os seguiram, como a Argentina e o Brasil, impulsionados pelo chamado Consenso de Washington.

Os países latino-americanos que adotaram o neoliberalismo apresentaram inicialmente crescimento econômico, modernização (principalmente industrial) e estabilidade monetária. Em poucos anos, porém, instalou-se a crise econômica e social em vários deles: Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia etc.

*Luiz Carlos Parejo é professor da rede privada e de cursos pré-vestibulares.
http://educacao.uol.com.br

Globalização: Desafios para uma economia de rosto humano?

Miguel Rocha de SousaA globalização tem sido analisada desde tempos imemoriais. No entanto, a globalização tornou-se uma “buzzword” cada vez mais corrente. A globalização tornou-se ela mesmo um fenómeno em si mesmo. Abundam os textos académicos e não académicos sobre esta temática. Com esta pequena nota pretendo apenas salientar o carácter difuso e cada vez mais interdependente da globalização.

Mas afinal o que é a globalização? Será apenas um epifenómeno? Será apenas uma moda?

A meu ver a globalização sempre existiu. Na antiguidade clássica grega e romana, o comércio ligava o Mediterrâneo entre si. Mais tarde, a rota da seda ligou ainda mais as cidades estado italianas. O comércio como fonte de inter-ligação entre as economias parece-me a medida mais viável do grau de globalização; seja ela económica, política e social. Globalização, passe o truísmo, significa tornar-se global.

Hoje em dia, o mundo após o 11 de Setembro deparou-se com o terrorismo à escala global. Madrid, também não foi poupada a esta tragédia. Os mass media tornaram-se os meios privilegiados da acção da própria globalização. A Internet dispõe e predispõe tudo à velocidade de um simples click. A economia tornou-se uma economia do tempo, do custo de oportunidade do excesso de informação. Passámos da massificação da era industrial para a segmentação da era informática. O sistema capitalista renovou-se, as dot com transformaram o mundo, deram origem a gigantescas capitalizações bolsistas, mas de igual modo a crises financeiras.

Um dos desafios mais importantes da sociedade global de hoje é o de conciliar a economia capitalista assente no pilar de mercado, com a distribuição justa, ou pelo menos mais justa do rendimento. O grande desafio a meu ver, é o de como garantir eficiência e simultaneamente mais equidade. Como sabemos este trade-off, eficiência versus equidade tem dominado o pensamento económico moderno, especialmente na vertente neoclássica.

Tem havido economistas menos ortodoxos que advogam soluções para este problema. Nomeadamente o falecido Nobel James Tobin advogava uma taxa sobre os fluxos de capitais de modo a introduzir alguma inércia no fluir do sistema capitalista. As receitas dessa mesma taxa reverteriam para o desenvolvimento dos países mais carenciados.

Ha-Joon Chang , recorrendo a uma análise histórica, demonstrou que o comércio livre tem sido utilizado como panaceia para o sub-desenvolvimento. Mas, de facto, a história descreve-nos que países como os EUA, Inglaterra, França, Alemanha, todos eles de facto cresceram à custa da imposição de tarifas e quotas. Surge assim o célebre argumento de Chang: kicking away the ladder (KAL) – ou seja, os países hoje desenvolvidos cresceram e atingiram a maturidade através do comércio protegido (subiram a escada), e uma vez lá chegados, rejeitam essa via de desenvolvimento aos países em vias de desenvolvimento – o tal pontapé na escada.

Branko Milanovic, investigador do Banco Mundial, num livro também recente procedeu pela primeira vez a uma análise da distribuição mundial do rendimento, através de agregados familiares mundiais. Ou seja, não interessa tanto, nesta análise, a distribuição de riqueza do país, mas sim como cada agregado familiar se posiciona no ranking mundial. Este é também, de novo, um sintoma da globalização, os cidadãos, não são apenas cidadãos dos países, são cidadãos à escala planetária económica. Vivemos, de facto, para utilizar uma expressão mais liberal, à maneira de Pedro Arroja, numa cataláxia. Ou seja, uma verdadeira galáxia das trocas.

Nesta cataláxia para termos uma economia verdadeiramente inclusiva e justa, temos de assegurar que os mais pobres têm de facto oportunidades de crescer e evoluir. Sintomático foi a invenção do micro-crédito por Muhamad Yunus, esse sim um instrumento prático e ao alcance dos mais pobres que promove verdadeira inclusão.

Um dos conceitos teóricos da ciência política mais interessantes é o do critério de análise de bem-estar de acordo com John Rawls. Este critério diz-nos que o bem-estar de todos melhorará, se melhorarmos o bem-estar, como diz a literatura sobre o assunto do underdog, i.e. o que está em pior situação. Se este critério fosse operacionalizável de um modo sequencial, de facto a sociedade melhoraria. Assim um dos desafios da globalização é o de incluir os agentes, isso poderá ser feito utilizando as contribuições de Rawls e Yunus.

Outro ponto interessante é o comércio justo. Até que ponto a teoria neoclássica do comércio livre (partindo dos pressupostos dos modelos de Ricardo, Hecksher-Ohlin, e os mais recentes de comércio intra-industrial de Krugman e Obstfeld) se coaduna com a realidade dos países em vias de desenvolvimento. Não será o comércio justo, ao assegurar às crianças escolas e formação, remuneração justas aos pais, mais eficiente? Não será que a pobreza é uma falha de mercado? Deste modo não nos resta nada mais do que lutar pela inclusão dos mais pobres na cataláxia global.

Não se trata aqui do discurso do “desgraçadinho” ou do “pobre coitado”, mas sim de uma questão de princípios de que todo o ser humano, tal como vem expresso na Carta dos Direitos Humanos da ONU, tem direito a uma vida digna e justa. Já Adam Smith em 1776, ano seminal da economia em que publicou a Riqueza das Nações e em que os EUA se emanciparam do seu estatuto de colónia, advogava que todo o individuo tinha direito a vestir-se condignamente e a ter uma ocupação (direito ao trabalho). O desemprego, seja ele resultante da rigidez do mercado de trabalho ou de falha informativas, é de facto uma falha de mercado tal como a pobreza.

Em suma, a globalização deu origem a uma resposta, a dita alter-mundialista, em que as preocupações éticas e do sentido da vida, puseram em causa o sistema capitalista tradicional neoclássico: através do combate à pobreza, do comércio justo, do desenvolvimento sustentável e da verdadeira inclusão social à maneira Rawlsiana.

Como diria Fernando Pessoa: “I know not what tomorrow will bring.” Mas, que há amanhã é um facto, e que o amanhã poderá ser melhor, e é esta a nossa responsabilidade na cataláxia global: torná-lo melhor e mais inclusivo.
Revista Autor

Globalização

Foto: Gustavo Lourenção

Arthur Guimarães

O mundo está cada vez menorNa Idade Média, cada exemplar de um livro era escrito manualmente, havia pouquíssimos volumes, lidos por um seleto grupo de pessoas. Com a invenção da prensa, no século XVI, o número de leitores cresceu, mas ainda de forma tímida. Hoje, com o advento da informática, textos, imagens e áudio estão disponíveis a um clique do mouse. Um e-mail atravessa oceanos em segundos. E a informação chega em tempo real. "O encurtamento de distâncias e a diminuição do tempo que levamos para executar determinadas tarefas são os principais motores da globalização, um movimento apoiado em ferramentas modernas, como a comunicação via satélite e a internet", explica Francisco Carlos Teixeira, professor de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Hoje podemos falar de uma cidadania global, uma nova sensação de entrar no mundo. E isso é bom e ruim."

Soluções e problemas 
Do lado positivo, além da troca instantânea de conteúdos e bens, há várias outras ações, nos mais diversos campos do conhecimento. "Se institutos de pesquisa dos quatro cantos do mundo trocam informações sobre as pesquisas para a cura da Aids, o custo das experiências cai muito e a probabilidade de sucesso aumenta", exemplifica Teixeira. Ao mesmo tempo, o crescimento do sistema financeiro global - impulsionado pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação - tem se mostrado perigoso. "As instituições que deveriam controlar o cumprimento das regras do comércio internacional, como a Organização Mundial do Comércio, ainda não têm poder para combater o `vale-tudo` do mercado." Os países quebram normas pré-definidas e os mais pobres acabam prejudicados.

O que é globalização?A resposta para essa pergunta divide os especialistas. Para o professor Flávio Trovão, o movimento foi desencadeado no final da década de 1970, quando a então primeira-ministra inglesa Margareth Tatcher e o então presidente americano Ronald Reagan puseram seus governos para combater a crise econômica nos dois países. Empresas passaram a se instalar em nações em desenvolvimento, atrás de mão-de-obra barata, carga tributária menor e novos mercados consumidores. Com isso, o dinheiro começou a circular pelo globo, atrás do melhor lugar para se multiplicar. "O capital transnacional nasceu assim, incentivando a modernização da tecnologia e a disseminação de produtos `made in USA`, explica Trovão.

Outra linha teórica defende que a globalização tem mais de 400 anos. Para o professor e consultor econômico Antônio Luiz da Costa, os acontecimentos iniciados na década de 1980 só aceleraram um processo que começou a ser formado no final do século XV, quando Cristóvão Colombo e Vasco da Gama conectaram as Américas e a Ásia ao mercado europeu. "Ainda não era a mesma globalização que vivemos hoje", diz. "O mundo das bolsas de valores, das sociedades anônimas e das transnacionais nasceu em 20 de março de 1602, com a fundação da Companhia Unida das Índias Orientais. Ao juntar 65 navios de mercadores holandeses, ela tinha participação pública e privada e um objetivo claro: conquistar territórios produtores de especiarias, a base do comércio mundial no século XVII, exatamente como fazem os globalizados do século XXI."
http://revistaescola.abril.com.br/

Padrão de trabalho pós-neoliberal



Marcio Pochmann é colunista da Revista Fórum outro mundo em debate

Na passagem para o século XXI, o Brasil alterou profundamente o padrão de trabalho da totalidade de sua mão de obra. Por padrão de trabalho entende-se a dinâmica de geração dos empregos segundo faixa de remuneração, isto é, o sentido geral de evolução do nível ocupacional e do rendimento recebido pelo conjunto dos trabalhadores.

No capitalismo, o nível geral de emprego da mão de obra termina sendo determinado por diversas variáveis, especialmente pela dinâmica macroeconômica, que estabelece as condições gerais de uso e remuneração do trabalho. Em síntese, o perfil dos rendimentos e a dinâmica da ocupação definem o padrão de trabalho da mão de obra.

No caso brasileiro, percebe-se , entre as décadas de 1990 e 2000, o padrão de trabalho pelo diferencial de geração quantitativa e qualitativa do emprego da mão de obra. Na década de 1990, não somente prevaleceu o menor ritmo na geração de postos de trabalhos como o diferencial perfil de remuneração paga aos ocupados. Isso porque foram abertos 11 milhões de novos postos de trabalho nos anos 1990, sendo 53,6% do total sem remuneração. Na faixa de renda de até 1,5 salário mínimo, houve a redução líquida de 300 mil postos de trabalho. Esse padrão de emprego da mão de obra diferenciou-se significativamente do verificado na década de 2010.


No primeiro decênio do século XXI houve forte dinamismo nas ocupações geradas e no perfil remuneratório. Do total líquido de 21 milhões de postos de trabalho criados, 94,8% foram com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal. Nas ocupações sem remuneração (por conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, aprendiz, estagiário, entre outras) houve a redução líquida de 1,1 milhão de postos de trabalho, enquanto na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda total atingiu 4,3 milhões de ocupações. Em síntese, houve avanço das ocupações na base da pirâmide social.

O registro de dois diferentes padrões de trabalho verificados na virada do século XX implicou conformar diferenciadamente o perfil remuneratório da mão de obra ocupada no Brasil. Nos anos de 1990, por exemplo, 34,3% do ocupados possuíam remuneração de até 1,5 salário mínimo mensal, enquanto na década de 2000 eram 47,8% na mesma faixa de remuneração. Os trabalhadores sem remuneração mantiveram-se estabilizados na faixa abaixo de 12% nos dois anos selecionados, embora os postos de trabalho com rendimento acima de cinco salários mínimos mensais tenham passado de 16,7% para 7,5% do total das ocupações.

Na década de 2000, o sentido das ocupações segundo remuneração alterou-se profundamente. De um lado, a forte expansão dos postos de trabalho com rendimento de até 1,5 salário mínimo mensal, acompanhado da redução das vagas tanto sem remuneração como de maior rendimento. Assim, os ocupados de até 1,5 salário mínimo mensal aproximaram-se da metade do total das ocupações existentes em 2009, o que contribuiu para a redução da desigualdade entre as diferentes faixas de rendimento do trabalho.

Em virtude desse movimento mais recente de modificação na dinâmica remuneratória das ocupações, percebe-se a concentração dos postos de trabalho abertas na base da pirâmide social. A força do conjunto dos rendimentos dos trabalhadores de salário de base impulsionou a modificação significativa na estrutura da massa de remuneração do conjunto dos ocupados brasileiros. Em 2009, por exemplo, os ocupados com até 1,5 salário mínimo absorviam 24,5% do total da remuneração do trabalho no país, enquanto em 1989 recebiam 22,3% do conjunto dos rendimentos.

Para os ocupados que recebem mais de cinco salários mínimos, a participação no total das remunerações do País era de 35,3% em 2009 ante 45,2% em 1989. Em 1999, a composição dos rendimentos do trabalho registrou menor peso para os ocupados com até 1,5 salário mínimo mensal e mais participação daqueles com cinco salários mínimos e mais, quando comparada à do ano de 2009.

Tendo em vista a importância do emprego de baixa remuneração, que constitui a base da pirâmide distributiva do conjunto dos rendimentos do trabalho, ou seja, 47,8% do total da força de trabalho ocupada e 24,5% das remunerações do País, nota-se que a sua evolução recente encontra-se diretamente relacionada às transformações mais gerais da economia e da sociedade brasileira. Esse segmento social em especial não poderia estar associado ao conceito de classe média ascendente, tendo em vista as peculiaridades das ocupações e remuneração, conforme a literatura recente parece fazer crer. O debate a respeito da definição de classe social no capitalismo, em particular classe média, assume maior complexidade, para o qual pressupõe maior profundidade e investigação.

Em conformidade com a literatura internacional, esse segmento social deveria ser mais bem considerado na categoria analítica de trabalhadores de baixa renda, pois se trata fundamentalmente de ocupados de salário de base. A sua presença, em maior ou menor expressão, revela o padrão de trabalho existente e, por consequência, o modelo de expansão macroeconômica do País. Na maior parte dos casos, a categoria dos trabalhadores de baixa renda trata das ocupações que se encontram no entorno do salário mínimo oficial, cujo valor real determina a presença – em maior ou menor medida – de trabalhadores pobres e sua relação com o nível de consumo.

Após a regressão neoliberal, o Brasil passou a conviver com outro padrão de trabalho. Ainda que mais positivo, o sentido geral da ocupação e remuneração pós-neoliberal pressupõe avanços maiores a serem constituídos por um projeto nacional de desenvolvimento superior.

Este artigo é parte integrante da Revista Fórum 102.

Arroz com feijão ameaçado

Fast food muda perfil da alimentação de brasileiros e prejudica sua saúde

FERNANDA COLAVITTI 
fcolavitti@edglobo.com.br

Galileu/Galileu
Foto: Ricardo Padue
A globalização alimentar cresce rapidamente no Brasil pelo seu pior lado: o da chamada junk food, os lanches e outros alimentos rápidos. A proliferação das redes de fast food, com seus cardápios variados de guloseimas gostosas e calóricas, como hambúrgueres, salgadinhos e doces —, aliada à variedade de alimentos disponíveis nos supermercados, está modificando os hábitos alimentares de norte a sul do país.

Nos últimos anos, o brasileiro tem se dividido entre a tradição do arroz com feijão, e a tentação — em alguns casos, irresistível — da 'comida rápida', como mostra um amplo mapeamento da alimentação no Brasil, publicado, no mês passado, no livro 'Um, Dois, Feijão com Arroz'.

Ainda que o bom e velho arroz com feijão continue sendo a base das refeições no país, o levantamento detectou um aumento no consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares, e pobres em nutrientes fundamentais, como cálcio e ferro, fibras, além do crescente entusiasmo pelos refrigerantes, em praticamente todos os Estados. 'Estamos trocando os pratos mais tradicionais de cada região pela comida globalizada', resume o nutrólogo Mauro Fisberg, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos autores do livro.

Ao contrário do que se imagina, não é somente entre os moradores das grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, que ocorrem essas mudanças no perfil nutricional — ainda que estejam no topo do ranking.

No Piauí, pratos típicos — como o frango com farinha de mandioca, consumido em viagens e passeios —, estão dando lugar aos salgadinhos e refrigerantes. No Espírito Santo as refeições antes preparadas e consumidas em casa foram substituídas por comidas prontas de restaurantes e lanchonetes.

Em Goiânia, os refrigerantes, que não apareciam na dieta da população em estudos anteriores, já se tornaram o 12º componente do total de calorias da dieta das famílias — o consumo diário é de 98 mililitros, acima dos quase 93 mililitros de sucos naturais de frutas.

Surto de obesos
Os mineiros também sofreram mudanças significativas em seus hábitos alimentares, trocando as preparações típicas mais sofisticadas por pratos semiprontos. O estudo aponta outras substituições no Estado, como o café com leite pelo achocolatado, os vegetais in natura pelos alimentos industrializados e os doces de leite, em compota e cristalizados, pelos pudins, tortas e chocolates.

Batata cancerígena? 

Galileu/Galileu
Foto: Ricardo Padue
Como se não bastasse causar uma série de problemas de saúde já comprovados, como doenças cardiovasculares e metabólicas, o excesso no consumo de frituras ganhou mais argumentos contrários nos últimos meses.

Um estudo publicado por pesquisadores suecos, em abril, mostrou que batatas fritas e outros alimentos ricos em carboidratos geram uma substância cancerígena, a acrilamida, quando submetidos a altas temperaturas.

Após serem confirmados por pesquisas na Noruega, Reino Unido e Estados Unidos, os resultados tornaram-se motivo de preocupação para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que no mês passado reuniu especialistas para investigar a quantidade da substância necessária ao desenvolvimento da doença em humanos - já que os experimentos foram feitos em animais.
'Apesar de ainda não estarem comprovados, são estudos que devem ser levados a sério', aconselha a nutricionista Maria Alice de Assis, da Universidade Federal de Santa Catarina. Mais um motivo para maneirar nas deliciosas porções de 'fritas'.




Slow Food em alta 

Galileu/Galileu
Slow Food: ingredientes regionais e alta gastronomia
Foto: restaurante LeTanTan
Mais do que saciar a fome - e bem rápido para não perder muito tempo - e manter as funções vitais do organismo, o ato de sentar-se à mesa para comer deve ser um momento de prazer; e a comida, parte undamental da identidade cultural de um país.

Esses são os princípios do movimento Slow Food, surgido na Itália, em 1986, como reação ao avanço das redes de fast food, com seus hambúrgueres e batatas fritas. Espalhados em 40 países, inclusive no Brasil, os cerca de 70 mil membros do Slow Food pretendem impedir o domínio dos lanches rápidos, embutidos e pré-cozidos sobre as comidas regionais.

Para isso, trabalham na divulgação da filosofia do movimento, sintetizada em um anifesto, que prega a necessidade de redescobrir a riqueza da culinária regional e evitar a padronização.
'Nossa idéia não é acabar com as redes de fast food, mas fazer frente à perda cultural gastronômica de cada país, resgatar o hábito de apreciar o alimento com calma e de relaxar à mesa', explica Heloisa Mader, fundadora do Convivium do movimento em São Paulo, cuja sede é o restaurante Le Tan Tan.

Desde o final de junho, a casa incorporou ao seu cardápio nove pratos tipicamente brasileiros, como o creme de milho com paio e couve, originário do interior de Minas Gerais. O restaurante também irá promover, uma vez por mês, eventos gastronômicos abertos a todos que não agüentam mais comer enlatados, embutidos e lanches.
Revista Galileu

Mercosul completa 20 anos e destaca alto nível de maturidade em integração

Assunção, 26 mar (EFE).- O Mercado Comum do Sul (Mercosul), integrado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, considerou neste sábado ter alcançado um elevado nível de maturidade em matéria de integração, ao completar 20 anos.
"Consolidamos relações de confiança mútua, aprofundamos nossos canais de diálogo político e estreitamos nossos laços de cooperação", destaca a carta emitida pela Chancelaria do Paraguai, país que exerce a Presidência semestral do Mercosul.
O texto foi referendado pelos chanceleres Jorge Lara Castro, do Paraguai; Héctor Timerman, da Argentina; Antonio Patriota, do Brasil, e Luis Almagro, do Uruguai.
Os chefes diplomatas consideraram que o Mercosul, quarto bloco econômico do mundo e cujo tratado constitutivo foi referendado no dia 26 de março de 1991 em Assunção, "é a demonstração da capacidade conjunta dos quatro países de sobrepor as diferenças do passado, uma agenda compartilhada".
No âmbito econômico, "os avanços são particularmente eloquentes", destacaram os chanceleres, que resenharam que o comércio entre os parceiros regionais se elevou de US$ 4,5 bilhões em 1991 a US$ 45 bilhões em 2010.
"Se avançou em temas sensíveis como a eliminação da dupla cobrança da tarifa externa, o código alfandegário, disciplinas comerciais comuns, cujos acordos em outras épocas pareciam muito distantes", indicaram.
Também, ressaltaram que o Mercosul "é uma potência energética em expansão e corresponde ao território agrícola mais produtivo do mundo", que, segundo seus membros, atraiu recentemente a aliados "geograficamente distantes como a Austrália, Emirados Árabes Unidos, Turquia, Palestina, Síria e Nova Zelândia".
No âmbito social, indicaram que estão "determinados a caminhar em direção a um verdadeiro estatuto da cidadania do bloco".
"Dessa forma, ao completar 20 anos, nosso processo de integração alcança um nível mais elevado de maturidade", sublinharam.
O grupo argumentou que o exemplo "contundente dessa maturidade é o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem)", que procura reduzir as assimetrias econômicas constante denunciadas pelo Paraguai e Uruguai, os sócios menores do grupo.
O chanceler paraguaio destacou na véspera durante um seminário internacional que o pacto ainda não avançou na livre circulação de bens e serviços nem o desarmamento das barreiras tarifárias entre seus parceiros.
Os membros do grupo, que nos primeiros anos de sua criação já contava com a Bolívia e Chile como países associados e aos que se uniram neste tempo Colômbia, Equador e Peru, seguem sem concretizar o pedido de adesão plena da Venezuela.
O ingresso desse país caribenho, aprovado pelos Governos dos quatro parceiros em 2006, passou a prova nos Congressos da Argentina, Brasil e Uruguai, mas no Senado paraguaio persiste uma forte rejeição à forma de Governo do presidente Hugo Chávez.
O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, deve participar neste sábado junto ao vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, em um ato de celebração do aniversário do Mercosul na comunidade indígena Jaguatí, em Amambay, ao nordeste de Assunção, na fronteira com o Brasil. EFE http://br.noticias.yahoo.com

AIDS E OUTRAS DOENÇAS DA GLOBALIZAÇÃO

A epidemia da globalização

Divulgação

Rock Hudson: o ator de Hollywood morreu em 1985 e foi a primeira celebridade vitimada pela Aids


Quando o americano Robert Gallo isolou o vírus da Aids, em 1983, a doença era chamada de "peste gay" e matava nove em cada dez pacientes, na imensa maioria homossexuais e usuários de drogas injetáveis. A façanha do americano, repetida quase ao mesmo tempo pelo francês Luc Montagnier, abriu caminho para a sintetização das drogas antivirais que transformaram a Aids em uma doença crônica, tratável e de baixa letalidade. Gallo está com 66 anos e trabalha atualmente na pesquisa de uma vacina contra a Aids. Prevê que esse medicamento pode estar disponível em no máximo seis anos. O cientista americano deu esta entrevista a VEJA em 1996, ano que foi um marco no tratamento da doença. O coquetel de drogas que interrompe quase completamente a proliferação do vírus começava a dar resultados positivos. Gallo falou a VEJA dessa revolução no momento exato do disparo do primeiro tiro.
set 96Robert Gallo


VEJA – 
Existe fundamento para o entusiasmo despertado pelas novas drogas contra a Aids?

GALLO – Lamento dizer: sim e não. São bastante raros os casos de drogas capazes de combater com eficácia algum tipo de vírus. É muito mais difícil combater um vírus do que parasitas e bactérias, que vivem fora da célula. Os parasitas e as bactérias têm seu próprio metabolismo, são mais fáceis de atingir e, portanto, mais fáceis de destruir. Mas é evidente que estamos no limiar de uma nova era nas investigações. Sabemos muito mais sobre vírus em geral e, especialmente, sobre o HIV. Era apenas uma questão de tempo até que drogas relativamente potentes e específicas fossem encontradas. O que tem causado entusiasmo na comunidade científica é o uso das novas drogas, baseadas na inibição de uma das enzimas necessárias para a reprodução do vírus HIV, a protease. Esses novos medicamentos agem em conjunto com as drogas antigas, como o AZT, que atua sobre a transcriptase reversa, outra enzima do ciclo do HIV. Esse coquetel de remédios não deixa muita margem para que o HIV escape da célula infectada para atacar as células vizinhas, mas é preciso destacar também os aspectos negativos da medicação, os problemas que persistem.

VEJA – E o problema do preço, já que o coquetel anti-Aids custa cerca de 10 000 dólares anuais?
GALLO – O grande problema com essas drogas é, de fato, o custo. Quem pode comprá-las? Noventa por cento dos doentes não podem. Qualquer solução para o tratamento da Aids terá, obrigatoriamente, de incluir o lado econômico. O custo elevado torna essas drogas inacessíveis aos pacientes dos países em desenvolvimento e, até mesmo, a muitos pacientes das nações industrializadas.

VEJA – Quais serão os próximos passos contra a Aids?
GALLO – É necessário aprofundar nossos conhecimentos sobre o HIV e desenvolver uma maneira mais natural e biológica de controlar a reprodução do vírus no organismo. A indústria farmacêutica deverá continuar o que está fazendo, ou seja, desenvolver novas substâncias químicas contra as enzimas do vírus – a protease, a transcriptase reversa, a integrase. A indústria está atualmente numa posição muito favorável. Essas enzimas são fáceis de estudar e, quando se descobre sua estrutura molecular, torna-se simples encontrar as drogas mais eficazes para anular sua atuação.


Leia entrevista na íntegra


De doença fatal a mal crônico
Desde que os primeiros casos de Aids foram diagnosticados, em 1981, a pesquisa médica sobre a doença passou por três fases. A época inicial ficou marcada pelas primeiras e seminais descobertas, como o isolamento do vírus, em 1983, e a invenção do teste anti-HIV, em 1985. Para os pacientes a Aids era ainda uma doença fatal, que matava em média em um ano. Os avanços científicos começaram a renderfrutos em 1986, com a descoberta do AZT, medicamento que prolongava a sobrevida dos pacientes. Essa foi a segunda fase da moléstia, que durou dez anos. Em 1996, foi descoberto o coquetel de drogas que dificulta a proliferação do HIV no organismo. Os remédios do coquetel vêm recebendo aperfeiçoamentos a cada ano. Com os cuidados necessários, a Aids pode ser cuidada e mantida sob controle como uma doença crônica qualquer, como, por exemplo, o diabetes.
Fama e calvário
Além do ator Rock Hudson, outros famosos levaram a opinião pública a discutir sobre a Aids:
• Cazuza  O cantor viveu sua agonia em público, falando corajosamente sobre a doença. Morreu em 1990
• Magic Johnson  O craque do basquete americano descobriu ser soropositivo em 1991. Tornou-se usuário do coquetel de drogas em 1996 e hoje leva uma vida normal, administrando vários negócios e produzindo um programa na MTV
O paciente zero
O comissário de bordo canadense Gaetan Dugas é considerado o "paciente zero" da Aids. Estima-se que ele tenha contaminado aproximadamente 250 pessoas por ano em diversos países no início da década de 80. Sua história foi contada no livro E a Vida Continua,publicado nos Estados Unidos em 1987 e considerado uma das melhores crônicas sobre a doença. A obra sugere que a Aids seria uma "epidemia da globalização", própria de uma era em que existe facilidade de locomoção. A Sars seria outra dessas epidemias.

A GLOBALIZAÇÃO DA POBREZA E A NOVA ORDEM MUNDIAL

A globalização da pobreza está a processar-se durante um período de rápidos avanços tecnológicos e científicos. Enquanto estes últimos contribuem para o incremento substancial da capacidade potencial do sistema econômico de produzir os bens e serviços necessários, os níveis acrescentados de produtividade não se traduzem numa correspondente redução dos níveis de pobreza global.

INTRODUÇÃO

No período do pós-guerra-fria, a humanidade atravessa uma crise econômica e social de escala sem precedentes que está a conduzir ao rápido empobrecimento de vastos setores da população mundial. Assiste-se ao colapso de economias nacionais e a um aumento alarmante do desemprego. Na África subsaariana, no Sul da Ásia e em partes da América Latina, têm-se verificado surtos de fomes a nível local. Esta «globalização da pobreza» — que, em grande medida, fez retroceder as realizações alcançadas com a descolonização do pós-guerra — teve o seu início num Terceiro Mundo marcado pela crise da dívida no princípio dos anos 80 e a conseqüente imposição de reformas econômicas nefastas pelo Fundo Monetário Internacional.

A Nova Ordem Mundial é sustentada pela pobreza humana e a destruição do ambiente. Dá origem ao apartheid social, promove o racismo e os conflitos étnicos, mina os direitos das mulheres e, freqüentemente, precipita os países para confrontos destrutivos entre nacionalidades. Desde os anos 90, tem vindo a estender o seu domínio a todas as principais regiões do Mundo, incluindo a América do Norte, a Europa Ocidental, os países do antigo bloco soviético e os «Novos Países Industrializados» (NPI) do Sudeste Asiático e do Extremo Oriente.

Esta crise a nível mundial é mais devastadora do que a Grande Depressão dos anos 30. Tem conseqüências geopolíticas de grande alcance; a perturbação econômica faz-se acompanhar pelo desencadear de guerras regionais, a fratura de sociedades nacionais e, nalguns casos, a total destruição de países inteiros. Esta é, indubitavelmente, a crise econômica mais grave da História Moderna.

A RECESSÃO DO PERÍODO DO PÓS-GUERRA-FRIA

Na ex-União Soviética, como conseqüência direta do «tratamento econômico» nefasto do FMI iniciado em 1992, o declínio econômico ultrapassou a queda na produção verificada no auge da Segunda Guerra Mundial, após a ocupação alemã da Bielorrússia e de partes da Ucrânia em 1941 e o intenso bombardeamento da infra-estrutura industrial soviética. De uma situação de emprego total e relativa estabilidade de preços nos anos 70 e 80 passou-se para um quadro de subida em flecha da inflação, queda vertical dos salários reais e da taxa de emprego e abandono dos programas de saúde. A cólera e a tuberculose alastram a uma velocidade alarmante numa vasta área da ex-União Soviética.

O modelo da ex-União Soviética repete-se na Europa de Leste e nos Bálcãs. Umas após outras, as economias nacionais desmoronam-se. Nos estados bálticos (Lituânia, Letônia e Estónia), bem como nas repúblicas caucasianas da Armênia e do Azerbaijão, verifica-se um declínio da produção industrial que atinge os 65%. Na Bulgária, as pensões de reforma tinham descido para dois dólares por mês em 1997. O Banco Mundial admitiu que 90% dos búlgaros vivem abaixo do limiar da pobreza, fixado por aquela instituição em 4 dólares por mês. Sem meios para pagarem luz, água e transportes, grupos populacionais por toda a Europa de Leste e os Bálcãs vêem-se brutalmente arredados da era moderna.

O FIM DOS «TIGRES ASIÁTICOS»

No leste da Ásia, a crise financeira de 1997 — marcada por ataques especulativos contra divisas nacionais — contribuiu em grande medida para o fim dos chamados «tigres asiáticos» (Indonésia, Tailândia e Coréia). Os acordos de assistência do FMI, impostos logo após o colapso financeiro, tiveram como conseqüência imediata o declínio abrupto do nível de vida das populações. Na Coréia, na seqüência da «mediação» do FMI — decidida após consultas a alto nível com os maiores bancos comerciais e financeiros do mundo — «uma média de mais de 200 companhias por dia fecharam as suas portas [...] Por dia, cerca de 4000 trabalhadores ficavam desempregados». Entretanto, na Indonésia, num cenário de violentos confrontos nas ruas, os salários praticados pelas fábricas ilegais nas zonas de exportação, que empregavam mão-de-obra barata, desceram de 40 para 20 dólares por mês; e o FMI insistiu na desindexação dos salários como forma de mitigar as pressões inflacionárias.

Na China, com a privatização ou falência obrigatória de milhares de empresas estatais, 35 milhões de trabalhadores estão sob a ameaça de desemprego. Segundo uma estimativa recente, existem cerca de 130 milhões de trabalhadores excedentes nas zonas rurais da China. Por ironia, o Banco Mundial tinha previsto que, com a adoção de reformas do «mercado livre», a pobreza na China desceria para 2,7% no ano 2000.

POBREZA E PERTURBAÇÃO ECONÓMICA NO OCIDENTE

Já durante o período Reagan-Thatcher, as duras medidas de austeridade implementadas tinham resultado na gradual desintegração do Estado social. As medidas de «estabilização econômica» (em princípio adotadas para «atenuar os males da inflação») contribuíram para a queda do vencimento dos trabalhadores e para o enfraquecimento do papel do Estado. Desde os anos 90, a terapia econômica aplicada nos países desenvolvidos contém muitos dos ingredientes essenciais dos programas de ajustamento estrutural impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial ao Terceiro Mundo e à Europa de Leste.

No entanto, em contraste com os países em vias de desenvolvimento, as medidas políticas de reforma na Europa e na América do Norte são impostas sem a mediação do FMI. A acumulação de grandes dívidas públicas nos países ocidentais tem proporcionado às elites financeiras uma alavanca política, bem como o poder de ditar as políticas econômicas e sociais aos governos. Sob a capa do neoliberalismo, as despesas públicas são reduzidas e os programas de assistência social abandonados. As políticas estatais promovem a desregulamentação do mercado de trabalho: desindexação dos salários, emprego a tempo parcial, reforma antecipada e imposição de cortes salariais «voluntários».

Por sua vez, a prática de desgaste — que transfere o fardo social do desemprego para os grupos etários mais jovens — contribuiu para impedir a entrada no mercado de trabalho a toda uma geração. As regras da gestão de recursos humanos nos Estados Unidos são: «'dar cabo' dos sindicatos, voltar os trabalhadores mais velhos contra os mais novos, chamar os fura-greves, baixar os salários e acabar com o seguro médico pago pelas empresas».

Desde os anos 80, uma grande parte da mão-de-obra nos Estados Unidos tem vindo a ser desviada de postos de trabalho bem remunerados e sindicalizados para empregos de salário mínimo. «Terceiro-mundismo» de cidades ocidentais: a pobreza nos guetos e zonas desfavorecidas da América é a vários títulos comparável com a verificada no Terceiro Mundo. Embora a taxa de desemprego «oficial» dos Estados Unidos tenha descido nos anos 90, o número de pessoas com empregos a tempo parcial e mal remunerados subiu em flecha. Em conseqüência do declínio nos postos de trabalho com salário mínimo, grandes setores da população vêem-se completamente afastados do mercado de trabalho: «O gume verdadeiramente selvagem da recessão fere o âmago das comunidades e dos novos imigrantes em Los Angeles, onde as taxas de desemprego triplicaram e não existe uma rede de segurança social. As pessoas estão em queda livre e as suas vidas desintegram-se, com o desaparecimento de empregos de salário mínimo».

Por outro lado, a reestruturação econômica criou divisões profundas entre classes sociais e grupos étnicos. O ambiente das grandes zonas metropolitanas caracteriza-se pelo «apartheid social» : a paisagem urbana encontra-se compartimentada segundo linhas sociais e étnicas. O Estado, por sua vez, é cada vez mais repressivo na forma como gere os conflitos sociais e procura controlar as manifestações de descontentamento da sociedade civil.

Com a onda de fusões corporativas, downsizing e encerramento de fábricas, todas as categorias da força de trabalho são afetadas. A recessão atinge a classe média e os escalões superiores da força trabalho. Os orçamentos destinados à investigação são reduzidos, cientistas, engenheiros e outros profissionais vão para o desemprego e funcionários públicos superiores e gestores são forçados a pedir a reforma antecipada...

Entretanto, as realizações do período inicial do pós-guerra têm vindo a ser anuladas através da suspensão dos planos de seguro de desemprego e da privatização dos fundos de pensões. Escolas e hospitais fecham as suas portas, criando-se assim as condições necessárias para a privatização total dos serviços sociais.

UMA ECONOMIA CRIMINOSA FLORESCENTE

As reformas do «mercado livre» favorecem o desenvolvimento de atividades ilícitas, bem como a concomitante «internacionalização» de uma economia criminosa. Na América Latina e na Europa de Leste, as organizações criminosas têm vindo a investir na aquisição de bens do Estado ao abrigo dos programas de privatização apoiados pelo FMI-Banco Mundial. Segundo as Nações Unidas, a receita total a nível mundial das «organizações criminosas transnacionais» (OCT) é da ordem de um milhão de bilhões de dólares, representando um montante equivalente ao PIB (Produto Interno Bruto) do grupo de países com baixo rendimento com uma população de cerca de 3 mil milhões de pessoas. Esta estimativa das Nações Unidas abrange tráfico de narcóticos, vendas de armamento, contrabando de materiais nucleares, etc, assim como as receitas derivadas da economia de serviços controlados pela máfia (prostituição, jogo, câmbios ilícitos, etc). O que estes dados não transmitem adequadamente é a magnitude dos investimentos de rotina em negócios «legítimos» por parte de organizações criminosas, assim como o controlo significativo que estas exercem sobre os recursos produtivos em muitas áreas da economia legal.

Os grupos criminosos colaboram rotineiramente com empreendimentos legais através de investimentos numa série de atividades «legítimas», as quais não somente lhes proporcionam uma fachada para o branqueamento de dinheiro como também providenciam um processo adequado para a acumulação de riqueza fora do âmbito da economia criminosa. Segundo um observador, «os grupos de crime organizado têm um melhor desempenho do que a maioria das empresas do índice Fortune 500 [...] com organizações que se assemelham mais à General Motors do que à tradicional máfia siciliana». Segundo um depoimento prestado a um subcomitê do Congresso dos Estados Unidos por Jim Moody, o diretor do FBI, as organizações criminosas na Rússia estão «a cooperar com outros grupos criminosos estrangeiros, incluindo os sediados em Itália e na Colômbia [...] a transição para o capitalismo [na ex-União Soviética] proporcionou novas oportunidades rapidamente exploradas pelas organizações criminosas».

BANQUEIROS DE WALL STREET NOS BASTIDORES

Tem vindo a desenvolver-se um « consenso político »; por todo o mundo, os governos adotaram inequivocamente objetivos de face neoliberal. As mesmas medidas econômicas são aplicadas a nível mundial. Sob a jurisdição do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio, as reformas criam um «ambiente propício» para as atividades de bancos globais e empresas multinacionais. Não se trata, todavia, de um sistema de mercado «livre»: embora assente numa retórica neoliberal, o chamado « programa de ajustamento estrutural » apoiado pelo acordo de Bretton Woods constitui um novo enquadramento intervencionista.

No entanto, o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio constituem meros órgãos burocráticos. São organismos reguladores que operam sob uma capa intergovernamental e se encontram comandados por poderosos interesses econômicos e financeiros. Os banqueiros de Wall Street e os líderes do maior conglomerado de empresas estão por detrás destas instituições globais. Reúnem regularmente à porta fechada com o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio, bem como em inúmeros pontos de encontro internacionais. Nestas reuniões e sessões de consulta participam igualmente os representantes de poderosos grupos de pressão de empresas globais, tais como a Câmara Internacional de Comércio (CIC) (International Chamber of Commerce — ICC), o Diálogo de Negócios Transatlântico (DNT) (Trans Atlantic Business Dialogue — TABD) (que reúne nos seus encontros anuais os líderes do maior conglomerado de empresas do Ocidente com políticos e funcionários da Organização Mundial de Comércio), o Conselho de Comércio Internacional dos Estados Unidos (United States Council for International Business — USCIB), o Fórum Econômico Mundial de Davos, o Instituto Internacional de Finanças (IIF) sediado em Washington e que representa os maiores bancos e instituições financeiras do mundo, etc. Outras organizações «semi-secretas» — que desempenham um papel importante na definição das instituições da Nova Ordem Mundial — incluem a Comissão Trilateral, o grupo Bildeberg e o Conselho para as Relações Estrangeiras.

A ECONOMIA DA MÃO-DE-OBRA BARATA

A globalização da pobreza está a processar-se durante um período de rápidos avanços tecnológicos e científicos. Enquanto estes últimos contribuem para o incremento substancial da capacidade potencial do sistema Econômico de produzir os bens e serviços necessários, os níveis acrescentados de produtividade não se traduzem numa correspondente redução dos níveis de pobreza global. No início de um novo milênio, este declínio global do nível de vida das populações não resulta de uma escassez de recursos produtivos.

Pelo contrário, o downsizing, a reestruturação corporativa e a transferência da produção para locais de mão-de-obra barata no Terceiro Mundo têm vindo a conduzir ao aumento do desemprego e à redução dos salários dos trabalhadores urbanos e rurais. Esta nova ordem econômica sustenta-se com a pobreza humana e com a mão-de-obra barata : os altos níveis de desemprego nacional, tanto em países desenvolvidos como em países em vias de desenvolvimento, contribuíram para fazer baixar os salários reais. O desemprego foi internacionalizado, com o capital migrando de um país para outro numa busca contínua de fontes de mão-de-obra mais barata. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego afeta mil milhões de pessoas a nível mundial, ou seja, cerca de um terço da força de trabalho global. Os mercados de trabalho nacionais deixaram de ser segregados: os trabalhadores de diferentes países encontram-se em clara concorrência uns com os outros. Com a desregulamentação dos mercados de trabalho, os direitos dos trabalhadores são anulados.

O desemprego global funciona como uma alavanca reguladora dos custos trabalhistas a nível mundial: a abundância de mão-de-obra barata no Terceiro Mundo e no ex-Bloco de Leste contribui para o abaixamento dos salários nos países desenvolvidos. Praticamente todas as categorias da força de trabalho (sem excluir os trabalhadores altamente qualificados, os profissionais liberais e os cientistas) são afetadas; simultaneamente, a concorrência pelos postos de trabalho fomenta divisões sociais baseadas em classe social, grupo étnico, sexo e idade.

MICROEFICIÊNCIA, MACROINSUFICIÊNCIA

As empresas globais minimizam os custos do trabalho a nível mundial. Os salários reais no Terceiro Mundo e na Europa de Leste chegam a ser setenta vezes inferiores aos dos EUA, da Europa Ocidental ou do Japão: as possibilidades de produção são praticamente inesgotáveis, dada a grande quantidade de trabalhadores pobres em todo o mundo.

Enquanto as teorias econômicas vigentes acentuam a «distribuição eficaz» dos «escassos recursos» da sociedade, as duras realidades sociais põem em questão as conseqüências destes meios de distribuição. Assiste-se ao encerramento de fábricas, pequenas e médias empresas são empurradas para a falência, trabalhadores qualificados e funcionários públicos são despedidos e o capital humano e material é desperdiçado em nome da «eficiência». O impulso para a utilização «eficaz» dos recursos da sociedade ao nível microeconômico conduz a uma situação diametralmente oposta ao nível macroeconômico. Quando existem grandes quantidades de capacidade industrial desaproveitada e milhões de trabalhadores desempregados, os recursos não estão sendo utilizados eficientemente. O capitalismo moderno parece totalmente incapaz de mobilizar estes recursos humanos e materiais desaproveitados.

ACUMULAÇÃO DE RIQUEZA, DISTORÇÃO DA PRODUÇÃO

Esta reestruturação econômica global promove a estagnação no fornecimento dos bens e serviços necessários e simultaneamente desvia os recursos existentes para investimentos lucrativos na economia dos bens de luxo. Ao mesmo tempo, com o esgotamento da criação de capital em atividades produtivas, o lucro é cada vez mais freqüentemente procurado em transações especulativas e fraudulentas, o que, por sua vez, contribui para a ocorrência de perturbações nos principais mercados financeiros mundiais.

Uma minoria social privilegiada tem vindo a acumular vastas fortunas à custa da grande maioria da população. O número de bilionários nos EUA subiu de 13 em 1982 para 149 em 1996 e ultrapassou os 300 em 2000. O «Clube Global de Bilionários» (com cerca de 450 sócios) é detentor de uma riqueza total que excede em muito a soma dos produtos internos brutos do grupo de países de baixo rendimento, com 59% da população mundial (ver quadro 1.1). A riqueza pessoal da família Walton, do noroeste do Arkansas, proprietários da cadeia de lojas Wal-Mart (85 mil milhões de dólares) — a herdeira, Alice Walton, os seus irmãos Robson, John e Jim e a mãe, Helen — atinge mais do dobro do PIB do Bangladesh (33,4 mil milhões de dólares), com uma população de 127 milhões de pessoas e um rendimento anual per capita de 260 dólares.

A acrescentar a este quadro, o processo de acumulação de riqueza desenrola-se cada vez mais freqüentemente à margem da economia real, divorciado de atividades produtivas e comerciais fidedignas. «O sucesso no mercado de ações de Wall Street [ou seja, das transações especulativas] foi responsável pela maior parte dos bilionários no ano passado [1996]». Por sua vez, os milhares de milhões de dólares adquiridos através destas transações especulativas são desviados para contas confidenciais em mais de 50 paraísos fiscais offshore em todo o mundo. Segundo uma estimativa do banco de investimentos americano Merrill Lynch, os depósitos individuais geridos através de bancos privados em paraísos fiscais offshore totalizam cerca de 3,3 mil bilhões de dólares. O FMI calcula que os bens offshore de empresas e de indivíduos atinjam os 5,5 mil bilhões de dólares, um valor equivalente a 25% do rendimento total mundial. Nos anos 90, as fortunas das elites do Terceiro Mundo, depositadas em contas secretas e, em grande medida, obtidas por meios ilícitos, foram calculadas em cerca de 600 mil milhões de dólares, estando um terço desta quantia depositado na Suíça.

PRODUÇÃO EXCEDENTE: AUMENTO DA OFERTA, DIMINUIÇÃO DA PROCURA

O aumento da produção no sistema do capitalismo global resulta da «minimização do emprego» e do arrocho dos salários dos trabalhadores. Este processo, por sua vez, afeta os níveis de procura por parte do consumidor de bens e serviços necessários: capacidade ilimitada de produção, capacidade limitada de consumo. Numa economia global de mão-de-obra barata, o processo de aumento da produção (através de downsizing, dispensas coletivas e abaixamento de salários) contribui para reduzir a capacidade de consumo da sociedade.

Por conseguinte, a tendência é para a produção excedente a uma escala jamais vista. Por outras palavras, a expansão corporativa neste sistema só pode verificar-se através da concomitante eliminação da capacidade produtiva inativa, nomeadamente através da falência e da liquidação de «empresas excedentes». Estas últimas são preteridas em favor da produção mecanizada mais avançada: a totalidade de certas áreas da indústria encontra-se inativa, a economia de vastas regiões é afetada, e só está a ser utilizada uma parte do potencial agrícola mundial.

Esta oferta global excessiva de bens de consumo é uma conseqüência direta do declínio no poder de compra e do aumento dos níveis de pobreza. Este último resulta também da minimização dos custos de trabalho e do emprego a nível mundial sob o impacto das reformas do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio.

Por sua vez, o excesso de oferta contribui para acentuar o abaixamento das receitas dos produtores diretos, através da desativação da capacidade excedente de produção. Contrariamente à «Lei de Say», arvorada pela corrente neoliberal, a oferta não cria a sua própria procura. Desde o início dos anos 80, o excesso de produção de bens de consumo, com a conseqüente queda dos preços (reais) destes bens, tem sido causa de grandes perturbações, especialmente entre os produtores primários do Terceiro Mundo, mas também na área da manufatura.

INTEGRAÇÃO GLOBAL, DESINTEGRAÇÃO LOCAL

Nos países em vias de desenvolvimento, a totalidade de algumas áreas da indústria fornecedora do mercado interno é empurrada para a falência, em cumprimento de ordens do Banco Mundial e do FMI. O sector urbano informal — que, tradicionalmente, desempenha um papel importante na criação de emprego — foi minado, em conseqüência da desvalorização de divisas, da liberalização das importações e da política de dumping. Na África subsaariana, por exemplo, o sector informal da indústria do pronto-a-vestir foi completamente destruído e substituído pelo mercado de roupas em segunda mão (importadas do Ocidente a 80 dólares a tonelada).

Contra este pano de fundo de estagnação econômica (com taxas negativas de crescimento registradas na Europa de Leste, na ex-União Soviética e na África subsaariana), as maiores empresas mundiais beneficiam de um crescimento sem precedentes e da expansão do seu quinhão do mercado global. No entanto, este processo desenrolou-se em grande medida através do afastamento dos sistemas produtivos preexistentes — ou seja, à custa dos produtores locais, regionais e nacionais. A expansão e o «lucro» das maiores empresas mundiais assentam numa contração global do poder de compra e no empobrecimento de vastos setores da população mundial. Por sua vez, as reformas do «mercado livre» contribuíram de forma brutal para a abertura de novas fronteiras econômicas, simultaneamente garantindo o «lucro» através da imposição de salários baixíssimos e da desregulamentação do mercado de trabalho. Neste processo, a pobreza é um fator positivo da oferta. A gama de reformas do FMI--Banco Mundial-Organização Mundial de Comércio imposta ao nível mundial desempenha um papel decisivo na regulamentação dos custos do trabalho em nome do capital corporativo.

Trata-se da lei da sobrevivência do mais forte: as empresas com as tecnologias mais avançadas, ou as que podem impor salários mais baixos, sobrevivem numa economia mundial marcada pela produção excedente. Embora o espírito do liberalismo anglo-saxônico se empenhe na «promoção da concorrência», na prática as medidas políticas macroeconômicas do G-7 (através de controles fiscais e monetários apertados) têm promovido uma onda de fusões corporativas e de aquisições, assim como a falência de pequenas e médias empresas.

A DESTRUIÇÃO DA ECONOMIA LOCAL

Ao nível local, as pequenas e médias empresas são empurradas para a falência ou obrigadas a produzir para um distribuidor global. Por sua vez, as grandes multinacionais apoderaram-se dos mercados ao nível local através do sistema de franchising corporativo. Este processo permite ao grande capital corporativo (o franchiser ) obter o controlo dos recursos humanos, da mão-de-obra barata e da capacidade empresarial. Uma grande parte dos ganhos das pequenas empresas locais e/ou dos retalhistas é assim retida pela sociedade global, enquanto a maior parte dos custos do investimento cabe ao produtor independente (o franchisee ).

Observa-se um processo paralelo na Europa Ocidental. Com o tratado de Maastricht, o processo de reestruturação política na União Européia tem cada vez mais em consideração interesses financeiros dominantes, à custa da unidade das sociedades européias. Neste sistema, o poder estatal tem deliberadamente vindo a sancionar o desenvolvimento de monopólios privados: o grande capital destrói o pequeno capital em todas as formas de que este se reveste. Com a tendência para a formação de blocos econômicos tanto na Europa como na América do Norte, assiste-se à eliminação do empresário ao nível regional ou local, a vida nas cidades sofre transformações e a propriedade privada a pequena escala desaparece completamente. O «comércio livre» e a integração econômica proporcionam uma maior mobilidade às empresas globais enquanto, simultaneamente, impedem (através de barreiras institucionais e não tarifárias) o movimento do pequeno capital a nível local. Embora aparente unidade política, a «integração econômica» (sob o domínio da empresa global) promove com freqüência fações e lutas sociais entre sociedades nacionais e no seio destas.

GUERRA E GLOBALIZAÇÃO

A imposição de reformas macroeconômicas e de transações comerciais sob a supervisão do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio (OMC) destina-se a recolonizar certos países de forma «pacífica» através da manipulação deliberada das forças de mercado. Embora não requeira explicitamente o uso de força, a aplicação brutal de reformas econômicas constitui, no entanto, uma forma de guerra. Os perigos da guerra, a um nível mais geral, devem ser compreendidos. A guerra e a globalização não são questões estanques.

O que acontece aos países que se recusam a «abrir-se» aos bancos ocidentais e às empresas multinacionais em cumprimento das ordens da Organização Mundial de Comércio? Os serviços de informação das potências militares ocidentais e dos seus vários órgãos burocráticos têm contactos rotineiros com o poder financeiro instituído. O FMI, o Banco Mundial e a OMC — que policiam as reformas econômicas ao nível de país — colaboram igualmente com a NATO nas suas várias missões de «manutenção de paz», já para não referir o financiamento de reconstrução «pós-conflito» sob os auspícios das instituições de Bretton Woods.

No início do terceiro milênio, a guerra e o «mercado livre» andam de mãos dadas. A guerra não necessita da OMC ou de um tratado de investimento multilateral (ou seja, um MAI — Multilateral Investment Treaty) entrincheirado no direito internacional. A guerra é o «MAI» de último recurso. A guerra destrói fisicamente o que não foi desmantelado através da desregulamentação, da privatização e da imposição de reformas do «mercado livre». A total colonização através da guerra e a instalação de protetorados ocidentais equivalem à concessão de «tratamento nacional» aos bancos ocidentais e às empresas multinacionais (como estipulado pela OMC) em todos os setores de atividade. A «diplomacia dos mísseis» é uma réplica da «diplomacia dos canhões» utilizada para implementar o «comércio livre» no século XIX. A Missão Cushing dos EUA à China em 1844 (na seqüência das Guerras do Ópio) foi um aviso ao governo imperial chinês de que «a recusa em ceder às exigências americanas poderia considerar-se uma declaração de guerra».

O DESARMAMENTO DA NOVA ORDEM MUNDIAL

A ideologia do mercado «livre» defende uma forma nova e brutal de intervencionismo do Estado, assente na interferência deliberada nas forças de mercado. Suprimindo os direitos dos cidadãos, o «comércio livre», sob a égide da Organização Mundial de Comércio (OMC) concede «direitos inalienáveis» aos maiores bancos do mundo e às empresas globais. O processo de implementação de acordos internacionais, conduzido pela Organização Mundial de Comércio ao nível nacional e internacional, passa invariavelmente ao lado do processo democrático. Por outras palavras, ao conceder poderes alargados ao poder financeiro instituído, os artigos da OMC ameaçam conduzir ao enfraquecimento de sociedades nacionais (ver capítulo 1).

A Nova Ordem Mundial baseia-se no «falso consenso» de Washington e de Wall Street, que impõe o «sistema de mercado livre» como a única opção possível na senda ditada pelo avanço da «prosperidade global». Todos os partidos políticos, sem exceção, os Verdes, os Sociais-Democratas e os partidos ex-Comunistas, aceitam agora este consenso.

As ligações insidiosas existentes entre políticos e funcionários internacionais e poderosos interesses financeiros devem ser expostas. Para se alcançarem mudanças significativas, as instituições estatais e as organizações intergovernamentais têm de ser libertas das garras do poder financeiro instituído. É igualmente necessário democratizar o sistema Econômico e as suas estruturas de gestão e propriedade, por resolutamente em questão a concentração óbvia da propriedade e das fortunas privadas, desarmar os mercados financeiros, suspender os negócios especulativos, por fim ao branqueamento de dinheiro, desmantelar o sistema bancário offshore , redistribuir os rendimentos e a riqueza, restaurar os direitos dos produtores diretos e reconstruir o sistema de segurança social do Estado.

No entanto, é necessário ter em conta que as estruturas militares e de segurança ocidentais caucionam e apóiam os interesses econômicos e financeiros dominantes — ou seja, tanto a constituição como o exercício da força militar se destinam a impor o «comércio livre». O Pentágono é uma sucursal de Wall Street; a NATO coordena as suas operações militares com o Banco Mundial e as medidas de intervenção do FMI, e vice-versa. De forma consistente, os organismos de segurança e defesa da aliança militar ocidental, em colaboração com os vários governos e órgãos burocráticos intergovernamentais (tais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC) partilham um entendimento comum, um consenso ideológico e igual empenho na Nova Ordem Mundial. Por outras palavras, a campanha internacional contra a «globalização» deve ser integrada numa coligação mais alargada de forças sociais empenhadas no desmantelamento do complexo militar-industrial, da NATO e das instituições da defesa, nas quais se incluem os serviços policiais, de informação e de segurança.

Os meios de comunicação globais fabricam as notícias e distorcem abertamente o curso dos acontecimentos mundiais. Esta «falsa consciência» que se infiltra na nossa sociedade impede o debate crítico e mascara a verdade. Em última análise, nega o acesso a um entendimento coletivo dos mecanismos de um sistema Econômico que está a destruir a vida das pessoas. A única promessa do «mercado livre» é um mundo de agricultores sem terra, fábricas fechadas, trabalhadores sem emprego e programas sociais destruídos, com o «amargo remédio Econômico» da OMC e do FMI a constituírem a única receita. Temos a obrigação de restaurar a verdade, denunciar os meios de comunicação de massas controlados pelas empresas, devolver a soberania aos nossos países e aos povos dos nossos países e desarmar e abolir o capitalismo global.

Esta luta deve ter uma ampla base democrática de sustentação que abranja todos os setores da sociedade a todos os níveis, em todos os países, unindo num só ímpeto trabalhadores, agricultores, produtores independentes, pequenos negociantes, profissionais liberais, artistas, funcionários públicos, membros do clero, estudantes e intelectuais. Os elementos de setores diversos devem unir-se, os grupos com uma causa específica devem dar-se as mãos num entendimento comum e coletivo do poder destrutivo e empobrecedor deste sistema Econômico. A globalização desta luta é fundamental e requer um grau de solidariedade e internacionalismo sem precedentes na História mundial. Este sistema Econômico global é alimentado pela divisão social entre países e no seio destes. A unidade de objetivos e a coordenação ao nível mundial entre os diversos grupos são cruciais. É necessário um ímpeto de grande magnitude que congregue os movimentos sociais nas principais partes do Mundo num objetivo comum e no empenhamento para a eliminação da pobreza e a obtenção de uma paz mundial duradoura.

Michel Chossudovsky,
diretor do Centre for Research on Globalization.

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